O globo, n. 30971, 24/05/2018. Economia, p. 17

 

Congelamento temporário

Ramona Ordoñez

Martha Beck

Geralda Doca

Bruno Rosa

Rennan Setti

Glauce Cavalcanti

Danielle Nogueira

André de Souza

Ronaldo D'Ercole

24/05/2018

 

 

Após desabastecimento, Petrobras reduz preço do diesel em 10%. Valor será mantido por 15 dias

No terceiro dia da greve dos caminhoneiros, que causou desabastecimento em diversas cidades, a Petrobras anunciou ontem uma redução de 10% no preço do diesel nas refinarias. Além disso, a cotação do produto permanecerá congelada nos próximos 15 dias. A partir de hoje, o valor cobrado na refinaria será de R$ 2,1016. Segundo Pedro Parente, presidente da Petrobras, depois deste período, a política de preços da companhia será retomada gradualmente. Desde o começo da semana, Petrobras e Ministério da Fazenda têm sido pressionados a encontrar uma solução rápida para a crise. Mesmo assim, a reação do mercado financeiro foi negativa: os recibos de ações da companhia negociados em Nova York caíram até 13,04% após o fechamento do mercado. Desde segunda-feira, os papéis da empresa no Brasil acumulam queda de 9,1%. No fim da noite de ontem, a Câmara aprovou a reoneração da folha de pagamento e zerou o PIS/Cofins do diesel.

Segundo Parente, o objetivo da decisão da Petrobras é dar tempo para que governo e caminhoneiros possam negociar um acordo mais definitivo. Ontem à tarde, a categoria se reuniu com representantes do governo. O presidente Michel Temer disse que o governo pediu aos caminhoneiros uma trégua de três dias na paralisação nacional, o que a categoria rejeitou. Posteriormente, a Petrobras anunciou a redução de preço, mas os caminhoneiros não voltaram a se pronunciar. A Associação Brasileira dos Caminhoneiros (Abcam) e as demais lideranças ainda não tinham fechado posição, e o movimento seria mantido, ao menos até hoje. Um post do grupo nas redes sociais publicado pouco antes das 20h dizia que o movimento continuaria.

— Estamos trabalhando neste tema para dar tranquilidade não só ao brasileiro, que não quer ver paralisado o abastecimento, mas também tentando encontrar uma solução que facilite a vida dos caminhoneiros — disse Temer.

RISCO DE PARALISAÇÃO EM AEROPORTOS

De acordo com a Petrobras, para os consumidores a medida deve garantir redução de R$ 0,25 para o diesel. O impacto na receita da empresa com a manutenção de preços será de R$ 359 milhões.

— Estamos contribuindo para evitar impactos negativos para a população e para nossa empresa. É uma medida de caráter excepcional, não significa mudança na política de preços da Petrobras — afirmou Parente.

Desde o fim de junho do ano passado, a Petrobras adotou a política de repassar ao consumidor as flutuações nas cotações do petróleo e do dólar. Na prática, altas e baixas são repassadas diariamente ao valor do produto nas refinarias. Outros fatores inNos terferem no preço para o consumidor final, como os impostos e a margem de venda de distribuidores e revendedores. A Petrobras responde por 55% do valor do produto.

Com a decisão da estatal, os caminhoneiros teriam algum alívio, mas o cidadão comum continuará a sentir no bolso o impacto das flutuações da cotação internacional do petróleo. Desde o início de maio, o preço da gasolina na refinaria até ontem subiu 13,06%. O diesel acumula alta de 11,85% no período, mas ela será quase anulada pela redução de 10% no preço a partir de hoje.

Parente negou ter sofrido qualquer tipo de pressão política para reduzir os preços do diesel.

— Não foi uma decisão simples, não foi uma decisão fácil, mas acho que o benefício de resolver essa situação será mais positivo do que insistir em fazer um movimento dogmático — afirmou Parente.

Além dos sinais de desabastecimento de produtos no país, a Petrobras decidiu agir depois de começar a receber informações de que havia risco de paralisação de aeroportos a partir de hoje. A diretoria da estatal recebeu a notícia de que Brasília e Congonhas corriam o risco de ficar sem combustível por causa da mobilização nacional.

