O globo, n. 30994, 16/06/2018. Economia, p. 17

 

Limite para a Lava-jato

Carolina Brígido

15/06/2018

 

 

Com placar de 6 a 5, Supremo decide proibir depoimentos à força de investigados

Com placar apertado, o Supremo Tribunal Federal (STF) derrubou ontem a norma que prevê a condução coercitiva de investigados para prestar depoimento. O instrumento autorizava o uso da força policial para obrigar um acusado a ir depor. A decisão é uma resposta clara à Lava-Jato, que já aplicou o método 227 vezes, segundo o relator da ação, ministro Gilmar Mendes. No total, seis ministros votaram pelo fim das conduções forçadas para interrogatório. Para esse grupo, trata-se de uma ofensa à liberdade, à dignidade e ao princípio constitucional da não culpabilidade. Outros cinco ministros foram vencidos no plenário.

O julgamento começou na semana passada, quando Gilmar disse que a prática dá margem a um “festival de abusos”. Atualmente, as conduções coercitivas estão suspensas em todo o país por uma liminar dada por Gilmar em dezembro do ano passado. Os depoimentos feitos dessa forma no passado não terão seus efeitos anulados depois da decisão de ontem. O exemplo mais notório foi a condução do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva à força em 2016, para ser interrogado pela Polícia Federal.

A nova regra vale a partir da liminar concedida por Gilmar. A autoridade que fizer uso de força para levar um investigado a um interrogatório ficará sujeita a ser punida. O depoimento feito dessa forma será anulado, e as provas obtidas a partir dele terão o mesmo destino.

 

AÇÃO FOI APRESENTADA PELO PT

O placar apertado tem sido comum em assuntos penais e mostra a profunda divisão do STF. O voto do relator foi seguido por Rosa Weber, Dias Toffoli, Ricardo Lewandowski, Marco Aurélio Mello e Celso de Mello. Eles criticaram a “espetacularização” das conduções coercitivas no Brasil, bem como a conduta “abusiva” adotada por autoridades em investigações.

— É chegado o momento desta Suprema Corte, na tutela da liberdade de locomoção, zelar pela estrita observância dos limites legais para a imposição da condição coercitiva, sem dar margem para que se adotem interpretações criativas que atentem contra o direito fundamental de ir e vir e a garantia do contraditório, da ampla defesa e a garantia da não autoincriminação — disse Toffoli.

— A jurisprudência garantista deste Supremo não constitui novidade, uma jurisprudência sempre construída a partir de casos de pessoas pobres, desempregadas, subempregadas e de pequeno poder aquisitivo. Votar-se contra as conduções coercitivas sem prévia intimação nada tem a ver com a proteção de investigados ricos, e nem com a tentativa de derrubar o combate à corrupção — ponderou Lewandowski.

— Queremos no Brasil dias melhores, correção de rumos. Mas não podemos partir para o justiçamento — completou Marco Aurélio.

Por outro lado, defenderam a possibilidade de condução coercitiva os ministros Edson Fachin, relator da Lava-Jato, Alexandre de Moraes, Luís Roberto Barroso, Luiz Fux e Cármen Lúcia, presidente do tribunal. Para eles, o método pode ser aplicado na forma prevista em lei: se o investigado tiver sido intimado previamente e não comparecer sem uma justificativa plausível.

Os ministros ponderaram que, se usada assim, não há abuso. Isso porque o investigado manteria o direito de ser acompanhado pelo advogado e de ficar em silêncio para não se autoincriminar. A presidente considerou a espetacularização de prisões e medidas cautelares “um mal gravíssimo” que deve ser impedido.

— O ser humano, tenha feito o que for, não é troféu para ser exibido por quem quer que seja — afirmou Cármen Lúcia.

Com exceção de Moraes, os ministros derrotados também admitiram o uso de condução coercitiva para beneficiar o investigado, se o juiz quiser substituir prisão temporária ou preventiva pela condução forçada do acusado para depor. Isso pode ser feito se o magistrado fundamentar o motivo pelo qual considera necessária a prisão, e como o interrogatório pode contribuir da mesma forma com as apurações.

Na quarta-feira, segundo dia de julgamento, Moraes explicou que os depoentes têm o direito de não se autoincriminar, de ficar em silêncio e também de serem acompanhados do advogado. Mas isso não significa se recusar a comparecer ao ato processual. No mesmo dia, Fachin aproveitou para criticar a injustiça do sistema penal brasileiro — que, diz ele, favorece o “segmento mais abastado” em detrimento do “cidadão desprovido de poder econômico e político”.

A decisão do STF foi tomada em ações apresentadas pelo PT e pela Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) contra o artigo 260 do Código de Processo Penal, que prevê a condução coercitiva de quem se recusar a prestar depoimento.

Na ação, o advogado Thiago Bottino, contratado pelo PT, argumentou que a liberdade individual garantida pela Constituição é violada na condução coercitiva. Para o PT, esse trecho do Código do Processo Penal, editado em 1941, não condiz com a Constituição de 1988. Isso porque, na época do Código, os depoimentos eram considerados um meio de prova — ou seja, uma forma de produzir provas contra o investigado. Segundo a defesa, depois da Constituição, os depoimentos passaram a ser tratados como meio de defesa — portanto, um direito do investigado de se defender.