O globo, n. 30862, 15/05/2018. País, p. 4

 

PT troca oposição a Temer por defesa de Lula

Bruno Góes

15/05/2018

 

 

No plenário da Câmara, deputados abandonam fiscalização dura e adotam mantra contra prisão de petista

Antes mesmo de o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva chegar ao poder, o PT era conhecido por fazer, desde a redemocratização, uma oposição insistente, com grande esforço em fiscalizar os atos do governo. Agora, o PT tem deixado de lado pautas importantes no Congresso para se ater a uma reivindicação: a liberdade do ex-presidente, condenado em segunda instância, a 12 anos e um mês de prisão, no caso do tríplex no Guarujá.

Após a prisão do petista, parlamentares têm subido à tribuna da Câmara dos Deputados para pedir, como prioridade, que o dirigente deixe a Superintendência da Polícia Federal, em Curitiba, onde está preso. Obstrução e sucessivas tentativas de paralisar os trabalhos na Casa com o objetivo de denunciar “a ameaça ao sistema democrático” levaram o presidente Rodrigo Maia (DEM-RJ) a cogitar até mesmo o corte de salário dos colegas.

— A minha flexibilidade tem limite, e o limite é o respeito a essa instituição — disse Maia, no fim do mês passado — ao se irritar com a obstrução feita por petistas para homenagear Lula.

Desde o dia 7 de abril — quando Lula foi preso —, o líder do partido, Paulo Pimenta (PT-RS), praticamente só usou o microfone para se referir a uma suposta “perseguição” ao ex-presidente, segundo registros da Câmara de discursos em plenário. Parlamentares também criaram uma comissão externa para visitar Lula e avaliar as condições humanitárias em que o ex-presidente se encontra.

 

ESFORÇO PARA VISITAR LULA NA CADEIA

Ao ter o pedido de inspeção recusado pela Justiça, integrantes da comissão buscaram fazer mais mobilizações para chamar atenção. Petistas buscaram apoio junto ao Parlasul, o parlamento do Mercosul. Assim, formaram outra comissão de deputados e senadores de Brasil, Argentina, Paraguai, Uruguai e Venezuela. Mas novamente não conseguiram autorização da Justiça para ver Lula.

Além da reivindicação pela liberdade de Lula, ainda há outros assuntos tratados de maneira lateral, mas que são abordados pelos petistas no Congresso, como a “privatização da Eletrobras”, “a entrega do pré-sal aos estrangeiros”, a demissão de funcionários nos Correios e o ataque genérico ao “governo golpista de Michel Temer”.

Em ação de pouco apelo, no mesmo dia em que o governo votava e aprovava o cadastro positivo, projeto ao qual o PT se opôs, petistas lançavam na Câmara a campanha “O Petróleo é do Brasil”, “contra a privatização da Petrobras pelo governo Michel Temer”. O manifesto não atraiu jornalistas ou colegas de outros partidos que pudessem levar as propostas adiante. Só mesmo os aliados de sempre. Além de petistas, compareceram ao ato sindicalistas e aliados como o PSOL e o PCdoB. Logo depois, veio a derrota no plenário.

Trinta e um dia depois da prisão de Lula, a deputada Benedita da Silva (PTRJ) discursou em plenário para marcar posição e indicar que a mobilização a favor do ex-presidente seria cada vez mais insistente:

— Essa mobilização (a favor da liberdade de Lula) tem sentido, é uma mobilização consciente, é uma mobilização política em favor dos direitos.

No dia em que o Congresso votava a abertura de crédito para cobrir o calote de Venezuela e Moçambique (de R$ 1,16 bilhão), Henrique Fontana (PTRS) não deixou de bater na tecla. Segundo ele, “a disputa de poder” passou a ser “cada vez mais exercida por setores do Judiciário”:

— E essa seletividade faz com que, num lance mais ousado, alguns representantes do Judiciário, infelizmente, também ministros do Supremo Tribunal Federal, de forma acovardada, tenham permitido e/ou determinado, como no caso do juiz Sergio Moro, que nem deveria mais ser juiz, a prisão de um dos maiores líderes populares da história do país, de um dos melhores presidentes da história do país.

 

SAUDAÇÃO MATINAL

No dia 25 de abril, quando a Câmara votava destaques da Medida Provisória que criou um fundo com recursos obtidos por meio da compensação ambiental, o PT entrou em obstrução e anunciou os motivos:

— A oposição que nós fazemos, a obstrução que fazemos é em defesa da pátria, para que não sejam retirados recursos da Saúde; para que não exista a naturalização dos presos políticos; para que não entre nas casas o golpe e beije o nosso rosto; para que não ache que pode perambular pelos espaços de poder o fascismo desnudo — disse Erika Kokay (PT-DF).

