Correio braziliense, n. 20131, 04/07/2018. Política, p. 2

 

30 anos de cadeia para Eike

Renato Souza

04/07/2018

 

 

INVESTIGAÇÃO » Envolvido na Lava-Jato, o empresário - que já foi um dos mais ricos do mundo - é acusado de repassar propina para Sérgio Cabral. Em prisão domiciliar, ele continua com o passaporte retido, mas só deve voltar ao presídio com a confirmação da decisão em última instância

Apontado em 2011 como o oitavo homem mais rico do mundo, o empresário Eike Batista viu o império desmoronar depois de ter a vida investigada pela Polícia Federal. O homem que já foi dono de uma fortuna de US$ 34 bilhões foi para a cadeia por conta de um repasse de US$ 16 milhões ao ex-governador do Rio de Janeiro, Sérgio Cabral. Ontem, a história teve mais um importante capítulo. O juiz Marcelo Bretas, da 7ª Vara Federal do Rio de Janeiro, responsável pelos processos da operação Lava-Jato no estado, condenou Eike a 30 anos de prisão. A pena consta na sentença da operação Eficiência, deflagrada em janeiro do ano passado. Réu no mesmo processo, Cabral deve cumprir 22 anos e oito meses de reclusão por corrupção passiva e lavagem de dinheiro.

Por causa das acusações de repasses de propina para Cabral, Eike foi preso preventivamente em 30 de janeiro de 2017, quando desembarcou no Aeroporto Internacional Tom Jobim, no Rio de Janeiro. Por determinação de Bretas, ele cumpriu prisão preventiva até abril, data em que foi para prisão domiciliar por causa de uma decisão do ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal (STF). Depois disso, a Corte relaxou mais uma vez a prisão, autorizando a saída dele do local de residência durante o dia.

Quando foi detido, Eike já não era mais o poderoso dono de 14 empresas do Grupo EBX, que o colocaram no topo do ranking dos homens mais ricos do mundo. Problemas de gestão levaram os negócios dele a entrar em crise em 2012. No ano seguinte, a maioria das empresas foi vendida. De acordo com a revista Forbes, naquele ano, ele deixou de ser bilionário, pelo menos em dólares, e tinha fortuna de US$ 900 milhões. As empresas dele foram beneficiadas por empréstimos generosos do BNDES durante governos petistas.

De acordo com a decisão de Bretas, o passaporte do empresário deve continuar retido e ele está impedido de deixar o Brasil. O juiz carioca também condenou por lavagem de dinheiro e corrupção passiva a ex-primeira dama do Rio, Adriana Ancelmo, a quatro anos e seis meses; o ex-secretário Wilson Carlos, a nove anos; o ex-braço direito de Cabral, Carlos Miranda, a oito anos; e o aliado de Eike, Flavio Godinho, a 22 anos.

Credibilidade

O magistrado destacou que ele foi o principal articulador do esquema descoberto pelas autoridades e que seu envolvimento em corrupção abalou a credibilidade do Brasil no mercado internacional. “Homem de negócios conhecido mundialmente, e exatamente por isso suas práticas empresariais criminosas foram potencialmente capazes de contaminar o ambiente de negócios e a reputação do empresariado brasileiro, causando cicatrizes profundas na confiança de investidores e empreendedores que, num passado recente, viam o Brasil como boa opção de investimento. Por tais razões, considero sua culpabilidade elevada”, afirmou Bretas em um trecho do despacho.

O professor Yuri Sahione, mestre em direito penal pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), disse que mesmo com essa condenação, Eike não volta para a cadeia ainda. “Os recursos que podem ser apresentados em 2ª instância têm efeito suspensivo. Então ele só pode ser encarcerado se condenado definitivamente. Até lá, o réu permanece cumprindo medidas cautelares diversas à prisão, como a obrigação de estar em casa à noite”, afirmou.

De acordo com o Ministério Público Federal (MPF), Eike repassou o dinheiro ilegal para Cabral por meio de um contrato forjado relacionado a uma mina de ouro. Em nota, a defesa dele informou que vai recorrer da decisão. Os advogados do ex-governador Sérgio Cabral alegam que a pena “é injusta” e “desproporcional” e informaram que vão apresentar recurso. Os defensores de Wilson Carlos disseram que é uma “condenação desprovida de provas”. Em nota, os advogados de Adriana Ancelmo informaram que “com certeza o TRF vai reformar a decisão”. Flavio Godinho não quis se manifestar.

