O globo, n. 30960, 13/05/2018. País, p. 09

 

Multados, mensaleiros dão calote na Justiça

Jeferson Ribeiro

13/05/2018

 

 

Julgamento do escândalo de 2005 terminou há quatro anos, e dez dos 24 condenados ainda estão devendo.

Quatro anos após o julgamento do mensalão, dez dos 24 condenados ainda não pagaram as multas impostas pelo Supremo Tribunal Federal (STF), que hoje somam mais de R$ 34 milhões. Para reprimir o calote, o ministro Luís Roberto Barroso, relator das execuções penais, tem condicionado a progressão de regime das penas e a concessão de indultos ao pagamento de pelo menos algumas parcelas das dívidas, o que tem gerado discordância entre os advogados dos mensaleiros.

Levantamento obtido pelo GLOBO mostra que o maior devedor é o publicitário Marcos Valério, condenado a mais de 37 anos de prisão e com uma dívida de mais de R$ 7,5 milhões já em processo de execução fiscal. Logo após ser condenado, ele pediu ao STF que desbloqueasse as contas bancárias da 2S Participação, da qual era sócio, para efetuar o pagamento da multa, alegando que não dispunha de outros recursos. Três meses após o julgamento, porém, o então ministro Joaquim Barbosa negou o desbloqueio, argumentando que os valores retidos pela Justiça também eram fruto dos crimes cometidos por Valério, que não pediu o parcelamento do débito.

Há casos, porém, em que os condenados conseguiram provar para Barroso que não tinham condição de pagar as multas e, com isso, conseguiram até mesmo a progressão depois de cumpridos os anos previstos no regime fechado de prisão. É o caso de Ramon Hollerbach (multa de R$ 6,7 milhões) e Cristiano Paz (R$ 6,1 milhões), ex-sócios de Valério, condenados a 27 anos e 23 anos de prisão, respectivamente.

No caso do ex-deputado Pedro Corrêa, personagem de vários escândalos de corrupção, a multa de R$ 2,7 milhões pelo mensalão nunca foi paga nem sequer houve tentativa de parcelamento. Após ter sido condenado a mais de sete anos de prisão no mensalão, ele foi novamente preso na Lava-Jato, desta vez provisoriamente, por ter se beneficiado de propina oriunda de contratos da Petrobras. Corrêa era um dos líderes do PP.

Outro caso emblemático é do ex-diretor do Banco do Brasil Henrique Pizzolatto. Único dos condenados do mensalão a fugir do país, ele deve mais de R$ 3 milhões e deveria ficar preso por mais de 12 anos, mas conseguiu a liberdade condicional por decisão de Barroso. O ministro determinou uma série de condições para a progressão do regime, entre elas a formalização do parcelamento da multa. O GLOBO entrou em contato com as defesas dos condenados, mas elas não responderam.

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Advogados alegam que indulto contempla a pena em dinheiro

13/05/2018

 

 

Relator das execuções penais, Barroso vê privilégio aos inadimplentes.

As decisões do Supremo Tribunal Federal (STF), encabeçadas pelo ministro Luís Roberto Barroso, de negar a concessão de indulto ou a progressão de regime para condenados que estão inadimplentes com as multas aplicadas no julgamento do mensalão têm sido criticada por advogados. As defesas dos condenados alegam que os decretos presidenciais de concessão de indulto estendem o perdão judicial para as penas pecuniárias, e a Procuradoria-Geral da República (PGR) já concordou com os advogados no caso de Enivaldo Quadrado, sentenciado a cumprir pena de três anos e meio em regime aberto.

O decreto de indulto editado pela ex-presidente Dilma Rousseff em dezembro de 2015 diz, no artigo 7º, que “o indulto ou a comutação da pena privativa de liberdade ou restritiva de direitos alcança a pena de multa aplicada cumulativamente". E o parágrafo único deste artigo acresce: “A inadimplência da pena de multa cumulada com pena privativa de liberdade ou restritiva de direitos não impede a declaração do indulto”.

Quadrado havia dividido sua multa de R$ 236,3 mil em 42 parcelas. Pagou 11 delas e pediu para ser indultado. Quando se posicionou sobre o caso, o ex-procurador-geral Rodrigo Janot escreveu: “Quanto à pena de prestação pecuniária, a planilha demonstrativa revela que o sentenciado pagou 26,19% do valor total devido. Assim, forçoso concluir que Enivaldo Quadrado cumpriu 1/4 das penas restritivas de direitos que lhe foram imputados, fazendo, portanto, jus ao reconhecimento do indulto”.

Mesmo reconhecendo a autorização dada por aquele trecho do decreto, o ministro Barroso tem apontado outro trecho da mesma regra para argumentar que o indulto às multas só deve ser concedido quando o condenado demonstrar que “não tem capacidade econômica de quitar a sanção”.

“Nessas condições, tenho que a automática concessão do indulto da multa a condenado que tenha condições financeiras de quitá-la, sem sacrifício dos recursos indispensáveis ao sustento próprio ou de sua família, constituiria, em última análise, injustificável descumprimento de decisão judicial e indesejável tratamento privilegiado em relação àqueles sentenciados que tempestivamente pagaram a sanção pecuniária”, tem argumentado o ministro.

No caso de Quadrado, o STF decidiu, por causa da inadimplência, pela regressão de regime. Mesmo já tendo cumprido os requisitos para obter o perdão judicial por meio de indulto, ele está cumprindo prisão no regime aberto. Sua situação é parecida com a de Breno Fishberg, que também pode sofrer sanção semelhante por ter quitado apenas 14 prestações de um total de 42 da multa de R$ 214,2 mil. Procurada, a defesa de Fishberg não quis fazer comentários.

Fahd Dib Júnior, advogado de Quadrado, disse que ele não tem condições de pagar a multa e acumulou dívidas pessoais nos últimos anos. Ele criticou a decisão de Barroso:

— Com todo respeito ao ministro, é um completo absurdo.

O temor dos ministros é que o calote se torne generalizado para aqueles condenados que parcelam as multas, mas quitam apenas parte da dívida até a concessão do indulto. Abriria-se o risco de uma demora ainda maior para o pagamento das dívidas, pois os valores teriam de ser cobrados administrativamente pela Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN).

O Judiciário teme ainda que a situação se repita nos processo da Lava-Jato, que envolvem montantes desviados muito maiores, o que consequentemente eleva os valores das multas aplicadas.

E há a possibilidade de indultos presidenciais ainda mais generosos. O decreto assinado pelo presidente Michel Temer ampliava as possibilidades de perdão das multas.

Entre os devedores do mensalão também estão: os ex-deputados Pedro Henry (multa de R$ 2,4 milhões) e Romeu Queiroz (multa de R$ 2,5 milhões), que estão sofrendo processo de execução fiscal; e o advogado Rogério Tolentino, com dívida de R$ 1,8 milhão, também em fase de execução fiscal. Este último não quis comentar os motivos para o calote. O GLOBO não conseguiu contato com a defesa dos dois ex-parlamentares.