O globo, n. 30955, 08/05/2018. País, p. 3

 

Governadores sem foro

André de Souza

Renata Mariz

08/05/2018

 

 

STJ envia caso de Ricardo Coutinho, da Paraíba, à 1ª instância; Pezão pode ter mesmo destino.

Após a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) de restringir o foro privilegiado de senadores e deputados federais, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) começou a aplicar a nova regra a governadores investigados no tribunal. Ontem, o ministro Luis Felipe Salomão mandou para a Justiça da Paraíba um processo do governador do estado, Ricardo Coutinho (PSB), sobre crimes supostamente praticados quando ele ainda não estava no exercício do cargo. Salomão também abriu prazo de cinco dias para que os advogados de defesa e o Ministério Público Federal opinem sobre a remessa de outros dez processos à primeira instância. Um deles é o inquérito que investiga o governador do Rio de Janeiro, Luiz Fernando Pezão, pelo suposto recebimento de R$ 20 milhões da Odebrecht, via caixa dois, na eleição de 2014. O caso poderá ser remetido ao juiz federal Marcelo Bretas, responsável pelo braço da Operação Lava-Jato no estado.

Na semana passada, o STF decidiu que parlamentares federais devem ter foro privilegiado apenas quando o crime investigado for cometido durante o mandato e tiver relação com o exercício do cargo. Caso contrário, o processo deverá ser enviado para a primeira instância.

A decisão do Supremo não havia atingido autoridades, como governadores, que têm foro no STJ. Mas Salomão decidiu aplicar ao caso de Coutinho o princípio da simetria. Ou seja, a regra para congressistas deve valer também para quem é processado no STJ. O governador é acusado de ter nomeado indevidamente pessoas quando era prefeito da capital paraibana.

Salomão decidiu retirar do STJ o processo do governador por entender que esse era um caso claro de ausência de relação entre o suposto crime e o exercício do mandato. Em outros dez processos, o ministro preferiu ouvir defesa e acusação antes de decidir sobre o foro. Ontem, o diário do tribunal oficializou a ordem do ministro em seis desses processos, incluindo o de Pezão. Depois dos cinco dias, o ministro vai decidir se o inquérito continua no STJ ou se vai para a primeira instância. O prazo começa a contar depois que as partes forem intimadas.

Dos processos com Salomão, uma parte está sob sigilo. Entre os casos públicos, há uma ação penal do governador do Piauí, Wellington Dias. Ele responde por homicídio culposo pelo rompimento de uma barragem em 2009, quando estava na sua primeira passagem pelo governo piauiense. Em sua defesa, Dias disse que mandou retirar famílias da área. Mas um perito atestou não haver risco, e, por isso, foi autorizado o retorno. Pouco tempo depois a barragem estourou. O processo levanta dúvidas por se tratar de episódio de mandato anterior.

Um ministro do STF ouvido pelo GLOBO, sob a condição do anonimato, disse ontem que a decisão de Salomão é correta. Ele apenas aplicou no STJ o princípio definido pelo STF.

Relator da proposta de restrição de foro no STF, o ministro Luís Roberto Barroso reconheceu que em alguns casos será difícil definir se um processo deve continuar ou não na Corte. Barroso disse, por exemplo, não haver decisão sobre o que ocorre com parlamentares que cometeram crimes em mandatos anteriores e foram reeleitos.

As acusações contra Pezão foram feitas por dois executivos ligados à Odebrecht: Benedicto Barbosa da Silva Júnior e Leandro Andrade Azevedo. Seeletrônico gundo eles, houve um acerto com o ex-governador Sérgio Cabral, de quem Pezão era vice, para apoiálo financeiramente na campanha de 2014. Cabral renunciou ao governo em abril daquele ano, permitindo que seu vice assumisse. Em outubro, Pezão venceu a disputa e se reelegeu.

O dinheiro teria sido registrado na contabilidade paralela da empresa. Leandro Azevedo apontou pagamentos que começaram em 23 de setembro de 2013, quando Pezão ainda era vice, até 9 de de setembro de 2014, quando ele já era governador, totalizando R$ 23,65 milhões, além de 800 mil euros, o que, na cotação de hoje, dá pouco menos de R$ 3,4 milhões. Como se tratam de irregularidades cometidas em mandato anterior — o atual começou em 1º de janeiro de 2015 —, o caso levanta dúvidas sobre a possibilidade de o inquérito ser mantido no STJ ou descer para a primeira instância.

Em nota, Pezão negou irregularidades. Segundo ele, os delatores nunca trataram de propina com ele: “Portanto, o governador reafirma mais uma vez que nunca recebeu recursos ilícitos e jamais teve conta no exterior, e as doações de campanha foram feitas de acordo com a Justiça Eleitoral”.

Ontem, o ministro Edson Fachin, relator da Lava-Jato no STF, mandou para o juiz federal Sérgio Moro, que toca os processos da operação na primeira instância, o inquérito do senador Fernando Bezerra Coelho (PMDB-PE). Ele foi denunciado pela Procuradoria-Geral da República, em outubro de 2016, por supostamente ter recebido pelo menos R$ 41,5 milhões de propina de empreiteiras contratadas pela Petrobras para executar obras na refinaria Abreu e Lima, em Pernambuco. Os crimes teriam sido cometidos em 2010 e 2011, quando Bezerra ocupava cargos no governo estadual e ainda não tinha sido eleito senador.

