Correio braziliense, n. 20133, 06/07/2018. Política, p. 2

 

O ministério do espúrio

Renato Souza

06/07/2018

 

 

INVESTIGAÇÃO » Operação da Polícia Federal acertou o chefe da pasta do Trabalho por fraudes de registros sindicais. Cargo agora será ocupado interinamente por Eliseu Padilha, chefe da Casa Civil, confirmado às pressas pelo Planalto depois de o STF determinar o afastamento de Helton Yomura

As investigações da Polícia Federal sobre fraudes na emissão de registros sindicais chegaram até integrantes do alto escalão do Poder Executivo. O alvo: o ministro do Trabalho, Helton Yomura. Ele foi afastado do cargo por determinação do Supremo Tribunal Federal (STF), ao ser apontado como integrante do esquema de corrupção que envolve políticos e servidores públicos na cobrança de propina que se instalou na pasta. A terceira fase da Operação Registro Espúrio aprofundou as informações sobre as participações e chegou também até a Câmara, onde o gabinete do deputado Nelson Marquezelli (PTB-SP) foi alvo de busca e apreensão. No final do dia, o Palácio do Planalto confirmou Eliseu Padilha como ministro interino do Trabalho — ele vai acumular o cargo de chefe da Casa Civil.

Às 6h, as viaturas da PF saíram da Superintendência da corporação, no Setor Policial Sul de Brasília. Vinte minutos depois as primeiras equipes chegaram ao Anexo IV da Câmara e foram até o gabinete de Marquezelli. Apesar do horário, o parlamentar já estava no local e saiu para que os trabalhos de buscas ocorressem. A operação foi autorizada pelo ministro Edson Fachin, do STF. O assessor parlamentar Jonas Antunes Lima, lotado no gabinete de Marquezelli, foi alvo de um mandado de prisão. A assessoria do deputado informou que “ele é sempre o primeiro a chegar na Casa e por isso estava presente no horário das buscas policiais”.

Outros dois alvos de mandados de prisão foram o chefe de gabinete de Yomura, Júlio de Souza Bernardes, e o superintendente regional do trabalho no Rio de Janeiro, Adriano José de Lima Bernardo. A ação ocorreu com base na mesma investigação que apontou o ex-deputado Roberto Jefferson como principal articulador do esquema que se instaurou no Ministério do Trabalho. Foram cumpridos 10 mandados de busca e apreensão e três de prisão temporária em Brasília e no Rio.

Durante as investigações, a PF descobriu que funcionários públicos, advogados, lobistas e políticos cobravam propina para emitir os registros sindicais, que deveria ocorrer de forma gratuita. Quem não pagava os valores solicitados, não tinha o pedido atendido ou era colocado no fim da fila. De acordo com as diligências, o esquema era dividido em cinco núcleos: administrativo, político, sindical, captador e financeiro. Em apenas um único caso, de acordo com o Ministério Público, foi pago R$ 4 milhões para a liberação do registro sindical.

O núcleo político atuou indicando servidores e mantendo cargos estratégicos no Ministério. Desta forma, o esquema era operacionalizado por pessoas de confiança dos envolvidos. As entidades sindicais eram as beneficiadas e responsáveis por manter as fraudes em andamento. O esquema funcionou na Secretaria de Relações do Trabalho, ou seja, dentro do ministério. Por conta das acusações, Helton Yomura pediu demissão do cargo no começo da noite de ontem, em carta entregue ao presidente Michel Temer.

Testa de ferro

De acordo com a PF, Yomura foi colocado no ministério para servir como “testa de ferro” de parlamentares e pessoas com influência no PTB, partido que domina as indicações para a pasta. O objetivo da indicação dele seria manter a continuidade das irregularidades. Ele chegou ao cargo após o impedimento da posse da deputada Cristiane Brasil (PTB-RJ). O PTB informou que apoia o andamento da operação, mas que “não concorda com inferências divulgadas antes que as investigações estejam concluídas”. Roberto Jefferson, presidente da legenda e pai de Cristiane, negou participar de irregularidades.