Também havia a possibilidade de que a própria Petrobras fosse afetada, pois uma avaliação interna da empresa mostrava que havia impacto na operação de suas refinarias. A solução encontrada de reduzir o preço e mantê-lo inalterado por um período curto foi vista como uma forma de manter os princípios da política de preços da empresa e ajudar o governo a sair do impasse.

Quando a Petrobras convocou a entrevista para anunciar a medida, o Palácio do Planalto chegou a temer que Parente fosse pedir demissão. Isso porque ele sempre deixou claro que não aceitaria ingerências políticas na condução da estatal. Mas Parente ligou para Temer, explicou o que faria e desceu para dar a entrevista. Hoje, ele se reunirá com Temer e mais três ministros, além do secretário da Receita, Jorge Rachid, para discutir a crise.

REDUÇÃO DE 7% A 8% NAS BOMBAS

Na Petrobras, a avaliação é que o governo precisa resolver a situação com os caminhoneiros em 15 dias, para gerar o mínimo de impacto possível sobre a empresa. O Palácio do Planalto e interlocutores de Temer comemoraram a decisão da Petrobras.

Antes da coletiva de Parente, o ministro da Casa Civil, Eliseu Padilha, havia falado da necessidade de uma maior previsibilidade nos preços:

— Reconhecemos a situação como extremamente grave. Pedro Parente é um dos quadros mais expressivos do nosso processo administrativo, conseguiu dar um sentimento de recuperação, tem todo o mérito pelo que ele conseguiu fazer na Petrobras nesse curto espaço de dois anos.

cálculos de Adriano Pires, sócio do Centro Brasileiro de Infraestrutura (CBIE), a redução da Petrobras deve resultar em uma queda entre 7% e 8% na bomba para os consumidores. Segundo ele, o recuo deve começar a ser sentido entre dois e três dias. A medida, disse, não significa que a companhia tenha mudado sua política de preços:

— A Petrobras tomou consciência de que era preciso fazer alguma coisa. Essa iniciativa pode servir de exemplo para que estados reduzam o ICMS, assim como o governo federal, que deve zerar a Cide e reduzir o PIS/Cofins. Em períodos como o atual, com o barril acima de US$ 80, todos têm que ceder.

A greve ontem prejudicou a circulação de ônibus, causou falta de combustível e filas para abastecer o tanque, paralisação de fábricas por falta de insumos e escassez de hortifrutigranjeiros em supermercados. Um juiz do Distrito Federal determinou a liberação de seis rodovias (incluindo a BR-040) e autorizou o uso de força policial, se necessário.

Para o professor do Insper Sergio Lazzarini, ainda é cedo para dizer que a redução de preço do diesel é resultante de uma interferência do governo:

— Não é um sinal que se alinha com a previsibilidade da política de preços que a Petrobras vinha adotando. Se a decisão revela deterioração da governança da empresa, ainda não sabemos — disse Lazzarini, autor do livro “Capitalismo de laços”, sobre a relação entre empresas e Estado.

Para o consultor John Forman, ex-diretor da Agência Nacional do Petróleo (ANP), o debate precisa incluir a questão tributária.

— Reduzir o preço do diesel na refinaria e não conter a tributação que incide sobre o combustível é trabalhar contra a Petrobras. Se a empresa trabalha em um regime de economia aberta, não deveria haver medida nesse sentido — disse, antes da Câmara zerar o PIS/Cofins do diesel.

Analistas do mercado criticaram a decisão e temem que a queda de preço seja prolongada.

— A empresa, que vinha dando tanta confiança ao mercado, deu uma virada de 180 graus. Essa notícia machuca o Brasil — criticou o americano James Gulbrandsen, diretor da gestora NCH Capital.

Apesar da queda recente das ações da estatal, os papéis da Petrobras têm valorização de 450% desde janeiro de 2016, auge da crise da Lava-Jato. Parte importante da alta é atribuída à gestão de Parente e ao fato de a estatal ter adotado uma política de preços em paridade com a cotação do petróleo.