O globo, n. 30970, 23/05/2018. País, p. 3

 

Temer joga a toalha

Cristiane Jungblut

Catarina Alencastro

23/05/2018

 

 

Presidente desiste da reeleição, lança Meirelles e se agarra ao que lhe resta de mandato

Organizado para marcar o lançamento de um conjunto de propostas de governo ao país, batizado de “Encontro com o futuro”, o evento realizado pela Fundação Ulysses Guimarães transformou-se ontem no fim simbólico da carreira política do presidente Michel Temer nas urnas. Ao anunciar a pré-candidatura do ex-ministro da Fazenda Henrique Meirelles, o presidente abandonou o discurso de reeleição. Pressionado pela maioria do MDB, Temer decidiu agarrar-se aos últimos meses de governo, enquanto seus aliados negociam alianças eleitorais. Ao discursar ontem, Temer se referiu a Meirelles como “o melhor entre os melhores” para representar o partido nas eleições presidenciais de outubro.

— Ficarei orgulhosíssimo se um dia Meirelles for proclamado, pelo voto popular, presidente do Brasil. O Meirelles é o melhor entre os melhores. Por isso, tem condições de estar à frente do nosso partido e à frente da nossa campanha eleitoral. Chamamos você e chamamos para ser presidente do Brasil! — disse Temer.

Presidente mais impopular da história, com atuais 7% de aprovação, Temer era considerado um fardo pela maioria dos integrantes do MDB que pretendem disputar as eleições. Sua saída de cena ajuda a adiantar negociações regionais e libera Meirelles para começar a construir uma possível chapa nacional. Presidente do MDB, o senador Romero Jucá, admitiu ontem ampla resistência do partido ao nome do presidente:

— O presidente Temer foi conversando com as pessoas e se convencendo de que a candidatura do Meirelles é mais palatável.

IMPOPULARIDADE FORA DA CAMPANHA

Caciques de dois partidos, PRB e PP, já tiveram encontros com Meirelles nos últimos dias. As conversas devem ser ampliadas agora para outros partidos do centrão que exigiam a saída de Temer das negociações para iniciar uma aproximação com o MDB.

Ao tomar a decisão de sair, Temer também levou em conta o fato de ser investigado em dois inquéritos no Supremo Tribunal Federal (STF) que continuariam gerando notícias negativas. Há dez dias, como revelou O GLOBO, numa conversa reservada com Henrique Meirelles e alguns ministros, no Palácio da Alvorada, Temer não escondeu a angústia com o fim de sua carreira, mas afirmou que desistia da reeleição para “deixar de ser alvo”.

— Essa decisão terá um custo pessoal muito grande — disse Temer a Meirelles, ao desistir da candidatura, segundo um dos presentes à conversa.

Foi para isolar o potencial radioativo de Temer que Jucá e o próprio Meirelles trabalharam nas últimas semanas para tornar pública a desistência do presidente. A dupla não esconde o desejo de manter a impopularidade de Temer distante da campanha.

— Temer é o presidente e tem sete meses à frente do governo, onde existe muita coisa a ser feita — disse Meirelles, ao recusar incluir Temer na sua coordenação de campanha.

Apesar de ter conseguido o apoio do presidente para lançar sua pré-candidatura, Meirelles terá um enorme desafio para conseguir os votos necessários na convenção do partido em julho. O ex-ministro tem dito aos aliados que tem pesquisas que demonstram seu crescimento quando os entrevistados são expostos a vídeos que mostram sua biografia e suas realizações à frente do governo Temer e do governo do expresidente Lula. Meirelles afirma que dificilmente vai decolar nas pesquisas até julho, mas que quando o seu perfil for levado à propaganda eleitoral na TV, ele terá fortes condições de subir nas sondagens .

Meirelles também precisará convencer uma parcela do MDB que trabalha para que o partido não tenha candidato à Presidência. Liderada pelos senadores Renan Calheiros (AL), Roberto Requião (PR) e Eunício Oliveira (CE), essa corrente deseja ficar livre para fazer arranjos regionais.

O anúncio da pré-candidatura de Meirelles foi criticado por Renan Calheiros:

— O presidente da República, que tinha 1% nas pesquisas, anunciou a retirada da sua candidatura e colocou no seu lugar o ex-ministro da Fazenda, que levou o país a essa situação. Não acredito que o MDB homologue uma candidatura como essa, porque a candidatura do Meirelles vai rebaixar o MDB em todos os estados.

SÍNDROME DO PATO MANCO

A desistência de Temer contrariou os ministros mais próximos do presidente. O chefe da Casa Civil, Eliseu Padilha, e o ministro de Minas e Energia, Moreira Franco, defendiam que o presidente ganhasse mais tempo até desistir oficialmente da candidatura. Temer foi avisado pelos aliados, no entanto, que tudo já estava formatado para o lançamento da candidatura de Meirelles. A líder do PMDB no Senado, Simone Tebet (MS), que defendia abertamente a desistência, disse que prevaleceu o “bom senso”.

— O presidente Temer teve que fazer uma opção entre o núcleo duro e a maioria do partido. O governo vai se acabando pelo tempo, porque faltam sete meses, e não pelo fato de ele ser ou não candidato. Não adiantava postergar o que já era sabido por todo mundo.

Agora, Temer terá de lutar para que seus sete meses de governo não minguem na síndrome do “pato manco”, a expressão usada na política norte-americana que define o político que continua no cargo, mas por algum motivo não pode disputar a reeleição e perde a expectativa de poder.