O também ministro do STF Celso de Mello mandou o inquérito que investiga o deputado Tiririca (PR-SP) por assédio sexual para a primeira instância da Justiça paulista.

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Mandato em risco e citação em delações

08/05/2018

 

 

Além do inquérito aberto para investigar denúncias contidas nas delações de executivos da Odebrecht, que pode ser remetido à primeira instância, o governador do Rio Luiz Fernando Pezão (PMDB) é alvo de outras duas investigações no Superior Tribunal de Justiça (STJ). Uma delas tramita em segredo de Justiça, enquanto a segunda está relacionada à Operação Lava-Jato. A Procuradoria-Geral da República (PGR) pediu o arquivamento de uma outra investigação contra Pezão também no âmbito do STJ.

O Tribunal Regional Eleitoral determinou a cassação de seu mandato e do vice-governador Francisco Dornelles (PP) por abuso de poder econômico e político em 2014. Segundo o processo, o governo do Rio, já comandado à época por Pezão, teria concedido incentivos fiscais para doadores do peemedebista, que nega as acusações e recorreu ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE). A Procuradoria Geral Eleitoral defendeu que o TSE mantenha a cassação.

Pezão também foi alvo de citações em delações premiadas fechadas pela Lava-Jato. O economista Carlos Miranda, principal operador do ex-governador Sérgio Cabral, relatou em colaboração que Pezão recebeu mesada de R$ 150 mil quando era vice de Cabral. Pezão afirmou na ocasião que “repudia com veemência essas mentiras”.

Já o marqueteiro Renato Pereira, responsável pela campanha de Pezão em 2014, disse em seu acordo de colaboração que o peemedebista teria recebido R$ 5 milhões via caixa 2 da empreiteira Andrade Gutierrez. Pereira afirmou ainda que a campanha de Pezão custou R$ 40 milhões, quase o dobro dos R$ 21,8 milhões declarados à Justiça Eleitoral.

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Situação de conselheiros de tribunais de contas será avaliada

 08/05/2018

 

 

Corte especial do STJ vai debater processos de outros agentes públicos com foro.

Além de mandar para a primeira instância o caso do governador da Paraíba, Ricardo Coutinho, o ministro do Superior Tribunal de Justiça (STJ) Luis Felipe Salomão decidiu levar uma questão de ordem à Corte Especial do tribunal, no próximo dia 16, para definir critérios de envio à primeira instância de casos que envolvam agentes públicos como conselheiros de tribunais de contas e desembargadores.

Além de governadores, outras autoridades têm foro no STJ. Segundo a Constituição, também devem ser julgados lá os desembargadores das Cortes de segunda instância, o que inclui os Tribunais de Justiça (TJs) estaduais, os Tribunais Regionais Federais (TRFs), os Tribunais Regionais do Trabalho (TRTs) e os Tribunais Regionais Eleitorais (TREs). O foro se estende ainda aos conselheiros dos tribunais de conta dos estados e municípios e integrantes do Ministério Público da União (MPU).

Com Salomão, há três processos que não envolvem governadores em que ele pediu a opinião do Ministério Público Federal (MPF) e da defesa antes de decidir se os mantém no STJ ou os envia para a primeira instância. Eles dizem respeito a um conselheiro afastado do Tribunal de Contas do Espírito Santo, a um titular do Tribunal de Contas de Santa Catarina, e a um procurador da República.

CASO DO RIO CHAMOU ATENÇÃO

No caso dos conselheiros de tribunais de contas estaduais, os supostos crimes teriam sido cometidos no exercício do cargo e em função dele. Assim, o mais provável é que os processos continuem no STJ, seguindo o que foi definido pelo Supremo Tribunal Federal (STF) em relação a senadores e deputados. No processo do procurador da República, não há detalhes sobre a investigação.

Um dos inquéritos investiga José Antônio de Almeida Pimentel, afastado do Tribunal de Contas do Espírito Santo e denunciado pelo MPF pelos crimes de corrupção passiva, lavagem de dinheiro e organização criminosa. Entre 2010 e 2013, ele teria ajudado a administração de um município capixaba a conseguir a aprovação de suas contas. Em troca, receberia propina. Em sua defesa no STJ, Pimentel afirmou que a acusação se baseia unicamente na gravação “clandestina” de uma reunião que teria ocorrido em seu gabinete e que os diálogos foram tirados de contexto.

Casos de integrantes de tribunais de contas costumam chamar menos atenção. Mas foi um ministro do STJ, Félix Fischer, que mandou prender em março do ano passado cinco dos sete conselheiros do TCE do Rio de Janeiro. Eles foram acusados de integrar um esquema de arrecadação de propina para fazer vista grossa a irregularidades de empreiteiras e empresas de ônibus no estado.

Os processos no STJ, diferentemente do STF, costumam ficar sob sigilo até o oferecimento de denúncia pelo MPF. Antes disso, há poucas informações disponíveis, e os nomes dos investigados são omitidos.