Correio braziliense, n. 20130, 03/07/2018. Mundo, p. 10

 

Poder para os pobres

Rodrigo Craveiro

03/07/2018

 

 

MÉXICO » Ao vencer com mais que o dobro dos votos do principal adversário, presidente eleito Andrés Manuel López Obrador promete priorizar a população carente, prega reconciliação e defende reduzir a imigração. Primeiro líder de esquerda do país conversou com Trump

Reconciliação, disciplina fiscal, combate à corrupção e à insegurança, criação de um plano de paz nacional e redução da imigração. Ao se eleger o primeiro presidente de esquerda da história do México, Andrés Manuel López Obrador reafirmou os compromissos de campanha e sintetizou, em uma frase, a filosofia de seu governo: “Pelo bem de todos, primeiro os pobres”. AMLO, como é conhecido pelas iniciais, chega ao Palácio Nacional, na Praça Zócalo, com as credenciais de uma votação sem precedentes. Até o fechamento desta edição, com 85,2% das urnas apuradas, o candidato da coalizão Juntos Faremos História obteve 52,95% dos votos (23,7 milhões), mais que o dobro de Ricardo Anaya Cortés, da legenda de centro-direita Partido Ação Nacional — com 22,5% (ou 10,1 milhões de votos).

Menos de 24 horas depois da vitória, López Obrador recebeu um telefonema do presidente norte-americano, Donald Trump, e ensaiou uma aliança consistente com os Estados Unidos. “Conversamos durante meia hora. Propus a ele explorar um acordo integral; de projetos de desenvolvimento que gerem empregos no México e, com isso, reduzam a migração e melhorem a segurança. Houve um tratamento respeitoso, e nossos representantes dialogarão”, anunciou o mexicano, por meio do Twitter. Durante o primeiro discurso como líder eleito, AMLO tinha ensaiado a mesma retórica. “Com os Estados Unidos, buscaremos uma relação de amizade e de cooperação para o desenvolvimento, sempre fixada no respeito mútuo e na defesa dos migrantes que trabalham nesse país”, declarou.

Pouco antes, ao receber na Casa Branca o primeiro-ministro da Holanda, Mark Rutte, Trump classificou como “ótimo” o diálogo com López Obrador e revelou que ambos falaram sobre segurança na fronteira, sobre comércio e sobre o Tratado Norte-Americano de Livre Comércio (Nafta). “Nós conversamos sobre um acordo em separado, somente entre México e Estados Unidos. Tivemos um monte de boas conversas. Acho que a relação será muito boa. (…) Ele teve uma eleição muito excelente”, afirmou o republicano.

Vicente Sánchez Munguia, professor do Colegio de la Frontera Norte (em Tijuana) e especialista em narcotráfico, admitiu ao Correio a expectativa de profundas mudanças no país, logo após a posse do novo presidente, em 1º de dezembro. O especialista destacou “a força com que López Obrador chega à presidência e o apoio que terá no Congresso”. “Creio que ele modificará a forma da relação do governo com os distintos setores da sociedadde. É provável maior atenção em relação à pobreza e à desigualdade, além do fortalecimento do mercado interno e das economias regionais, especialmente no centro-sul do país”, comentou. Munguia prevê mais investimentos em infraestrutura e um esquema distinto na relação com empreiteiras vinculadas a obras públicas. Ao menos 53 milhões dos 124 milhões de mexicanos enfrentam a pobreza — 7 milhões vivem em situação de miséria extrema.

Nafta

Sobre a relação entre EUA e México, Munguia acredita que tudo dependerá mais do governo norte-americano e da posição de Trump. “Ele sempre viu o Nafta com desdém. A relação comercial bilateral é muito forte e ficar de fora do tratado representaria um alto custo para ambos os países, ainda que o México fosse o mais afetado, graças ao alto nível de concentração de suas exportações para este mercado”, observa. O estudioso lembra que AMLO tem pregado o respeíto mútuo e prometeu tentar convencer Trump a manter o Nafta, além de estabelecer uma aliança rumo o progresso. “Os dois concordam que no México deveria haver melhores salários, o que ajudaria a moderar a emigração de mexicanos.”

