O globo, n. 30971, 24/05/2018. Economia, p. 20
Câmara aprova reoneração da folha e zera PIS/Cofins do diesel
Bárbara Nascimento
Geralda Doca
Karla Gamba
Bruno Góes
24/05/2018
Governo diz que perderá R$ 12 bi e tentará reverter decisão no Senado
A Câmara dos Deputados aprovou na noite de ontem, em votação simbólica, o texto base do projeto que reonera a folha de pagamento de 28 setores. Outros 28 vão poder manter o benefício fiscal até o fim de 2020. O número é bem maior do que os seis segmentos que o governo pretendia deixar de fora. A equipe econômica também teve de aceitar um outro revés: o relator, Orlando Silva (PCdoB/SP), incluiu no texto artigo que zera o PIS/Cofins sobre o diesel. Em compensação, aceitou pôr no projeto um pedido do governo para que todas as desonerações, sem exceção, tenham fim a partir de janeiro de 2021. Os destaques foram derrubados, e o projeto agora segue para o Senado. O ministro da Secretaria de Governo, Carlos Marun, anunciou na Câmara que o governo tentará reverter no Senado a decisão de zerar o PIS/Cofins do diesel.
— A renúncia fiscal estimada é de R$ 12 bilhões — afirmou Marun.
Mas o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM/RJ), disse que na verdade ela será bem menor, de R$ 3,5 bilhões.
O projeto permite ainda que as empresas compensem qualquer contribuição feita a mais por causa da medida provisória (MP) 774, primeira tentativa do governo de reonerar a folha. Segundo o texto, os valores pagos a mais poderão ser compensados ou restituídos. Quem contrariou a MP e não fez os pagamentos terá suas dívidas perdoadas, bem como multas e juros.
A lista de setores desonerados atualmente é de cerca de 56 áreas. O governo pretendia deixar de fora transportes rodoviário, ferroviário e metroviário de passageiros, empresas jornalísticas, construção civil e construção de obras de infraestrutura. Entre os 22 novos segmentos incluídos pelo relator estão: tecnologia da informação e comunicação, call center, projeto de circuitos integrados, couro, calçado, vestuário, Empresas Estratégicas de Defesa (EED), fabricantes de ônibus, máquinas e equipamentos industriais, móveis e comércio varejista de calçados e artigos de viagem.
Segundo cálculos da equipe econômica, a reoneração da folha (que levará 90 dias para entrar em vigor) deve resultar em uma arrecadação de R$ 1,5 bilhão este ano. Em um ano fechado, o valor é de R$ 5 bilhões a R$ 6 bilhões. O governo havia negociado com Maia que esse espaço seria usado para cobrir a renúncia de uma redução a zero da Cide sobre o diesel. Mesmo assim, ontem, Maia passou a defender novo benefício, com a redução da alíquota de PIS/Cofins.
RELATOR: HÁ SOBRA NO ORÇAMENTO
No fim da tarde, Silva afirmou que havia duas opções na mesa: zerar ou cortar à metade o imposto, de R$ 0,4615 por litro. O Palácio do Planalto chegou a enviar Marun à Câmara, para tentar diminuir o tamanho da conta para o governo, mas o projeto aprovado reduziu a zero o tributo por seis meses. A preocupação da equipe econômica é que não há espaço no Orçamento para comportar todos esses benefícios sobre o combustível.
Silva argumentou que a arrecadação com a reversão da desoneração da folha compensaria as perdas com a redução a zero do PIS/Cofins sobre combustíveis. O problema é que o governo contava com esse espaço para reduzir a Cide sobre o diesel, em acordo costurado com Maia ontem. Segundo Silva, a equipe econômica divulgou uma folga no Orçamento no último relatório bimestral de receitas e despesas, divulgado na terçafeira. Portanto, tem margem de manobra para alocar essa perda:
— O último relatório bimestral sinalizou receitas acima do esperado, que podem ser utilizadas. O governo tem margem no Orçamento.
A União divulgou que tem uma “sobra” de cerca de R$ 6 bilhões para o cumprimento da meta de resultado primário de 2018, de um déficit de R$ 159 bilhões. Algumas receitas tiveram um desempenho acima do esperado. Essa sobra foi usada para abater despesas que o governo havia deixado bloqueadas por insegurança sobre a entrada de algumas receitas, como a da privatização da Eletrobras.
______________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________
Associação que coordena greve só tem filiadas em seis estados
Ronaldo D'Ercole
24/05/2018
À frente do atual movimento dos caminhoneiros contra a alta no preço do óleo diesel, que já dura três dias e causou o bloqueio de mais 250 pontos apenas em rodovias federais, a Associação Brasileira de Caminhoneiros (Abcam) ganhou notoriedade, mas é apenas uma entre muitas entidades que representam a categoria no país. Fundada em 1983, em São Paulo, por um grupo de caminhoneiros autônomos, a entidade tornou-se membro da Confederação Nacional dos Transportes (CNT) no início dos anos 2000.
Embora se apresente como uma liderança nacional dos caminhoneiros autônomos, a Abcam tem entre as suas filiadas federações de transportes e sindicatos de apenas seis estados das regiões Sul e Sudeste: Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Paraná, São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais.
Um dos fundadores da Abcam, José da Fonseca Lopes é também o presidente da associação. Fonseca, como é conhecido entre os caminhoneiros, vem questionando a política de preços da Petrobras para o diesel há mais de um ano.
— O Fonseca é uma liderança antiga e é muito ativo — disse um dirigente do setor de transportes de carga, ressalvando que a categoria tem representações pulverizadas pelo país. — É tudo muito fragmentado (as entidades que representam os caminhoneiros autônomos), e não existe uma liderança nacional.
Tomando a base de filiados da própria entidade, fica clara essa dispersão da representatividade. A Federação dos Caminhoneiros Autônomos do Estado do Rio reúne pelo menos oito sindicatos, de cidades que vão de Niterói e Campos, a Magé, Três Rios e Araruama. Em Santa Catarina, a federação da base da Abcam reúne sindicatos de cidades como Chapecó, a municípios menores, como Otacílio Costa e Itainópolis.
MOBILIZAÇÃO RÁPIDA
Apesar dessa dispersão de suas lideranças, os caminhoneiros são um grupo muito bem coordenado em termos de comunicação, observa outra fonte do setor.
— A maioria deles tem sistema de comunicação, rádio, grupos de WhatsApp. Comunicação é a coisa mais fácil que tem hoje, por isso se mobilizam tão rapidamente — diz.
Mas isso não assegura às lideranças de paralisações, como o atual, controle das ações.
— No momento em que começam a fazer bloqueios, surgem liderança locais. E, quanto mais demora a paralisação, mais difícil de se coordenar as coisas — conta outra fonte.
O próprio presidente da Abcam reconhece esse problema:
— A demora do governo em apresentar uma proposta está revoltando cada vez mais a categoria. Amanhã (ontem), o movimento vai para o terceiro dia, e, se o governo não se manifestar, não vai ter mais acordo. O pessoal vai fechar tudo — dissera Fonseca ao GLOBO, na de terça-feira.