O globo, n. 30987, 09/06/2018. País, p. 3

 

Lançamento sem candidato

Sérgio Roxo

09/06/2018

 

 

Com Lula preso e sem unidade interna, PT reafirma ex-presidente na disputa ao Planalto

Isolado e sem adesão unânime de suas lideranças, o PT lançou ontem a pré-candidatura de Lula à Presidência da República, em Contagem, na região metropolitana de Belo Horizonte. Preso em Curitiba desde o dia 7 de abril, o presidenciável petista marcou presença no ato por meio de uma carta lida para a plateia e de imagens do passado. Apesar de tentar criar um fato político para convencer os eleitores de que a candidatura é para valer, dirigentes presentes reconheciam, reservadamente, que a chance de o nome de Lula estar na urna eletrônica em outubro é remota. Como foi condenado em segunda instância no caso do tríplex do Guarujá, o expresidente preenche os requisitos para ser enquadrado na lei da Ficha Limpa, o que levaria à impugnação da sua candidatura.

Num evento com cerca de dois mil militantes, o ato aconteceu em meio à desconfiança de líderes do partido a respeito de episódios recentes que, em certa medida, minam ainda mais o projeto nacional do PT. A debandada de aliados, a dificuldade de ajustes em palanques estaduais e a ausência de um dos governadores do partido que vem demonstrando simpatia à candidatura de Ciro Gomes (PDT) marcaram o lançamento da candidatura. Lula, em carta à militância, ignorou os problemas políticos enfrentados pelo partido e preferiu fazer sua defesa:

“Sou candidato porque acredito, sinceramente, que a Justiça Eleitoral manterá a coerência com seus precedentes de jurisprudência, desde 2002, não se curvando à chantagem da exceção só para ferir meu direito e o direito dos eleitores de votar em quem melhor os representa”, escreveu o ex-presidente. “Não fui tratado pelos procuradores da Lava Jato, por Moro e pelo TRF-4 como um cidadão igual aos demais. Fui tratado sempre como inimigo”, completou.

A principal ausência no evento foi a do governador do Ceará, Camilo Santana, que, mesmo filiado ao PT, faz parte do grupo político de Ciro Gomes. O governador cearense já chegou a dizer que não acreditava na possibilidade de Lula ser candidato, e que insistir no ex-presidente poderia levar o PT ao isolamento. Ele também defendeu o apoio do partido a Ciro. A assessoria de imprensa de Camilo informou que ele não foi ao ato por “choque de agendas". Na tarde de ontem, o governador do Ceará participou da inauguração da reforma de um terminal em Fortaleza e da inauguração de um campo de futebol de várzea no município de Russas.

Ainda assim, a direção do partido tentava minimizar a ausência. A presidente do PT, senadora Gleisi Hoffmann (PR), chegou a afirmar que o colega de partido já estava na capital mineira.

— Se não me engano, o governador até já chegou. Os cincos governadores nossos estarão no ato.

Três horas depois, no ato de lançamento da pré-candidatura de Lula, foram chamados ao palco os governadores Fernando Pimentel (Minas), Tião Viana (Acre), Rui Costa (Bahia) e Welligton Dias (Piauí). O governador cearense, de fato, não apareceu.

 

ENCONTROS ADIADOS

A realização do evento de ontem havia sido definida em uma reunião de Gleisi com os governadores do partido convocado após a divulgação das declarações de Camilo em favor de Ciro. O objetivo era o de conter qualquer movimento dentro do PT em favor do pré-candidato do PDT. Gleisi procurou contornar:

— A posição do Camilo em relação ao Ciro sempre foi conhecida. Ele tem boa relação lá, tanto que temos aliança com o PDT no Ceará. Desde início, Camilo deixou claro que apoiaria Lula. O que ele externou é que se o Lula não fosse candidato, iria trabalhar para o PT apoiar o Ciro. O partido como um todo está convencido da justeza da estratégia política — disse.

Além de uma possível deserção interna, o PT também corre o risco de entrar na eleição presidencial, pela primeira vez em sua história, com um candidato sem aliados. Os dirigentes ainda mantêm esperanças de conseguir apoios, principalmente, do PSB, mas as chances são remotas.

