Título: Cachoeira tentou assediar secretário
Autor: Camopos, Maria Ana
Fonte: Correio Braziliense, 27/04/2012, Politica, p. 4

Cachoeira tentou assediar secretário

Bicheiro articulou encontro com titular de Transportes do GDF para entrar no mercado de bilhetagem eletrônica

» ANA MARIA CAMPOS

Interceptações telefônicas da Polícia Federal (PF) na Operação Monte Carlo indicam que o grupo liderado pelo contraventor Carlinhos Cachoeira tentou diversas vezes um contato com o secretário de Transportes, José Walter Vasquez, em busca do milionário negócio de bilhetagem eletrônica no Distrito Federal. As escutas foram a base da Operação Saint-Michel, deflagrada pelo Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (MPDFT) na manhã da última terça-feira, que provocou a prisão de quatro pessoas, entre as quais o ex-diretor da Delta Construções para o Centro-Oeste Cláudio Dias de Abreu, um dos alvos da CPI do Cachoeira no Congresso. O paradeiro de um outro executivo da empresa, Heraldo Puccini Neto, que também teve a prisão preventiva decretada, era desconhecido até o fechamento da edição na noite de ontem.

Num dos diálogos interceptados pela PF, Gleyb Ferreira da Cruz, apontado como um dos mais próximos assessores de Cachoeira, conversa com o contraventor sobre agendar um encontro com Vasquez. Eles se referem a Milton Martins de Lima Júnior, diretor-administrativo do DFTrans como um aliado, mas comentam que ele não estaria conseguindo marcar o compromisso com o secretário de Transportes para que pudessem conversar sobre a licitação para bilhetagem eletrônica. "O Milton não tem poder de decisão, ele tem poder de sugestão, mas quem decide é o secretário junto com o governador", diz Gleyb reforçando a necessidade de uma aproximação com o secretário de Transportes.

A intenção do grupo, segundo investigação da Operação Saint-Michel, conduzida pelo Núcleo de Combate às Organizações Criminosas (NCOC) do MPDFT, era conquistar o negócio, avaliado por eles em R$ 60 milhões por ano, e entregá-lo a uma empresa coreana, a EB CARD, ou promover uma parceria entre esta e a Delta Construções. O secretário de Transportes confirmou ao Correio ontem que, de fato, quase marcou duas vezes uma reunião com uma empresa coreana, a pedido de Valdir dos Reis, um dos presos na Operação Saint-Michel.

Valdir conheceu José Walter Vasquez quando ambos trabalharam próximos no Governo do Distrito Federal em 2006. "Ele é uma pessoa agradável, considerada competente. Nós nos conhecemos quando eu fui secretário de PPPs (parcerias público-privadas) e o Valdir era assessor do então secretário de Planejamento, José Naves", conta o secretário. "No ano passado, o Valdir me pediu duas vezes para marcar uma reunião com uma empresa coreana. Cheguei a marcar, mas nunca aconteceu. Ele dizia ter um pessoal com preço competitivo e experiência", acrescentou.

Vasquez afirma que nunca houve da parte de Milton Martins, um dos investigados na Operação Saint-Michel, pedido de aproximação com empresas interessadas no contrato. "Tive com Milton sempre conversas técnicas", afirma o secretário. A licitação para bilhetagem eletrônica deve ocorrer ainda neste ano, depois que o governo do Distrito Federal finalizar a concorrência para concessão de linhas de transporte coletivo. Além de Valdir e dos dois diretores da Delta Construções, tiveram a prisão preventiva decretada Dagmar Alves Duarte, apontado como lobista, e o vice-presidente da Câmara Municipal de Anápolis, vereador Wesley Silva (PMDB), aliado e amigo de Cachoeira.

Tentáculos De acordo com a investigação, eles também estariam trabalhando em benefício do esquema liderado por Cachoeira com o objetivo de expandir os negócios no Distrito Federal. A Delta Construções já tem o contrato de coleta de lixo na capital do país. Todos os que foram presos na Operação Saint-Michel conversam entre si. Os diálogos captados pela PF indicam que Gleyb teria combinado um pagamento mensal de R$ 6 mil a Valdir dos Reis para que ele ajudasse o grupo. Teria havido uma negociação com valor estipulado em R$ 10 mil. De acordo com as investigações, Valdir também teria um carro à disposição, além de gasolina para o trabalho.

Além das prisões, a Justiça determinou também o cumprimento de mandados de busca e apreensão nas casas e nos endereços de trabalho de todos os investigados, entre os quais a diretoria administrativo-financeira do DFTrans. Foram cumpridos mandados em Brasília, São Paulo, Anápolis e Goiânia. O ex-diretor da Delta Cláudio Abreu e os demais investigados estão juntos numa cela no Departamento de Polícia Especializada (DPE) e devem ser transferidos hoje para a Papuda. Heraldo Puccini era considerado até ontem foragido.

O diretor-geral da Polícia Civil, Jorge Xavier, disse ontem que sua equipe não está atrás do executivo porque ele tem endereço em São Paulo e o cumprimento do mandado de prisão não está sob a competência da Polícia do DF. De acordo com a assessoria de imprensa do Ministério Público do DF, o mandado de prisão da 5ª Vara Criminal de Brasília contra o executivo da Delta deve ser cumprido pela Polícia Civil do DF, mas policiais de outra unidade da federação também poderão prendê-lo.

"O Milton (diretor do DFTrans) não tem poder de decisão, ele tem poder de sugestão, mas quem decide é o secretário" Gleyb da Cruz, falando sobre a bilhetagem eletrônica em contato com Carlinhos Cachoeira