O globo, n. 30993, 15/06/2018. País, p. 3

 

Força-tarefa prevê mais uso de prisões temporárias

Cleide Carvalho

15/06/2018

 

 

Procurador critica decisão e afirma que condução coercitiva é ‘menos gravosa’

Nas investigações da Lava-Jato, a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) de impedir a condução coercitiva deve fazer aumentar o número de prisões temporárias. Os depoimentos à força vinham sendo usados para que os interrogatórios dos envolvidos em casos de corrupção fossem tomados de surpresa, sem aviso prévio, com a intenção de evitar combinação de versões para autoridades.

— A condução coercitiva era uma medida menos gravosa do que a prisão temporária. O STF demorou décadas para decidir a inconstitucionalidade por margem de um voto. Todavia, cumpre sempre lembrar a máxima: “Roma Locuta Est, Causa Finita Est” (Roma falou, a causa está encerrada), o que não isenta a Suprema Corte de críticas — afirmou o procurador Januário Paludo, um dos integrantes da equipe da Lava-Jato em Curitiba.

Desde março de 2014, quando foi deflagrada a primeira fase da Lava-Jato em Curitiba, o juiz Sergio Moro autorizou mais de 200 conduções coercitivas. Na primeira ação da Polícia Federal, foi levado coercitivamente a depor o ex-diretor de Abastecimento da Petrobras Paulo Roberto Costa, que virou delator da Lava-Jato. Costa acabou sendo preso depois de a PF descobrir que, enquanto ele prestava depoimento, suas filhas e genros haviam retirado documentos do escritório de sua empresa de consultoria.

Apenas numa das operações, a Xepa, que chegou ao departamento de propina da Odebrecht, 28 pessoas foram levadas coercitivamente a depor na Polícia Federal.

 

CASO DE LULA PROVOCOU MAIS QUESTIONAMENTOS

A opção pela prisão temporária a partir da decisão do Supremo é praticamente consenso entre as autoridades envolvidas nas investigações da Lava-Jato. Esse tipo de pedido, se aceito pela Justiça, é válido por cinco dias e pode ser prorrogado ou transformado em prisão preventiva.

Amplamente usada pela força-tarefa de Curitiba, a condução coercitiva sempre foi questionada pelos advogados dos envolvidos, mas a discussão só ganhou corpo depois que o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva foi levado para ser interrogado nas dependências da Polícia Federal no aeroporto de Congonhas, em São Paulo, sem que tivesse sido intimado para prestar depoimento voluntariamente sobre o caso do tríplex do Guarujá, que o levou à prisão.

No dia 4 de março de 2016, a Polícia Federal bateu na porta do apartamento do ex-presidente Lula às 6h. Foi o próprio ex-presidente quem a abriu. Em relatório encaminhado na época à Justiça Federal de Curitiba, o delegado Luciano Flores afirmou que o ex-presidente lhe disse que só sairia de sua casa para depor algemado e prestaria o depoimento ali mesmo. Foi então, de acordo com o relato, que o delegado informou sobre a condução coercitiva autorizada pelo juiz Sergio Moro.

Lula falou com seu advogado e compadre, Roberto Teixeira, trocou de roupa e deixou o apartamento na viatura da PF, que seguiu para o Aeroporto de Congonhas. Chegou às 7h20m, e o depoimento durou cerca de três horas.

O interrogatório causou tumulto no aeroporto, já que muitos parlamentares do PT foram até o escritório da Polícia Federal para tentar acompanhar o depoimento.

Lula foi condenado a 12 anos e um mês de prisão pelo tríplex do Guarujá, que, segundo a Justiça, representou vantagem indevida paga ao ex-presidente pela OAS. Ele ainda responde a outras duas ações na Justiça Federal de Curitiba. Uma delas envolve reformas feitas pela Odebrecht e pela OAS no sítio de Atibaia, que não está no nome do ex-presidente. A outra discute vantagens que teriam sido repassadas pela Odebrecht : a compra de um prédio pelo Instituto Lula, que nunca foi utilizado, e de uma cobertura em São Bernardo do Campo, que a defesa do ex-presidente argumenta ter sido alugada.