O globo, n. 30953, 06/05/2018. País, p. 4

 

Por trás da animação infantil, uma rede de tráfico de drogas

Aline Ribeiro

06/05/2018

 

 

Operador do PCC é investigado por usar bufê na lavagem de dinheiro

Numa sala colorida, decorada com um relógio em formato de galinha e um tapete feito com peças de quebra-cabeça, dois palhaços alto-astral se apresentam para o público. Teleco, de cabelo azul, é irmão mais velho de Teco, com madeixas laranja. De frente para a câmera, reproduzem um discurso ecológico adequado à criançada. Concorrentes dos célebres Patati Patatá, a dupla criada em 2003 pela empresa Planeta Alegria entrou no ano passado para o elenco da Universal Music, uma das principais gravadoras do mercado.

Teleco e Teco são um fenômeno no universo infantil, mas quem está por trás deles é um universo arriscado até para adultos. O dono da Planeta Alegria, Vilmar Santana de Sousa, está preso, acusado de chefiar um braço do Primeiro Comando da Capital, o PCC, a maior facção criminosa do país, responsável por enviar uma quantia notável de drogas para a Europa. Sousa foi capturado na tarde de 28 de abril, em Caraguatatuba, no litoral paulista. Estava parado em frente a uma lanchonete quando policiais militares suspeitaram do seu comportamento e o abordaram. Na delegacia, ao levantarem sua ficha, descobriram se tratar de um foragido da Justiça desde o ano passado.

— Acreditamos que o Valmir usa a Planeta Alegria e outras empresas para lavar o dinheiro do tráfico de drogas — afirma Fabrizio Galli, da delegacia de repressão a entorpecentes da Polícia Federal em São Paulo.

Sousa é um veterano do crime. Foi preso pela primeira vez em 1996 e teve diversas passagens por roubo a banco, tráfico de drogas e extorsão. Fora da prisão, ao abrir empresas agora investigadas por lavar dinheiro, Sousa se revelou um empreendedor do tráfico, de sucesso. É sócio da mulher, Cristina Maria de Oliveira, na Planeta Alegria.

— Hoje a empresa é rentável, mas eles não teriam capital para subir uma empresa

Felizes. Teleco e Teco são sucesso com o público infantil: segundo a Polícia Federal, dupla não sabia de crimes do chefe dessa de maneira lícita — diz um investigador. — O pontapé inicial foi com dinheiro do tráfico.

Como o marido, Cristina tem antecedentes de roubo a banco e tráfico de drogas. O bufê infantil da Planeta Alegria fica no Jardim Avelino, bairro nobre da região Sudeste de São Paulo, exatamente ao lado de um batalhão da PM. Exibe em sua fachada notas musicais e estrelas coloridas, o rosto de um palhaço e o nome Shake Buum. Ali, uma apresentação da dupla Teleco e Teco custa R$ 1.500 a hora. Se for em outro local, as palhaçadas custam o dobro, R$ 3 mil.

 

SEM SUSPEITA CONTRA PALHAÇOS

O advogado de Sousa, Marcelo Martins Ferreira, diz que não se pronuncia sobre processos em andamento. Os atores Lucas Godoy e Rodrigo Maiellaro, que interpretam Teleco e Teco, afirmam que desconheciam as ações ilícitas do patrão. Nenhum deles tinha vínculo legal com a empresa, somente um contrato assinado, e nunca reconhecido em cartório, com um valor fixo.

O pagamento era feito tanto em dinheiro quanto por transferência bancária. Maiellaro saiu da empresa em março. Ele diz que não via o chefe há pelo menos seis meses. Já Godoy diz que tinha pouquíssimo contato com Sousa. Durante a investigação, não surgiu suspeita relacionada aos palhaços. Os delegados da PF acreditam que a dupla não sabia das atividades de Sousa.

Aos 50 anos, conhecido também pelos apelidos Méla e Baianão, Sousa fora descoberto na Operação Brabo, da PF, em setembro do ano passado. Era procurado pelos crimes de tráfico internacional e associação criminosa, que podem render-lhe penas entre 12 e 41 anos. Mais recentemente, a PF abriu um inquérito, ainda em andamento, ao qual O GLOBO teve acesso, para investigar outra modalidade de crime praticado por ele, a lavagem de dinheiro.

Deflagrada em setembro, a Operação Brabo foi uma das maiores iniciativas de combate ao tráfico internacional. Envolveu 820 policiais federais e contou com cooperação internacional do DEA, a agência americana de combate às drogas. Desbaratou um consórcio de traficantes que usava São Paulo como entreposto e o porto de Santos como principal rota de escoamento de grandes quantidades de drogas vindas de Bolívia, Colômbia e Paraguai para a Europa.

Pelo quilo da cocaína tipo exportação, com índice de pureza acima dos 90%, o consórcio criminoso pagava entre US$ 2,5 mil e US$ 3 mil nos países produtores e vendia o mesmo quilo por até € 30 mil em países europeus. Durante a operação, a PF fez 14 apreensões de cocaína nos portos de Santos, Salvador e Itajaí, além de alertar autoridades para que interceptassem carregamentos já remetidos a portos de Bélgica, Inglaterra e Itália. Pegou mais de seis toneladas de cocaína pura.

Segundo a PF, Sousa era ligado a Gegê do Mangue, principal líder do PCC fora da cadeia, assassinado em fevereiro.

— Eles tinham uma relação estreita — afirma o delegado Fabrizio Galli, da PF de São Paulo.

A PF diz que Sousa controlava as finanças do consórcio e conhecia a complexa logística das operações. Num dos diálogos interceptados pela PF, ele é mencionado como responsável pelo pagamento dos tripulantes cooptados para embarcar a mercadoria ilícita. Em outro, por viabilizar o envio da droga em contêineres do porto de Santos. Sintonia do PCC, posição de comando na hierarquia, fazia também as vezes de intermediador de conflitos.

— Quando havia problemas entre os integrantes, chamavam o Baianão — diz o delegado federal Rodrigo Levin, da delegacia de repressão a entorpecentes.

 

AÇÃO EM BINGO NA LIBERDADE

Os policiais chegaram até Sousa em meados de setembro de 2016, durante vigilância num bingo clandestino na Liberdade, o bairro japonês no Centro de São Paulo, usado pelo PCC para lavar dinheiro. Ao perceber que homens tentavam filmar o encontro do outro lado da rua, Sousa abordou os policiais e perguntou se “não dava para acertar alguma coisa, para não ter algum tipo de problema futuro”. Na ocasião, foi liberado. A polícia diz que, dias antes de a operação de setembro ser deflagrada, Sousa fugiu para a Bolívia. “Quem ajeitou o ingresso dele lá foi o Gegê”, afirma Galli.