Yomura foi convocado para prestar depoimento e compareceu à Superintendência da Polícia Federal, em Brasília, poucas horas após ser alvo das ações policiais. Ao ficar frente a frente com os delegados, ele preferiu o silêncio e não respondeu aos questionamentos — também se negou a dar as senhas dos celulares. Em nota, ele disse ter a “certeza de não ter cometido nenhum ato ilícito e que suas ações correspondem a uma política de valorização dos trabalhadores e das instituições”.

Marun

O ministro da Secretaria de Governo, Carlos Marun, foi citado pela Polícia Federal no documento enviado ao ministro Fachin. De acordo com os investigadores, ele é suspeito de utilizar sua influência política para garantir a emissão de registro sindical de entidades nas quais mantém proximidade. A PF encontrou conversas mantidas pela chefe de gabinete de Marun  — que prestou depoimento — com Renato Araújo Júnior, ex-coordenador de Registro Sindical do Ministério do Trabalho.

Araújo Júnior está preso por conta das acusações. Ele é suspeito de operacionalizar o esquema. Os investigadores pediram autorização para realizar buscas em endereços ligados ao ministro Marun, principal articulador político do governo Temer e contra a assessora dele. Mas a princípio, a Procuradoria-Geral da República (PGR) e o ministro Fachin não viram provas suficientes para atestar a participação dele no esquema.

Marun negou as acusações e disse que vai ingressar com um processo na corregedoria da PF. “Desde que assumi a Secretaria de Governo, nunca pus os pés no Ministério do Trabalho. Nunca conversei com nenhum servidor do ministério a respeito de demanda de qualquer sindicato, seja pessoalmente, por telefone ou qualquer meio. Vou à corregedoria da PF apresentar protesto contra isso, e exigir providências e apresentar queixa-crime em relação a este vazamento que é seletivo, canalha e vagabundo”, afirmou. Colaborou Rodolfo Costa

Apuração

O ministro Eliseu Padilha é alvo de uma investigação da Polícia Federal. Junto a Michel Temer, Padilha é suspeito de ter recebido propina da construtora Odebrecht. Em troca, os envolvidos, todos integrantes do MDB, teriam favorecido a empreiteira em ações da Secretaria de Aviação Civil. De acordo com o Ministério Público, os repasses ilegais teriam sido negociados em 2014, durante um jantar que ocorreu no Palácio do Jaburu. Os envolvidos negam.

_________________________________________________________________________________________________________________________________________________

O fim do melancólico

Luiz Carlos Azedo

06/07/2018

 

 

A CLT surgiu pelo Decreto-Lei nº 5.452, de 1º de maio de 1943, sancionada pelo então presidente Getúlio Vargas, unificando toda a legislação trabalhista existente no Brasil. Seu principal objetivo foi regulamentar as relações individuais e coletivas do trabalho. Foram 13 anos de estudos e discussões—desde o início do Estado Novo até 1943 – entre destacados juristas, como Arnaldo Lopes Süsseking, José de Segadas Viana, Oscar Saraiva, Luiz Augusto Rego Monteiro e Dorval Lacerda Marconde, que se empenharam em criar uma legislação que atendesse à necessidade de proteção do trabalhador, sob a égide de um Estado regulador, corporativista e intervencionista, de tendência fascista, o Estado Novo.

Desde sua publicação, a CLT sofreu várias alterações, para ser adaptada à modernização do país. Continua sendo o principal instrumento para regulamentar as relações de trabalho e proteger os trabalhadores, mas passa por um processo de reformas que visa sua desregulamentação. Flexibilizar a contratação de trabalhadores passou a ser uma necessidade para que o mercado de trabalho se adapte às mudanças econômicas e tecnológicas ditadas para globalização e pelo que já está sendo chamado ded “capitalismo de dados”.

A Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) não foi a simples sistematização da vasta legislação trabalhista produzida no país após um plano coerente. Embora tenha recebido o nome de “consolidação”, introduziu novos direitos e regulamentos até então inexistentes. Tratou minuciosamente da relação entre patrões e empregados: regras referentes a horários a serem cumpridos pelos trabalhadores, férias, descanso remunerado, condições de segurança e higiene dos locais de trabalho etc. Até hoje, a anotação dos contratos de trabalho deve ser feita na carteira de trabalho instituída em 1932, símbolo maior da Era Vargas.

Apesar de sua reforma administrativa ou dos investimentos em infraestrutura e na indústria de base, a imagem de Getúlio Vargas como protetor da classe trabalhadora está colada à CLT. A outra face dessa moeda, porém, foi a intervenção nos sindicatos de trabalhadores, que até então sofriam forte influência anarquista. O trabalhismo de Alberto Pasqualini e San Tiago Dantas, apoiado por Vargas, foi alavancado por um sindicalismo chapa branca, pelego, inspirado na Carta Del Lavoro do ditador italiano Benito Mussolini. Originário da Itália, o fascismo foi uma resposta à crescente influência comunista entre os trabalhadores italianos após a Revolução Russa de 1917.

Com a abertura comercial e as privatizações do setor produtivo estatal, após a redemocratização, a estrutura sindical brasileira é o que ainda resta da Era Vargas. Durante os governos Lula e Dilma, seus líderes gozaram de um poder sem precedentes. Nem quando João Goulart foi ministro do Trabalho de Vargas, na década de 1950, ou presidente da República, no começo dos anos 1960, os sindicalistas tiveram tanto prestígio. A chamada “República Sindical” que se atribuía ao ao governo de Jango, em 1964, nem de longe se compara ao poder dos sindicatos e seus líderes a partir de 2002.

Com Lula no poder, os sindicalistas do PT e seus aliados da CUT e demais centrais sindicais passaram a controlar a Petrobras, os fundos de pensão e os ministérios da Previdência e do Trabalho, ao mesmo tempo em o prestígio e a influência das centrais sindicais aumentou no Congresso. A Operação Lava-Jato, que desnudou a corrupção institucionalizada na Petrobras, e as investigações nos fundos de pensão, porém, mostram a outra face desse poder. Agora, as investigações estão chegando aos sindicatos e sindicalistas, que sempre estiveram blindados por uma legislação que impedia a fiscalização de suas contas, a pretexto de defender a autonomia sindical.

Fio da meada

Ontem, o ministro do Trabalho, Helton Yomura, renunciou ao cargo, depois de ser afastado pelo ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Edson Fachin, por causa da Operação Registro Espúrio, da Polícia Federal. É suspeito de envolvimento com suposta organização criminosa que, segundo a PF, cobrava pela emissão de registros de sindicatos no Ministério do Trabalho. Ele foi alvo de mandados de busca e apreensão e respondeu a interrogatório na sede da PF em Brasília. Na carta de demissão enviada ao presidente Temer, em sua defesa, Yomura afirma: “Estou ciente de que jamais pratiquei ou compactuei com qualquer ilicitude ou irregularidade nos cargos que ocupei no Ministério do Trabalho”.

No pedido feito a Fachin para deflagrar a nova etapa da operação, a Polícia Federal também solicitou autorização para cumprir mandados de busca e apreensão em endereços do ministro Carlos Marun (Secretaria de Governo), mas o ministro do STF e a Procuradoria-Geral da República entenderam que não havia provas suficientes contra ele. Segundo a PF, políticos e servidores teriam atuado para cometer fraudes na concessão de registros sindicais pelo Ministério do Trabalho. É um fim melancólico para a Era Vargas, no qual os sindicatos de trabalhadores enfrentam mudanças estruturais na economia, que demanda mais tecnologia e menos mão de obra, e um golpe mortal no gigantismo e no assistencialismo dos sindicatos, com o fim do imposto sindical. Quem quiser que se iluda, é apenas o fio de uma meada.