O globo, n. 30994, 16/06/2018. País, p. 3

 

Em pé de guerra

Vinicius Sassine e Cleide Carvalho

16/06/2018

 

 

Ministro do TCU acusa Moro de ‘carteirada’ ao restringir uso de provas; procuradores reagem

Ao classificar como “carteirada” a decisão do juiz Sergio Moro de proibir o uso de provas da Lava-Jato contra delatores e empresas que assinaram acordos de leniência com a força-tarefa de Curitiba, o ministro do Tribunal de Contas da União Bruno Dantas abriu ontem uma crise entre a Corte de Contas e os integrantes da Lava-Jato no Paraná. Em entrevista ao GLOBO, o ministro do TCU criticou duramente a decisão de Moro, dizendo que a medida representaria uma anistia a empreiteiras que desviaram recursos públicos de estatais brasileiras. Diante das declarações de Dantas, os procuradores saíram em defesa do comandante da Lava-Jato e desafiaram o ministro do tribunal a informar quantos alvos da operação já foram responsabilizados pelo TCU, “incluindo políticos”.

— Se estamos falando de cooperação, não pode haver espaço para uma carteirada de um dos atores que está na mesa de discussão. Alguém pretender dizer: ‘Olha, esse elemento de prova é meu e ninguém pode usar.’ Não é assim que se age no estado de direito — afirmou o ministro do TCU.

O juiz Sergio Moro preferiu não responder às críticas do ministro. A resposta veio numa extensa nota dos procuradores da República que integram a força-tarefa. “O recurso ao termo ‘carteirada’ é um ataque absolutamente infeliz, inadequado, injusto, abusivo e gratuito ao juiz federal Sergio Moro. A carteirada é uma ação ilegal para promover interesses privados. O juiz emitiu uma decisão judicial plenamente legítima para defender o interesse público contra possível atuação estatal indevida que serve àqueles que buscam estancar o avanço, lastreado em acordos, de investigações presentes ou futuras”, escreveram na nota.

 

MEDIDA PARA EVITAR “PUNIÇÃO EXCESSIVA”

Segundo o Ministério Público Federal (MPF), o TCU não foi pego de surpresa nem faltou diálogo, como Dantas apontou na entrevista. Os procuradores afirmaram que a decisão judicial não impede o uso das provas, mas condiciona o uso delas à autorização de Moro para evitar a “punição excessiva” de colaboradores — duplicada ou até mesmo triplicada —, que produziria injustiças e minaria as bases dos acordos de delação e leniência, segundo os integrantes do MPF. O desafio feito a Dantas, para que indique políticos punidos, é uma referência às indicações para o cargo de ministro do TCU. Dantas é uma indicação do senador Renan Calheiros (MDB-AL), investigado na Lava-Jato.

O que Moro fez com a decisão foi aditar oito deliberações anteriores — de dois ou três anos atrás — de compartilhamento de provas com órgãos de controle, mais especificamente TCU, Ministério da Transparência e Controladoria Geral da União (CGU), Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade), Banco Central, Receita Federal e Advocacia-Geral da União (AGU). Nesses aditamentos, ele vetou que as provas compartilhadas sejam usadas contra delatores e empresas que assinaram leniência.

Esses acordos de colaboração garantem benefícios a quem decide entregar informações úteis e novas à Justiça. Um delator tem benefícios penais. Já uma empresa leniente tem benefícios na esfera cível, como evitar ações de improbidade administrativa. Esta é a base do êxito da LavaJato. Os termos de colaboração não incluíram os órgãos de controle. O TCU, por exemplo, busca o ressarcimento de danos aos cofres públicos e pode declarar a inidoneidade de uma empresa, o que a impede de firmar novos contratos com o poder público. A CGU também pode aplicar essa punição. A AGU moveu diversas ações de improbidade na Justiça contra as empreiteiras que integraram o “cartel” da Lava-Jato.

 

IMPACTO SOBRE DECLARAÇÃO DE INIDONEIDADE

O ministro Dantas, por exemplo, é relator no TCU de processos que apuram superfaturamento nas obras da usina nuclear Angra 3, em Angra dos Reis (RJ). Por fraudes em licitações, o tribunal declarou a inidoneidade de quatro empreiteiras e sobrestou a punição a outras três que assinaram um acordo de colaboração em Curitiba: Odebrecht, Camargo Corrêa e Andrade Gutierrez. A ideia era buscar um entendimento com a Lava-Jato, de forma a permitir medidas de ressarcimento ao erário que superem os valores definidos nos acordos de leniência assinados entre as empresas e o MPF.

— A Andrade Gutierrez assumiu o compromisso de pagar R$ 1 bilhão no acordo de leniência com a força-tarefa. Só em Angra 3, a Andrade Gutierrez já pode ser condenada em R$ 1,5 bilhão. Quem vai perdoar esses R$ 500 milhões? Alguém está disposto a perdoar esses R$ 500 milhões? A lei permite que alguém perdoe esses R$ 500 milhões? Algum agente estatal está disposto a anistiar essas empresas? O TCU não está — disse o ministro.

As declarações de Dantas foram prontamente respondidas pelos integrantes da Lava-Jato: “Não é possível que um sistema de colaboração premiada e leniência sobreviva se a empresa que confessa seus delitos às autoridades, ao invés de ter um tratamento mais benéfico, tem seus bens imediatamente bloqueados, é proibida de contratar com a Administração Pública, tem imputadas dívidas impagáveis e vê todas as suas linhas de financiamento suspensas. Adotar essa postura é um grande incentivo para que cessem os acordos”, afirmou a força-tarefa, em nota divulgada à imprensa após a entrevista publicada pelo GLOBO.

Na nota, o MPF disse que novos pagamentos por danos não podem impedir a sobrevivência das empresas e o próprio pagamento dos valores já acordados, porque isso inviabilizaria novos candidatos a firmar este tipo de acordo de colaboração. Os procuradores afirmaram que outros ministros do TCU já haviam se comprometido espontaneamente a não usar as provas voluntariamente entregues pelos colaboradores contra eles e que o TCU continua sendo um parceiro imprescindível no combate à corrupção.