O globo, n. 30959, 12/05/2018. Rio, p. 8

 

Investigação dentro da cadeia

Antônio Werneck

Robson Bonin

12/05/2018

 

 

Autoridades negociam delação de preso que é suspeito de envolvimento na morte de Marielle.

Policiais civis e promotores que participam da investigação do assassinato da vereadora Marielle Franco (PSOL) e do motorista Anderson Gomes negociam um acordo de delação premiada com Orlando Oliveira de Araújo, o Orlando de Curicica, ex-PM acusado de comandar uma milícia na Zona Oeste. Esta semana, uma equipe da Divisão de Homicídios (DH) esteve na Penitenciária Laércio da Costa Pellegrino, o Bangu 1, onde ele foi isolado em regime disciplinar diferenciado depois que uma testemunha-chave do inquérito o envolveu no crime, juntamente com o vereador Marcello Siciliano (PHS). Orlando cumpre pena por assassinato e tentativa de homicídio.

O miliciano deverá ser levado para a sede da DH na próxima semana. Investigadores querem saber se ele forneceria informações relevantes para justificar a concessão de benefícios previstos em um acordo de delação premiada, como uma eventual redução de pena.

O advogado de Orlando, Renato Darlan, confirmou que policiais civis conversaram com seu cliente na quinta-feira, em Bangu 1, mas negou que ele tenha concordado com a delação premiada.

— Meu cliente não cometeu crime algum. Eu o represento, e não fui procurado. Delação só acontece quando uma pessoa assume um crime. Meu cliente é inocente — afirmou advogado, acrescentando que foi informado por Orlando sobre a ida de investigadores a Bangu 1. — Ofereceram perdão judicial em troca de colaboração. Não sei exatamente o que foi conversado porque não estava presente. O que meu cliente relatou é que os policiais agiram de forma intimidatória, afirmando que, se ele não colaborar, vão transferi-lo para um presídio federal.

Em nota, a Polícia Civil informou que o delegado Giniton Lages, titular da Delegacia de Homicídios da capital, esteve em Bangu 1 depois de ser chamado pelo próprio Orlando. Segundo a corporação, ele e uma equipe de investigadores o ouviriam sobre o homicídio de Marielle e Anderson. Ainda de acordo com o comunicado, “na conversa, mesmo após ter pedido a presença do delegado, o detento disse que não prestaria depoimento formal”. A nota também destaca que “o delegado informou ao preso os seus direitos e propôs que ele conversasse com seu advogado antes de tomar uma decisão”.

PRONUNCIAMENTO DE TEMER

Após o ministro da Segurança Pública, Raul Jungmann, ter dito anteontem que a investigação está chegando à etapa final, o Palácio do Planalto fechou uma estratégia para divulgar as informações finais do caso. É cogitada a possibilidade de o presidente Michel Temer fazer um pronunciamento sobre a conclusão do trabalho da polícia.

Autoridades do Rio e de Brasília disseram ontem ao GLOBO que o comandante da intervenção federal na Segurança Pública do estado, general Walter Braga Netto, está encarregado de comunicar diretamente ao presidente o desfecho da investigação. Anteontem, durante uma reunião, Temer ouviu relatos sobre o caso.

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Reconstituição confirma o uso de submetralhadora

Giselle Ouchana

Rafael Nascimento

12/05/2018

 

 

Investigadores querem fazer levantamento de armas das forças de segurança do estado.

O relógio marcava 2h50m da madrugada quando o silêncio do Estácio foi quebrado por uma rajada de disparos. O procedimento fazia parte da reconstituição do assassinato de Marielle Franco e Anderson Gomes, ocorrido em 14 de março, na esquina das ruas João Paulo I e Joaquim Palhares. O trabalho começou no fim da noite de quintafeira e se estendeu por cinco horas e meia, terminando às 4h15m de ontem.

O laudo só deverá ficar pronto em 30 dias, mas investigadores confirmaram que a arma utilizada no crime foi uma submetralhadora HK MP5. Era a resposta crucial que precisavam para abrir uma nova frente de apuração: levantar todas as armas deste tipo que pertencem às forças de segurança do estado e, em seguida, fazer uma perícia em todas elas. O assunto vem sendo discutido entre a Delegacia de Homicídios da capital e o gabinete da intervenção federal.

Por ser considerada obsoleta em comparações com modelos semelhantes, a HK MP5 não costuma estar entre as armas usadas em operações no Rio. Segundo um especialista, a submetralhadora deixa policiais em desvantagem durante confrontos com traficantes, porque seus disparos não têm longo alcance. Pelo mundo, ocasionalmente é adotada em intervenções contraterroristas. No Brasil, grupos de elite das Forças Armadas a utilizam, e no Rio, especificamente, é empregada por equipes do Batalhão de Operações Especiais (Bope), da PM, e da Coordenadoria de Recursos Especiais (Core), da Polícia Civil, em escolta de presos ou incursões cirúrgicas a comunidades conflagradas.

UTILIZADA NO SEQUESTRO DO ÔNIBUS 174

Foi justamente uma HK MP5 que um atirador do Bope usou durante o sequestro do ônibus 174, em 12 de junho de 2000, no Jardim Botânico. Ele acabou atingindo, acidentalmente, a professora Geisa Firmo Gonçalves, que morreu.

— Mesmo obsoleta, a submetralhadora tem boa precisão, e conta com três pontos de apoio. Agrupa os tiros no ponto mirado pelo atirador — explicou o especialista, que pediu para não ser identificado.

Na reconstituição do assassinato de Marielle e Anderson, foram efetuadas seis rajadas com armas diferentes — antes de cada uma, policiais acionavam uma sirene, alertando que disparos de balas de verdade seriam feitos em um trecho do Estácio. Peritos tinham como objetivo permitir que quatro testemunhas do crime comparassem o som dos tiros, para apontar o mais parecido com o que ouviram na noite de 14 de março.

A reprodução simulada do crime mobilizou cerca de 200 homens do Exército e da Polícia Militar, além de agentes da Guarda Municipal e da CET-Rio. Entre as testemunhas presentes estava uma assessora de Marielle, que, no momento do assassinato, viajava ao lado da vereadora no banco de trás do carro dirigido por Anderson. Atualmente, ela mora no exterior, e veio ao Rio somente para a reconstituição. Ao falar do crime, chorava copiosamente.

O ex-PM Orlando de Curicica e o vereador Marcello Siciliano (PHS) foram envolvidos no crime por uma testemunha-chave do inquérito, que prestou quatro depoimentos à DH, em troca de proteção policial. Ela trabalhava para Orlando, e disse que presenciou conversas entre o ex-PM e o vereador sobre a “necessidade” de matar Marielle, que atrapalhava ações de um grupo paramilitar na Zona Oeste. Segundo a testemunha, quatro homens foram encarregados da execução, incluindo um PM da ativa e um policial reformado.

Anteontem, o ministro da Segurança Pública, Raul Jungmann, confirmou que Orlando e Siciliano estão entre as pessoas investigadas por suspeita de envolvimento no duplo homicídio. Os dois negaram qualquer participação no crime.