López Obrador invocou o independentista mexicano Vicente Ramón Guerrero Saldaña (1782-1831) e apelou à união nacional. “Chamo todos os mexicanos à reconciliação, a colocar acima dos interesses pessoais, por legítimos que sejam, o interesse geral. Como afirmou Vicente Guerrero: a pátria em primeiro lugar”, disse. O presidente eleito anunciou que as mudanças serão “profundas”, mas ocorrerão dentro do marco jurídico estabelecido, preservando-se a liberdade empresarial, de expressão e de crenças. AMLO prometeu respeitar a autonomia do Banco do México, mantendo “disciplina financeira e fiscal”. Também citou uma das principais pragas do país, a corrupção, responsável por alimentar o narcotráfico e o índice recorde de violência. “O objetivo será banir a corrupção. Não teremos problema em alcançar este propósito, pois o povo do México é inteligente, honrado e trabalhador”, sublinhou.

Frases

“Chamo todos os mexicanos à reconciliação, a colocar acima dos interesses pessoais, por legítimos que sejam, o interesse geral”

 

“Quero passar à história como um bom presidente do México”

Andrés Manuel López Obrador, presidente eleito do México

 

Vontade de atualizar acordo

O primeiro-ministro do Canadá, Justin Trudeau, e López Obrador expressaram sua vontade comum de atualizar o Acordo de Livre Comércio da América do Norte (Nafta), anunciou Ottawa. Trudeau ligou para López Obrador para parabenizá-lo por seu triunfo nas eleições de domingo e ambos “destacaram a amizade próxima e a associação dinâmica entre o Canadá e o México”, diz uma nota do gabinete de Trudeau. “Eles discutiram os benefícios econômicos mútuos e as relações comerciais entre os dois países e compartilharam a prioridade de atualizar o Nafta para o bem de seus povos.”

Repercussão

Estados Unidos

O presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, usou o Twitter para  parabenizar Andrés Manuel López Obrador. “Eu estou muito ansioso para trabalhar com ele. Há muito a ser feito para beneficiar tanto os Estados Unidos quanto o México!”, escreveu. Ontem, o republicano disse ter mantido excelente conversa com o esquerdista. “Acho que a relação vai ser muito boa. Tivemos uma ótima conversa. Acho que vai tentar nos ajudar com a fronteira”, disse Trump.

 

Brasil

O presidente Michel Temer, por sua vez, cumprimentou o colega eleito e lembrou que “a amizade entre o Brasil e o México é muito forte e antiga”. “Reafirmo nossa plena disposição para trabalhar em favor de aproximação ainda maior entre nossos países. (...) O governo brasileiro manifesta sua expectativa de trabalhar com as novas autoridades mexicanas em prol do fortalecimento e da ampliação das relações bilaterais e de nossa cooperação nos planos regional e internacional”, escreveu no Twitter.

 

Venezuela

Nicolás Maduro, presidente venezuelano, também usou o Twitter para felicitar “o irmão povo mexicano” e Andrés Manuel López Obrador. “Que se abram as amplas alamedas de soberania e amizade de nossos povos. Com ele, triunfa a verdade acima da mentira e se renova a esperança da Pátria Grande”, afirmou.

 

Bolívia

Outro presidente da esquerda, Evo Morales disse estar seguro de que o governo de López Obrador “escreverá uma nova página na história de dignidade e soberania latino-americana”.

 

Equador

O socialista Lenín Moreno, presidente equatoriano, expressou “melhores augúrios ao irmão povo asteca”. “Continuaremos estreitando os laços e unindo as esperanças”, assegurou.

 

Colômbia

Juan Manuel Santos, presidente da Colômbia em fim de mandato, felicitou López Obrador e pediu a manutenção das “excelentes relações entre nossos dois países”.

 

Chile

Por meio do Twitter, o presidente Sebastián Piñera havia desejado a López Obrador “muito sucesso esportivo nos 90 minutos (do jogo com o Brasil) e em seu governo durante os próximos seis anos”. “Trabalharemos muito unidos na Aliança do Pacífico pelo desenvolvimento integral de chilenos e mexicanos.”