O globo, n. 30993, 15/06/2018. Economia, p. 15

 

Troca de comando da BRF

João Sorima Neto e Renna Setti

15/06/2018

 

 

Pedro Parente, ex-presidente da Petrobras, assumirá empresa, que perdeu 43% de seu valor este ano

Depois de perder R$ 12,8 bilhões, ou 43% do seu valor de mercado, desde o início do ano, a BRF aposta em uma troca de comando para se recuperar. O Conselho de Administração da companhia aprovou ontem o nome de Pedro Parente, ex-presidente da Petrobras, para o cargo de presidente global da processadora de alimentos, dona das marcas Sadia e Perdigão. A expectativa em torno da indicação do executivo fez com que as ações da empresa avançassem 3,31%, num dia em que a Bolsa fechou em baixa de quase 1%.

Desde abril, o comando da BRF era ocupado interinamente pelo diretor financeiro e de Relações com Investidores, Lorival Nogueira Luz Junior. Parente já ocupava o cargo de presidente do Conselho de Administração da BRF, função que ele deve acumular durante 180 dias, quando uma assembleia geral deve propor a extensão do mandato. O executivo saiu da Petrobras há duas semanas, em meio a um cenário de turbulência no país após a greve dos caminhoneiros e em plena discussão sobre a política de preços da Petrobras — instituída durante a sua gestão —, que repassa imediatamente ao consumidor as oscilações em variáveis como petróleo e dólar. Após sua saída do cargo, que suscitou debates sobre o risco de ingerência na companhia, a Agência Nacional do Petróleo (ANP) anunciou uma consulta pública para discutir a periodicidade dos reajustes.

Nos últimos meses, a BRF enfrentou problemas de todo tipo. A empresa passou por um período conturbado de tensões entre os fundos de pensão Petros e Previ, que detêm 22% do capital da empresa, e o empresário Abilio Diniz. Parente chegou ao conselho da empresa em abril como um nome de consenso para superar as divergências. Além disso, o setor tem sofrido uma série de reveses, como resultado da Operação Carne Fraca, da greve dos caminhoneiros e da recente decisão da China de impor tarifas de até 38,4% sobre o frango brasileiro.

 

PERSPECTIVA DE REMUNERAÇÃO MAIOR

Segundo fonte próxima à empresa, a reunião do conselho ontem foi tranquila, porque o nome de Parente era uma unanimidade entre os conselheiros e as famílias fundadoras da Sadia. Os conselheiros já haviam decidido indicá-lo para o cargo desde sua saída da Petrobras, mas preferiram esperar algumas semanas para não gerar constrangimentos no mercado. Fontes próximas ao executivo afirmaram que ele foi convencido a aceitar o cargo na última quarta-feira.

— A missão dele agora é reencontrar urgentemente o caminho do crescimento, já que a empresa está com uma capacidade ociosa superior a 20%. O mais importante é trazer para a empresa uma visão de longo prazo condizente com uma indústria de cadeia longa — afirmou um acionista.

Na BRF, Parente tende a ganhar mais do que recebia na Petrobras. A previsão da remuneração total da diretoria, de acordo com o formulário de referência da empresa de alimentos enviado à Comissão de Valores Mobiliários (CVM) para este ano, é de R$ 77,1 milhões para seus seis membros, representando um ganho médio de R$ 1,07 milhão por mês. Na Petrobras, são previstos R$ 24,9 milhões de remuneração total para seus oito diretores em 2018, ou cerca de R$ 260 mil por mês. Os valores vão além de salários, incluindo todos os benefícios (como participação em resultados) e uma eventual multa por rescisão de contrato.

 

AUTORIZAÇÃO DA COMISSÃO DE ÉTICA

Parente recebeu ontem autorização da Comissão de Ética Pública para assumir o cargo. A avaliação é que a BRF atua em mercado completamente distinto do da Petrobras. Dessa forma, o executivo foi dispensado da exigência de cumprir período de quarentena.