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A cartada de Lula

Luiz Carlos Azedo

04/07/2018

 

 

“Desafio apresentarem provas do meu crime até 15 de agosto, quando serei registrado candidato a presidente”, disse o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva em carta lida ontem pela presidente do partido, senadora Gleisi Hoffmann (PR), na sede da Executiva do partido. Lula cumpre pena de 12 anos e um mês por lavagem de dinheiro e corrupção passiva, no caso do triplex no Guarujá, e fez diversas tentativas junto ao Supremo Tribunal Federal (STF), que entrou em recesso, para sair da cadeia em Curitiba e suspender sua inelegibilidade, todas fracassadas. A carta faz um duro ataque ao ministro-relator da Operação Lava-Jato, Edson Fachin, e ao próprio Supremo.

“Primeiro, o ministro Fachin retirou da Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal o julgamento do habeas corpus que poderia impedir minha prisão e o remeteu para o plenário. Tal manobra evitou que a Segunda Turma, cujo posicionamento majoritário contra a prisão antes do trânsito em julgado já era de todos conhecido, concedesse o habeas corpus(...) Em seguida, na medida cautelar em que minha defesa postulou o efeito suspensivo ao recurso extraordinário, para me colocar em liberdade, o mesmo ministro resolveu levar o processo diretamente para a Segunda Turma, tendo o julgamento sido pautado para 26 de junho (…) No entanto, no apagar das luzes da sexta-feira, 22 de junho, poucos minutos depois de ter sido publicada a decisão do TRF-4 que negou seguimento ao meu recurso (o que ocorreu às 19h05), como se estivesse armada uma tocaia, a medida cautelar foi dada por prejudicada e o processo extinto, artifício que, mais uma vez, evitou que o meu caso fosse julgado pelo órgão judicial competente (decisão divulgada às 19h40). Minha defesa recorreu da decisão do TRF-4 e também da decisão que extinguiu o processo da cautelar. Contudo, surpreendentemente, mais uma vez o relator remeteu o julgamento deste recurso diretamente ao plenário. Com mais esta manobra, foi subtraída, outra vez, a competência natural do órgão a que cabia o julgamento do meu caso (…)”, disparou Lula.

Repete-se a estratégia fracassada de Lula no julgamento em primeira instância, no qual foi condenado a nove anos e dois meses de prisão em regime fechado pelo juiz Sérgio Moro, da 13ª Vara Federal de Curitiba, e no julgamento pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4), com sede em Porto Alegre, no qual a pena foi aumentada para 12 anos e um mês, já em execução. Não se deve subestimar o poder de influência de um ex-presidente da República no Supremo, mas sempre há um rito formal a observar. Nesse caso, o réu se insurge contra o juiz como se estivesse num tribunal de exceção, o que não é o caso.

O substituto

Há inúmeros exemplos de estratégia do tipo “a defesa acusa” ao longo da História, todas elas em processos na natureza política e não, criminal. É famoso o caso do capitão Alfred Dreyfus, acusado de vender informações secretas aos alemães, que recebeu pena de prisão perpétua na Ilha do Diabo, na Guiana Francesa, em 1894. Quatro anos depois, ilustres personalidades resolveram denunciar o processo, entre as quais os escritores Émile Zola e Anatole France, o poeta Charles Péguy e os compositores Alfred Bruneau e Albèric Magnard. Só em julho de 1906 sua inocência foi reconhecida e ele pôde ser reabilitado.

Lula tece a narrativa de que é vítima de uma grande injustiça, ao mesmo tempo em que trava uma batalha de bastidor para derrubar a jurisprudência da corte que determina a execução da pena em segunda instância. Perdão para o trocadilho, mas a cartada de Lula não mira apenas o ministro Fachin. Ao radicalizar o discurso e reiterar sua candidatura a presidente da República, mesmo estando inelegível em razão da Lei da Ficha Limpa (já não se trata de jurisprudência), pretende manter o PT unido em torno de sua liderança e evitar a divisão da legenda entre o apoio ao candidato do PDT, Ciro Gomes, que já atrai seus eleitores no Nordeste, e uma candidatura própria que ainda precisa ser catapultada.

Ao mesmo tempo em que divulgou a carta, Lula anunciou os nomes dos coordenadores de sua campanha: o ex-presidente da Petrobras José Sérgio Gabrielli (coordenador-geral executivo), os ex-ministros Ricardo Berzoini (coordenador de finanças), Luiz Dulci e Gilberto Carvalho, e o presidente do Instituto Lula, Paulo Okamotto. O coordenador-geral do programa Lula de governo é o ex-prefeito Fernando Haddad (SP), na verdade, o candidato que pretende indicar num “dedazo” para substituí-lo na cédula eleitoral.