Um pouco antes, Maria do Rosário (PT-RS) havia discursado:

— O presidente Lula deve ser libertado. Ele é um preso político. A Constituição está sendo ferida. Ele está num regime de prisão que é também uma vergonha para este país. Por que um homem como Lula está isolado? Porque está à frente nas pesquisas e vai vencer as eleições.

No dia anterior, José Guimarães (PT-SP) já dizia que Lula deveria ser libertado:

— Reafirmamos que o PT e muitas forças de esquerda no Brasil consideram o presidente Lula um preso político. Nós não vamos arredar o pé disso, porque foi uma condenação injusta, sem provas.

O PT está tão preso à pauta da liberdade de Lula que organizou a atividade “Bom dia, presidente”. Em Curitiba, petistas recebem parlamentares, ex-parlamentares e aliados para fazer uma “saudação matinal” a Lula. Ontem, foi a vez do ex-presidente da Câmara Marco Maia (PT-RS) e Markus Sokol, integrante da executiva nacional do PT.

Os petistas, inclusive deputados, se esforçam para manter de pé a “Vigília #LulaLivre”, que pede, na capital paranaense, a liberdade de Lula.

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‘Vaquinha’ eleitoral já começa a valer hoje

Daniel Salgado e Jeferson Ribeiro

15/05/2018

 

 

Pré-candidatos poderão usar sites de financiamento coletivo

As pré-campanhas dos candidatos às eleições de outubro poderão, a partir de hoje, iniciar a arrecadação por meio de sistemas de financiamento coletivo, o chamado crowdfunding. Empresas e sites especializadas neste tipo de serviço estão autorizadas a operar a partir de hoje para os pré-candidatos, que divulgarão suas páginas de arrecadação pela internet. Conforme determinam as atuais regras eleitorais, apenas pessoas físicas podem doar.

Geraldo Alckmin (PSDB), Marina Silva (Rede) e Jair Bolsonaro (PSL) estão entre alguns dos nomes que passarão a adotar esta nova modalidade de financiamento. O sistema foi aprovado pela reforma eleitoral de 2017.

O processo, que lembra o de uma “vaquinha”, funcionará em duas etapas: até o dia 15 de agosto, estarão disponíveis os sistemas de arrecadação para pré-candidaturas. Com o início da campanha para valer, será possível um novo recolhimento de doações, com outras normas. Partidos não poderão fazer campanhas coletivas, apenas os pré-candidatos.

Na primeira etapa, há o risco de a candidatura não se concretizar. Se isto ocorrer, todo o dinheiro arrecadado deverá ser devolvido. A fiscalização das doações por meio deste sistema será feita pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e pelo Tribunal de Contas da União (TCU).

Nesta fase inicial, o nome do doador não será disponibilizado no portal do TSE, mas constará nas próprias plataformas de arrecadação. A partir do início da campanha, após 15 de agosto, todas as doações estarão disponíveis no portal da Justiça Eleitoral.

Até o momento, 20 sites foram aprovados pelo TSE para realizar campanha para os candidatos, de um total de 39 cadastrados.

 

PRÁTICA ADOTADA EM 2016

O conceito não é inédito na política brasileira. Em 2016, quando a prática não estava regulamentada, mas também não estava proibida, o deputado Marcelo Freixo, que então concorria à prefeitura do Rio, se valeu da vaquinha eletrônica. O candidato do PSOL conseguiu um total de R$1,8 milhão, vindos de 14 mil doadores.

No cenário de 2018, além de Marina, Alckmin e Bolsonaro, os pré-candidatos Guilherme Boulos (PSOL), Flávio Rocha (PRB) e João Amoedo (Novo) confirmaram a intenção de utilizar o financiamento coletivo. Nos dois últimos casos, os partidos também ressaltam que pretendem se valer do autofinanciamento e não devem fazer uso do fundo de campanhas, criado pelo Congresso.

Para a pré-candidatura do expresidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), preso após a condenação em segunda instância no caso do tríplex e que poderá ter sua candidatura impedida, o PT ainda não se definiu sobre a adoção ou não de financiamento coletivo. O PDT, do ex-governador do Ceará Ciro Gomes, decidiu não utilizar o crowdfunding.

Para além dos presidenciáveis, a ferramenta se apresenta como uma possibilidade para as milhares de candidaturas no âmbito do legislativo. Segundo os especialistas, talvez elas ganharão mais com o formato.

— Pode ser uma saída para pequenos e médios candidatos se oxigenarem em meio aos partidos — explica Felipe Caruso, uma das pessoas por trás da campanha de financiamento feita por Freixo em 2016.