No comunicado sobre a troca de comando, a BRF informa que Parente “liderará o processo de reorganização da companhia, em especial o preenchimento de posições chaves e questões ligadas à governança”. O conselho aprovou ontem a criação do cargo de diretor presidente global de Operações, que será ocupado por Lorival Nogueira Luz Junior, que se reportará diretamente a Parente.

O economista Fábio Silveira, sócio-diretor da MacroSector, observa que o novo presidente da BRF assume em um momento delicado não só para a empresa, como para o setor de aves, que tem sofrido com a elevação de preços de milho e soja. Segundo ele, além do câmbio, essas

commodities estão caras porque os mercados futuros têm apostado na alta das cotações, embalados pela expectativa de maior demanda da economia global.

— A rentabilidade no mercado de frango continuará prejudicada. O que o setor vai enfrentar no próximo ano não é um desafio trivial. O setor terá de ter muita proteção contra variações da taxa de câmbio. Não pode errar nas avaliações de risco — afirma Silveira, acrescentando que a empresa terá de recuperar sua imagem após a Operação Carne Fraca. — A BRF terá de investir em marketing, procedimentos, governança, transparência e compliance. Vai ter que dizer tintim por tintim como se produz frango no Brasil. Tem que ter a máxima transparência possível.

Do ponto de vista profissional, Parente é visto como um executivo experiente. Já foi presidente da Petrobras e da Bunge, e foi ministro três vezes no governo Fernando Henrique Cardoso. O que gera questionamentos no mercado é a expectativa de reverter a crise em um período de tempo relativamente curto, uma tarefa difícil diante do tamanho dos problemas no setor.

— Parente tem capacidade de atrair instituições financeiras para financiar os ciclos de uma companhia, e isso vai ajudar muito no caso da BRF, que é uma empresa muito endividada (sua dívida bruta era de R$ 21,3 bilhões em março). Portanto, não deve faltar capital para financiar seu projeto. A questão é qual será esse projeto e qual a velocidade de recuperação da companhia — analisa Adeodato Volpi Netto, especialista em mercado de capitais da Eleven Financial.

Ele lembra que a BRF se expandiu no exterior e em alguns mercados, como o do Oriente Médio, com os produtos halal (em que o processamento e o consumo dos alimentos seguem as tradições muçulmanas), mas acabou perdendo margem ao praticar preços baixos.

 

INDÚSTRIA VOLTADA PARA O VAREJO

Para Pedro Paulo Silveira, economistachefe da Futura Investimentos, um dos grandes desafios de Parente será alinhar as expectativas dos acionistas, que se desentenderam depois de dois prejuízos consecutivos, e brigaram pelo poder na BRF:

— Mesmo ele sendo um nome de consenso, a prática pode se mostrar diferente numa indústria voltada para o varejo, que produz de lasanha congelada a mortadela e pizza.

O economista lembra que quadros importantes da empresa, formados na Sadia e na Perdigão, empresas que deram origem à BRF por meio de uma fusão, deixaram a empresa nos últimos meses. Formar um novo time de especialistas nesse segmento — e retê-los — é outro ponto crucial.

Na Petrobras, a estratégia de Parente foi vender ativos, estabelecer uma política de preços alinhada com o mercado internacional e melhorar a governança da companhia, atolada em denúncias de corrupção. Na BRF, o caminho a ser tomado não está tão claro. E, antes mesmo de ter um plano, será preciso formar lideranças, já que muitos cargos importantes estão vagos.

Para Glauco Legat, analista-chefe da Spinelli Corretora, uma alternativa seria considerar alianças estratégicas e fusões no setor. Legat avalia que avançar em mercados como União Europeia e China será crucial para a empresa:

— É preciso lembrar que a BRF não está na situação em que a Petrobras estava. Além disso, a população mundial continua crescendo, e a demanda por alimentos deve continuar se expandindo. E o frango é uma das proteínas mais baratas.