O globo, n. 31001, 23/06/2018. País, p. 3

 

Rota de fuga

Bruno Góes, Jeferson Ribeiro e Marco Grillo

23/06/2018

 

 

Bolsonaro avalia não comparecer a debates na campanha eleitoral e é criticado por adversários

Líder nas pesquisas de intenções de voto nos cenários sem o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), o pré-candidato do PSL à Presidência, Jair Bolsonaro, avalia a hipótese de não ir aos debates com outros postulantes ao cargo ao longo da campanha eleitoral. Nos últimos meses, o deputado federal já faltou a eventos em que teria a companhia de adversários e estuda prolongar a estratégia até o fim da eleição.

No lugar do confronto direto, Bolsonaro tem privilegiado agendas em que está cercado por apoiadores e fora dos maiores centros urbanos do país. Na quinta-feira, cumpriu um ritual que se tornou característico na pré-campanha: foi cercado por simpatizantes em um aeroporto — neste caso, o de Campina Grande, na Paraíba — e depois discursou em um carro de som. Vídeos mostrando a recepção na chegada à cidade foram publicados em suas contas nas redes sociais.

— Ainda estou definindo se vou (aos debates). Postura de combate, não decidi ainda. Estou aqui na Paraíba e tenho muitos compromissos — disse Bolsonaro ao GLOBO ontem, ironizando. — E se eu não for, não vai dar Ibope, né.

Em abril, o pré-candidato do PSL não foi ao Fórum da Liberdade, que reuniu presidenciáveis em Porto Alegre. No mês seguinte, não participou de um encontro organizado pela Frente Nacional dos Prefeitos, em Niterói, e de um evento da União Nacional dos Legisladores e Legislativos Estaduais, em Gramado (RS) — alegou problemas de agenda nesses dois casos. O parlamentar também faltou à sabatina promovida pelo jornal “Folha de S. Paulo” e pelo portal UOL, quando seria entrevistado por jornalistas. Integrantes da equipe do pré-candidato têm se incomodado com o que consideram uma postura excessivamente crítica da imprensa. Em outra ocasião, no entanto, participou da sabatina do jornal “Correio Braziliense”. Um parlamentar do PSL disse que Bolsonaro “vai escolher muito bem para onde vai” e para quem dará entrevistas.

 

ALCKMIN FAZ PROVOCAÇÃO

A possível ausência nos debates gerou reações dos adversários. Interessado em polarizar com Bolsonaro para atrair parte do seu eleitorado, o précandidato do PSDB, Geraldo Alckmin, fez uma provocação imediata nas redes sociais: divulgou um vídeo com uma montagem em que o rosto do deputado aparece no corpo de uma criança correndo de um lado para o outro com a mensagem “adivinha quem está fugindo dos debates”. O tucano aposta num confronto direto e, neste contexto, os debates na televisão seriam importantes para a tática da “desconstrução”.

— Sem dúvida, uma ausência dele prejudica o confronto que Geraldo quer fazer — afirmou um aliado do ex-governador de São Paulo.

Presidente do PDT, que vai lançar Ciro Gomes, Carlos Lupi afirmou que o pré-candidato do PSL “é um produto, mas não tem conteúdo”:

— É uma clara demonstração de que ele não tem projeto e não tem o quê dizer para a população. Ele é como um castelo de areia, frágil.

Já Marina Silva (Rede) afirmou que “não se pode pretender governar o Brasil sem debater propostas com a sociedade”. Henrique Meirelles (MDB) ironizou e afirmou que a estratégia é “compreensível”, porque Bolsonaro “não tem nada a dizer”. Já Rodrigo Maia (DEM) disse que vai participar de todos os debates, enquanto Álvaro Dias ressaltou que não comentaria a estratégia de adversários.

Para atenuar o efeito das ausências, Bolsonaro aposta nas redes sociais, onde têm um alcance expressivo — sua página oficial no Facebook tem 5,3 milhões de curtidas. As transmissões ao vivo, como a que aconteceu durante a semana, quando foi filmado enquanto cortava o cabelo, serão mais frequentes, como informou ontem o colunista Ancelmo Gois, do GLOBO.

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Bolsonaro foca agenda no NE de olho em eleitor do ex-presidente

Jussara Soares e Eduardo Bresciani

23/06/2018

 

 

Deputado percorre região onde Lula tem seus melhores índices de aprovação A passagem por cinco estados reforça o discurso de que o programa Bolsa Família não seria encerrado em um possível futuro governo

Depois de ironizar o uso do Bolsa Família no Nordeste — alegando que por lá as pessoas não trabalham apenas para ganhar o benefício —, o pré-candidato ao Planalto pelo PSL, Jair Bolsonaro, pretende concentrar sua agenda naquela região. Após um périplo pela Bahia, Sergipe e Maranhão, ele fica na Paraíba ainda hoje e já definiu presença em Fortaleza, ao longo da próxima semana.

— A ida ao Nordeste é estratégia natural. O Lula tem força política em todo o país, mas no Nordeste de forma especial. A população menos assistida é o reduto perfeito para o discurso populista de Lula. Quem quer que seja candidato acaba encontrando esse entrave (no Nordeste) — diz o deputado federal Major Olímpio, presidente do PSL em São Paulo.

Líder das pesquisas no país, com 19% no cenário sem Lula, segundo o levantamento mais recente do Datafolha, Bolsonaro fica em terceiro lugar no Nordeste, com 12%, atrás de Marina Silva (Rede), que aparece com 17%, e Ciro Gomes (PDT), com 13%. Com o ex-presidente na disputa, o desempenho do deputado federal é pior: 8% de intenções na região ante 49% de Lula, e 9% de Marina. Neste cenário, Ciro Gomes, ex-governador do Ceará, tem 7%.

A estratégia do PSL é tornar Bolsonaro mais conhecido na região e impulsionar sua candidatura a partir das grandes cidades nordestinas. A passagem pela região tem como pano de fundo também reforçar o discurso de que não pretende acabar com o Bolsa Família.

— No Nordeste, por ser uma região que teve mais assistencialismo, existe uma certa devoção não ao PT, não à esquerda, mas ao Lula. Muitos nordestinos entendem que só comeram por causa do Lula. Mas isso não corresponde às grandes cidades nordestinas — diz Julian Lemos, vice-presidente nacional do PSL e coordenador da campanha de Bolsonaro nos estados nordestinos. — Não existe como eliminar o Bolsa Família. O que tem que ser combatido são as fraudes.

 

AUXÍLIO-MORADIA

Após ter sido alvo de polêmica no início do ano por receber R$ 3,8 mil em espécie de auxíliomoradia mesmo tendo apartamento em Brasília, Bolsonaro parou de receber os recursos e passou a ocupar um imóvel funcional. De acordo com os registros da Câmara, ele recebeu as chaves do apartamento em 4 de abril. Em seu contracheque, o último recebimento do auxílio foi na folha de pagamentos relativa a março.

Bolsonaro é deputado federal desde 1991 e recebia o auxílio-moradia desde 1995. Em 2000, comprou um apartamento de dois quartos no Sudoeste, bairro nobre de Brasília. Em janeiro, questionado pela “Folha de S.Paulo” se teria utilizado os recursos recebidos a título de auxílio-moradia para a compra do imóvel, respondeu irritado que tinha usado o dinheiro para “comer gente”.