Num gesto para atrair os socialistas, o partido decidiu adiar para julho os encontros que vão definir as candidaturas estaduais. O objetivo é impedir a consolidação da vereadora Marília Arraes em Pernambuco. Com bom desempenho, a petista, neta de Miguel Arraes e prima de Eduardo Campos, é uma ameaça à reeleição de Paulo Câmara (PSB), tida como prioritária para os socialistas.

Gleisi afirmou ontem que o PSB é “prioritário” e indicou que Marília pode ser obrigado a retirar a sua candidatura.

— A primeira prioridade é a eleição para Presidência da República. Diante dessa, as demais eleições vão ser tratadas de forma a viabilizar a prioridade.

Muito bajulada no evento petista de ontem, Marília não descarta abrir mão de concorrer, mas avalia que dificilmente o PSB conseguirá se unir em torno da candidatura de Lula.

— Eu acho que é importante tirar o PT do isolamento no plano nacional. Mas a gente sabe das dificuldades políticas que o grupo que comanda o PSB tem para conduzir o partido formalmente para uma aliança nacional com o PT.

No PSB, mesmo lideranças historicamente ligadas ao PT não acreditam na viabilidade da candidatura de Lula por causa da lei da Ficha Limpa. Pessoas ligadas a Paulo Câmara, que nesta semana se reuniu com Gleisi, dizem que os caminhos do partido hoje são o apoio a Ciro ou uma liberação de diretórios em todo país para optarem pelo presidenciável mais conveniente regionalmente. Nesse último caso, o PSB de Pernambuco apoiaria o PT. Mas para Marília esse gesto seria muito pequeno para que ela desistisse de disputar o governo de Pernambuco.

O ato de ontem em Minas foi marcado por um simplicidade maior do que vista em lançamentos de candidaturas presidenciais de anos anteriores. Sem os recursos do passado de glória para contratar estrelas do marketing político, o partido produziu vídeos e jingles com a sua própria equipe que cria o material da agência PT na internet.

O ex-prefeito Fernando Haddad, coordenador do programa de governo e um dos cotados para assumir o lugar de Lula na disputa presidencial, foi o mais saudado ao ser anunciado. Os outros dois nomes com chances de assumir o posto, os ex-ministros Jaques Wagner e Celso Amorim, também compareceram.

 

Perguntas e respostas

– A decisão do TRF-4 que condenou Lula a 12 anos e um mês de prisão o tornou inelegível?

– Todos os recursos que Lula poderia apresentar ao Tribunal Regional Federal da 4ª região já foram rejeitados. Em tese, Lula está de fora do páreo nas eleições deste ano, já que, pela lei da Ficha Limpa, um condenado por órgão colegiado, como é o caso, torna-se inelegível. Ainda assim, ele tem à disposição os recursos ao STJ ou ao STF para tentar obter uma liminar e manter seu nome na disputa eleitoral. O prazo para o registro de candidatura é 15 de agosto.

 

– Ou seja, Lula ainda pode solicitar o registro de candidatura?

– Sim. Mesmo que Lula esteja inelegível pela Lei da Ficha Limpa, por ter sido condenado por órgão colegiado, isso não o impede de solicitar o registro em agosto. A Lei Eleitoral diz que, com a solicitação feita, o candidato está autorizado a realizar atos de campanha até a decisão definitiva sobre o pedido de registro pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE), que é responsável por determinar a impugnação de um candidato à Presidência.

 

– É possível que Lula faça campanha preso?

– Ainda que esteja preso, Lula poderá registrar a sua candidatura e aguardar pelo TSE. Mas é improvável. Nesta hipótese, Lula estaria discutindo sua elegibilidade na Justiça Eleitoral. A Lei Eleitoral estabelece, porém, que os partidos políticos têm até 20 dias antes das eleições para substituir as suas candidaturas. Caso o TSE negue o registro da candidatura, o PT teria que substituí-lo até o dia 17 de setembro. Caso a eventual impugnação saísse depois das eleições, e Lula fosse eleito, haveria um debate jurídico se ele poderia ou não assumir a Presidência da República.

 

– Após ter a condenação mantida pelo TRF-4, quais são os outros recursos à disposição do petista?

