O globo, n. 30956, 09/05/2018. Economia, p. 17

 

De volta ao passado

Janaína Figueiredo

09/05/2018

 

 

Depois de quase 15 anos, Argentina recorre de novo ao FMI. Analistas estimam ajuda em US$ 30 bi

​Um dia depois de o presidente da Argentina, Mauricio Macri, ter dado o primeiro passo com um telefonema à diretora do Fundo Monetário Internacional (FMI), Christine Lagarde, o ministro da Fazenda, Nicolás Dujovne, desembarca hoje em Washington com sua equipe para acertar os detalhes de um socorro, estimado por analistas locais em cerca de US$ 30 bilhões. A Argentina não recebe ajuda do Fundo desde setembro de 2003 e, em 2005, durante o governo Néstor Kirchner (2003-2007), saldou sua dívida com o organismo, que, na ocasião, era de US$ 9,5 bilhões. O pedido do que está sendo chamado pela Casa Rosada de “financiamento preventivo” foi consequência direta da corrida cambial das últimas semanas — que obrigou o Banco Central a elevar a taxa de juros de 33% para 40% — e da perda de confiança pelos mercados internacionais, que atualmente cobram juros altíssimos para financiar o governo argentino.

Ainda não está claro que tipo de empréstimo será concedido à Argentina, mas analistas locais acreditam que será uma linha que coloque exigências ao país. As linhas de crédito mais flexíveis têm sido concedidas a países como Colômbia, México e Polônia, cujas condições macroeconômicas são mais sólidas. Em pronunciamento, Macri admitiu ontem que a Argentina depende do financiamento externo e justificou a decisão de recorrer ao FMI como uma medida necessária para garantir o crescimento.

Segundo o economista-chefe para América Latina do banco Goldman Sachs, Alberto Ramos, que inicialmente estimou que a Argentina fosse obter um crédito flexível, o país provavelmente conseguirá uma linha preventiva e de liquidez. Esta traz exigências, para que o país resolva suas vulnerabilidades macroeconômicas.

As necessidades de financiamento alcançam US$ 30 bilhões por ano, e as de 2018 ainda não estão totalmente cobertas. Com uma taxa de risco país em 510 pontos centesimais e os mercados praticamente fechados à Argentina, o Fundo, descartado como alternativa há um ano e meio, quando Dujovne assumiu a Fazenda, tornou-se a melhor e talvez única opção. O objetivo principal é acalmar os mercados e recuperar a confiança.

Em um primeiro momento, não ocorreu o impacto esperado: a Bolsa de Valores de Buenos Aires caiu 3,8%, e o dólar subiu 2,7%, a 22,94 pesos. O clima de dúvida continua. O economista Aldo Abram, diretor da Fundação Liberdade e Progresso, diz que o fato de ter altas necessidades de financiamento coloca a Argentina em situação complicada.

— Não tínhamos outra opção a não ser pedir ajuda ao Fundo. O país não precisa de recursos de forma imediata, precisa é acalmar os mercados — explicou Abram, ressaltando que a turbulência dos últimos dias “despertou muitas dúvidas sobre o futuro”. — Não podemos descartar que o mundo fique mais complicado. E, nesse cenário, a Argentina precisa de uma garantia para continuar sendo um país confiável.

 

NÃO HAVERÁ CONTÁGIO NO BRASIL, DIZ MINISTRO

Até o segundo semestre do ano passado, a Argentina parecia viver em um mundo cor de rosa. Segundo a economista Marina Dal Poggetto, “para o mercado éramos a Disneylândia, e Macri tinha sua reeleição garantida em 2019”. Não fazia sentido, diz, “já que os desequilíbrios que tínhamos são os mesmos que temos hoje”, entre eles um déficit externo que representa 5% do PIB.

— Mudou o humor do mercado — afirmou Marina, que aponta falta de coordenação na equipe econômica.

Ela estima que a economia terá desempenho negativo no segundo e no terceiro trimestres. Pensar em crescimento de 3% para 2018, como prevê o Orçamento do governo, é hoje uma utopia, diz:

— Com este choque cambial, aumento de juros... nem pensar. Poderemos crescer em torno de 1%.

O FMI, segundo a economista, ajudará em termos de liquidez, “mas internamente continuamos tendo problemas que afetam a governabilidade”, entre eles, a pressão do peronismo opositor no Congresso — onde Macri não tem maioria — para anular medidas como o aumento das tarifas de serviços públicos.

A lista de preocupações é grande, e a volta ao FMI não acalmou os ânimos. Economistas projetam inflação de 26% este ano, bem acima da meta do governo, de 15%. E o dólar mantém sua trajetória de alta, com o peso acumulando desvalorização em torno de 20% este ano, segundo dados da Bloomberg.

— Durante nossos dois primeiros anos contamos com um contexto internacional favorável, mas isso está mudando. Tomei essa decisão (pedir ajuda ao FMI) pensando no melhor para todos os argentinos — declarou Macri.

Muitos lembraram ontem que em 2016, antes de se tornar ministro, quando era colunista de temas econômicos e assessor privado, Dujovne questionou uma eventual negociação com o Fundo. “O monitoramento representa um custo político que o governo já está pagando e quer evitar. Endividar-se com o FMI é mais barato, mas endividar-se no mercado mostra mais independência”, afirmou então. Hoje, porém, a Argentina parece não ter outra opção.

Ontem, Dujovne afirmou que o governo busca um “financiamento preventivo”. Resta saber qual será o custo desse empréstimo para um país às voltas com uma das taxas de inflação mais altas da região, desequilíbrio em suas contas fiscal e externa, uma queda de mais de US$ 7 bilhões em reservas só este ano e uma moeda local que enfrenta desvalorização.

O ministro da Fazenda brasileiro, Eduardo Guardia, afirmou ontem que não vê risco de haver contágio, no Brasil, da crise na Argentina. Segundo ele, a economia brasileira está em situação confortável e sólida para enfrentar instabilidades:

— Não há canal de contágio. Temos uma situação externa extremamente confortável, um déficit em conta corrente pequeno, financiado por investimento estrangeiro direto. Temos reservas extremamente elevadas, não vejo nenhum impacto. É uma situação completamente diferente da da Argentina.