O globo, n. 30955, 08/05/2018. País, p. 4

 

Bretas: ‘Sonho de acusados é levar recurso à Justiça Eleitoral’

Patrick Camporez

08/05/2018

 

 

Juiz da Lava-Jato do Rio critica uso de tribunais para ocultar crimes de políticos.

O juiz federal Marcelo Bretas, responsável pelos processos da Operação Lava-Jato no Rio de Janeiro, disse ontem que há no país uma utilização indevida da Justiça Eleitoral por parte de acusados de crimes como corrupção e lavagem de dinheiro. A afirmação do juiz foi feita na sede do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), durante evento que tratou dos sistemas eleitorais brasileiro e alemão.

— Às vezes um recibo eleitoral, uma transferência bancária ou aquilo que formalmente é uma contribuição eleitoral, na sua natureza, é lavagem de dinheiro. O pagamento de propina, muitas vezes, é por meio de uma contribuição eleitoral. Nós não podemos ser ingênuos de acreditar pura e simplesmente em teses que a defesa tem nos trazido. Atualmente, o sonho de alguns acusados é levar o recurso para a Justiça Eleitoral — destacou.

Segundo o juiz, tribunais eleitorais não têm estrutura necessária para receber as demandas da área criminal. Isso porque, na avaliação de Bretas, os magistrados são remanejados de varas como a da Família e a Cível, por isso muitos não teriam a preparação para atuar em casos criminais, como corrupção e lavagem de dinheiro. Bretas lembrou que os magistrados não têm dedicação exclusiva, são renovados a cada dois anos.

— A Justiça Eleitoral é uma Justiça sem juízes. São juízes temporários. Nenhuma crítica aos advogados, que fazem o papel deles. Mas existe hoje uma prática muito grande de atribuir a todos os crimes o perfil de crime eleitoral, além de uma utilização indevida da Justiça Eleitoral por esse tipo de investigado. Há muitos casos de corrupção em que pagamentos são feitos pela via de doação eleitoral. A tese defensiva mais favorável para as defesas é levar tudo à Justiça Eleitoral, possivelmente para evitar uma condenação no futuro.

O juiz federal dedicou boa parte de sua palestra, de quase uma hora, para defender a necessidade de novos critérios na distribuição de processos. Recentemente, causou polêmica o fato de a Procuradoria-Geral da República (PGR) ter encaminhado à Justiça Eleitoral um inquérito decorrente da delação da Odebrecht, no âmbito da Lava-Jato, envolvendo o ex-governador de São Paulo Geraldo Alckmin, que deixou o cargo para se lançar pré-candidato à Presidência pelo PSDB.

— Temos verificado que, em matéria de crime considerado eleitoral, nem tudo o que parece é. Parece óbvio que a ideia é fingir que a coisa vai para frente, os casos serão aprofundados. Mas as punições são baixíssimas. Eu temo que a Justiça Eleitoral seja usada para manutenção dos status quo, para que tudo isso não seja investigado — completou Bretas, sem citar casos.

Antes de iniciar sua palestra, Bretas conversou com a reportagem do GLOBO sobre a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) de limitar o foro privilegiado. O juiz disse que a decisão unânime do Supremo, da restringir o foro para deputados e senadores, é algo a se prestigiar.

— Eu aplaudo. Quanto ao fim do foro, a vontade popular majoritária no país é contra esse tipo de privilégio — afirmou.

“ABRO MÃO DO FORO PRIVILEGIADO”

Bretas disse ainda que não vê como uma retaliação a proposta, de setores do Congresso, de acabar também com o foro de magistrados:

— Eu não vejo problema não gozar de foro privilegiado. Eu abro mão sem nenhum problema. Não vejo isso como uma retaliação.

O juiz voltou a defender a Operação Lava-Jato e disse que o país hoje tem instrumentos “poderosos” para enfrentar a corrupção.

— Temos um intercâmbio maior de informações, mais ajeitado para vários países. Lugares que eram inacessíveis hoje não são mais. A qualidade da prova hoje em dia é muito boa. O material probatório é farto, os registros estão todos lá. No passado, investigações eram enterradas para não chegar em pessoas importantes. O fato é que hoje nós trabalhamos com muita transparência. A sociedade acompanha o movimento dos seus juízes. As pessoas conhecem o nome dos juízes, acompanham julgamentos — disse.

Bretas ainda defendeu uma atuação exemplar de magistrados em casos de corrupção:

— Acho importante tratar esse tipo de crime com a mesma importância com que tratamos crimes de homicídio, assassinatos em série, roubos a bancos. Chego a comparar com genocídio, pois há consequências coletivas (quando) recursos públicos são drenados para comprar lanchas, joias. Devemos evoluir para considerar esse tipo de crime muito grave.

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Barroso prorroga inquérito sobre Temer por 60 dias

Adriana Mendes

André Souza

08/05/2018

 

 

Ministro do Supremo aceita pedido da Polícia Federal, que investiga decreto dos Portos.

O ministro Luís Roberto Barroso, do Supremo Tribunal Federal (STF), prorrogou o inquérito que investiga o presidente Michel Temer sobre o decreto dos Portos por mais 60 dias. A decisão atende a um pedido da Polícia Federal (PF), que teve parecer favorável da procuradora-geral da República, Raquel Dodge. No despacho, Barroso negou pedido de arquivamento de inquérito feito pela defesa de Temer.

Em entrevista à rádio “CBN”, o presidente disse ontem não ter “medo de ser preso” e que o caso é como a investigação de um “assassinato sem cadáver”.

O ministro Barroso também negou solicitação da defesa do empresário José Yunes, ex-assessor especial do presidente, para ter acesso a provas contra ele.

Em relação ao pedidos de arquivamento solicitados pela defesa de Temer, o ministro justifica que o Ministério Público precisa concluir as “diligências em curso para que se possa formar opinião sobre a existência material dos delitos investigados”.

MARUN CRITICA “PERSEGUIÇÃO”

No parecer apresentado pela procuradora-geral a favor da prorrogação do inquérito, ela justificou que, além das diligências pendentes, estão sendo analisados dados obtidos por meio das quebras de sigilos bancários e fiscais. Ainda segundo Dodge, em novos depoimentos houve menção a pessoas que ainda precisam ser questionadas para esclarecer os fatos. A última prorrogação do inquérito foi determinada por Barroso em fevereiro.

Em maio de 2017, um decreto assinado por Michel aumentou o prazo das concessões das áreas portuárias de 25 anos para 35 anos, com chance de prorrogação por até 70 anos. O inquérito foi instaurado a partir dos depoimentos de Joesley Batista e Ricardo Saud, executivos da J&F, controladora da JBS, que fizeram delação. O presidente, que nega as acusações, é suspeito de ter beneficiado a Rodrimar, que opera no porto de Santos.

Ministro da Secretaria de Governo, Carlos Marun disse que a prorrogação é mais um “capítulo da perseguição” a Temer:

— Espero que (essa prorrogação) não tenha sido esse objetivo (de sangrar o governo), apesar de desconfiar disso.