– A defesa do ex-presidente já ingressou com recursos no STJ e no STF pedindo a anulação da sentença que o condenou a 12 anos e um mês pelo crime de corrupção. Nesta apelação, a defesa do ex-presidente apresenta argumentos que contestam a decisão e apontam suposta violação de princípios como o da ampla defesa. No STJ, o ministro Felix Fischer, relator da Lava-Jato, é o responsável pele exame do recurso. Fischer é tido como um magistrado rigoroso. Em tese, Lula ainda pode apresentar novo recurso ao STF.

 

– O Supremo ainda pode soltar Lula, em caso de mudança no entendimento sobre prisão após condenação em segunda instância?

– Em tese, sim. O Supremo já concluiu o julgamento sobre o tema e determinou que cabe a prisão após a condenação em segunda instância. Porém, há ministros na Corte, como Marco Aurélio, que defendem revisar esta decisão. Caso uma nova ação sobre o tema seja levada ao plenário — e o STF adotar novo entendimento sobre o tema — o ex-presidente terá que ser solto. Neste momento, porém, não há nada que indique uma mudança da jurisprudência da Suprema Corte sobre o tema.

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STF libera para julgamento ação contra Gleisi

Carolina Brígido

09/06/2018

 

 

O ministro Celso de Mello, do Supremo Tribunal Federal (STF), liberou ontem para julgamento a ação penal que apura se a presidente do PT, a senadora paranaense Gleisi Hoffmann, cometeu corrupção e lavagem de dinheiro. O caso será julgado pela Segunda Turma, composta por cinco ministros da Corte. Caberá ao novo presidente da turma, ministro Ricardo Lewandowski, marcar a data da sessão. A expectativa é de que o caso seja incluído na pauta até o fim deste mês.

O Supremo julgou no mês passado o primeiro réu da Lava-Jato, o deputado Nelson Meurer (PP-PR). Ele foi condenado a 13 anos, nove meses e dez dias por corrupção passiva e lavagem de dinheiro. Gleisi será a segunda ré a ser julgada pela Corte. Celso de Mello é o revisor da Lava-Jato. Ele tem a responsabilidade de analisar o caso mais detidamente que os outros integrantes da Segunda Turma e votar logo depois do relator, Edson Fachin. Além dos dois e de Lewandowski, também integram o colegiado os ministros Dias Toffoli e Gilmar Mendes.

No mesmo processo, também são réus o marido de Gleisi, o ex-ministro Paulo Bernardo, e o empresário Ernesto Kugler. As investigações partiram das delações premiadas do doleiro Alberto Youssef e do ex-diretor da Petrobras Paulo Roberto Costa. Segundo os delatores, Paulo Bernardo pediu R$ 1 milhão a Paulo Roberto para abastecer a campanha da mulher ao Senado em 2010. O dinheiro teria sido entregue por um intermediário de Youssef a Ernesto Kugler, empresário ligado ao casal. A quantia teria sido repassada em quatro parcelas de R$ 250 mil.

Gleisi foi ministra da Casa Civil no governo de Dilma Rousseff entre junho de 2011 e fevereiro de 2014. Durante o processo de impeachment, a senadora foi uma das vozes mais eloquentes na defesa da petista no Congresso Nacional. Hoje, como presidente do PT, tem se empenhado na defesa do ex-presiente Lula, condenado e preso na Lava-Jato. Paulo Bernardo foi ministro do Planejamento no governo Lula, de 2005 a 2011, e das Comunicações já no governo Dilma, de 2011 a 2015.

Nas alegações finais entregues ao Supremo, os advogados dos réus declararam inocência. A defesa da senadora apontou falhas nas delações premiadas que deram origem ao processo e afirmou que as provas levantadas não corroboram os depoimentos dos colaboradores. Lembrou que, em 2010, quando teriam ocorrido os pagamentos ilícitos, ela ainda não tinha cargo público e não gozava da “proeminência” que viria a ter. Também destacou que a presidente do PT nunca fez nada para favorecer Paulo Roberto Costa.

Além das ações penais de Gleisi e Meurer, há outros 11 parlamentares réus na Lava-Jato aguardando o julgamento da Segunda Turma. No grupo, estão os senadores Valdir Raupp (PMDB-RO) e Fernando Collor (PTC-AL) e os deputados Aníbal Gomes (PMDB-CE) e Vander Loubet (PT-MS), além de um grupo de deputados do PP. Esses processos ainda não estão concluídos e, portanto, não há previsão de quando serão julgados.