O globo, n. 30970, 23/05/2018. Economia, p. 21

 

Acordo ás pressas

Geralda Doca

Eliane Oliveira

Cristiane Jungblut

Gabriela Valente

Bárbara Nascimento

Bruno Rosa

Ronaldo D'Ercole

23/05/2018

 

 

Protestos de caminhoneiros avançam, e governo aumentará impostos para reduzir preço do diesel

Diante do risco de uma crise de desabastecimento no país, provocada pela paralisação dos caminhoneiros contra o aumento do diesel, o governo costurou às pressas com o Congresso um acordo para reduzir a carga tributária sobre o combustível. A equipe econômica aceitou reduzir a zero a incidência da Cide (Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico) sobre o diesel, uma renúncia fiscal de R$ 2,5 bilhões por ano. No entanto, condicionou o benefício (que representa apenas R$ 0,05 do preço do litro) à aprovação, pelo Legislativo, do projeto de lei que acaba com a desoneração da folha de pagamento de diversos setores.

O texto está parado no Congresso e foi desidratado pelos parlamentares, mas o ministro da Fazenda, Eduardo Guardia, não só quer que ele seja aprovado, como também que o Congresso aumente a carga tributária do setor produtivo. Originalmente, a reoneração foi feita para 53 de um total de 56 setores. Mas Guardia anunciou que a proposta precisa prever que todos os segmentos, sem exceção, sejam onerados a partir de 2021. Na prática, para reduzir um único tributo com impacto restrito no preço do diesel, o governo fez acordo para acelerar a votação de um projeto que aumenta impostos de 53 setores da economia este ano, até chegar a 56 em 2021.

A política de desoneração da folha começou em 2011 com o objetivo de estimular a geração de empregos e melhorar a competitividade das empresas. O benefício se dá por meio da substituição da cobrança de uma contribuição previdenciária de 20% sobre a folha de pagamento das empresas, por um porcentual sobre o faturamento. A alíquota varia de 1% a 4,5%, dependendo do setor. O que o governo quer é fazer com que as empresas passem a pagar o tributo sobre a folha.

— Uma vez aprovado o projeto de reoneração da folha, será editado um decreto para acabar com a Cide incidente sobre o diesel — disse Guardia, anunciando em seguida medidas mais duras para os empregadores, sob a alegação de que a margem de manobra é pequena.

ASSOCIAÇÃO DIZ QUE GREVE SERÁ MANTIDA

O ministro não descartou que novas medidas sejam adotadas e fez um apelo aos caminhoneiros:

— Gostaríamos de fazer um apelo a essa categoria para que retorne às suas atividades normais. Se isso persistir pode trazer danos à população. A paralisação do transporte de cargas terá inúmeros problemas. O governo está atento e sensível a esse problema. Estávamos desde a semana passada trabalhando e discutindo alternativas.

Ontem, foram registrados bloqueios em até 24 estados, além do Distrito Federal. Segundo o presidente da Associação Brasileira dos Caminhoneiros (Abcam), José da Fonseca Lopes, a categoria quer mudanças em outros tributos além da Cide, e a greve deve continuar.

— O governo está falando que vai tirar a Cide. Isso para nós não interessa. Tem que tirar também PIS/Cofins — disse, alertando para o risco de bloqueio a cargas com alimentos perecíveis.

Inicialmente, a ideia defendida por ministros do entorno do presidente Michel Temer era mexer na política de reajuste da Petrobras de forma a dar “previsibilidade” aos preços. Uma das ideias em discussão era mexer na periodicidade dos reajustes. Mas, diante da postura do presidente da estatal, Pedro Parente, de não aceitar interferência política na sua gestão, Guardia teve de negociar o fim da Cide sobre o diesel. Convidado a participar de reunião em Brasília para discutir o assunto, Parente deixou o Ministério da Fazenda reiterando que a política da empresa não muda.

Ontem, a Petrobras reduziu os preços do diesel em 1,54%, para R$ 2,3351, e da gasolina em 2,08%, para R$ 2,0433. Segundo Parente, a mudança foi resultado da queda do dólar, uma das variáveis que a empresa acompanha em sua política de preços, além do barril de petróleo.

As discussões estavam sendo coordenadas pelo Planalto com integrantes da equipe econômica e ministros políticos, mas o presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia, saiu na frente e anunciou que a Cide sobre o diesel seria zerada, num vídeo divulgado na sua conta no Twitter. Nele, Maia aparecia ao lado do presidente do Senado, Eunício Oliveira (MDB-CE) e de líderes do governo. Os dois marcaram uma sessão conjunta com objetivo de discutir uma solução para o aumento dos combustíveis na próxima quarta-feira.

MEDIDA TERIA EFEITO SIMBÓLICO, DIZ ESPECIALISTA

A iniciativa de Maia, que é pré-candidato à Presidência do DEM, foi interpretada como um atropelo pelo Planalto. Contudo, interlocutores minimizaram o problema, alegando que o projeto da reoneração da folha sairá da geladeira. A medida, que faz parte do pacote de ajuste fiscal, permite uma receita extra de, pelo menos, R$ 6 bilhões por ano, sendo R$ 3 bilhões em 2018.

Para aprovar a proposta, o governo desistiu da medida provisória (MP) 814, que facilita a venda das distribuidoras da Eletrobras do Norte e Nordeste, uma das fases da privatização da companhia. O presidente da Câmara afirmou que o Congresso deve aprovar até a próxima semana o projeto de lei da reoneração da folha de pagamento das empresas.

Maia queria que o governo também concordasse com uma redução do PIS/Cofins sobre o diesel, mas a área econômica ainda resiste. Ele acrescentou que o governo precisou agir porque o Planalto está preocupado com a greve dos caminhoneiros — que estão fazendo paralisações por causa da alta dos preços do frete por causa do diesel — e com o impacto dos combustíveis no bolso dos brasileiros.

O movimento da categoria já trouxe impactos na operação do aeroporto de Brasília, que precisou impor um sistema de racionamento no fornecimento de querosene de aviação. Segundo a concessionária Inframérica, o combustível já estava na reserva e seria suficiente para abastecer as aeronaves somente até ontem. A empresa alertou que se a situação não for regularizada, voos serão cancelados e que os passageiros devem buscar orientação nas companhias aéreas. O problema está acontecendo porque os caminhões carregados estão paradas no Entorno do Distrito Federal (em Luziânia).

Zerada em 2012, a Cide voltou a incidir no primeiro ano do segundo mandato da ex-presidente Dilma Rousseff, junto com o aumento de outros impostos. A contribuição representa R$ 0,10 sobre o litro da gasolina e R$ 0,05 do diesel. Segundo Adriano Pires, diretor do Centro Brasileiro de Infraestrutura (CBIE), o impacto do fim da contribuição será pequeno para os consumidores. Para ele, a medida tem mais efeito simbólico.

— Mostra que o governo está preocupado com o aumento do combustível, tomando medidas, soluções, mecanismos para reduzir o peso para os consumidores — disse Pires.

Em outra frente, as autoridades começam a buscar outras formas de baratear o combustível. Uma saída poderia ser promover a concorrência no setor de distribuição. De acordo com a Agência Nacional do Petróleo (ANP), existem 151 distribuidoras no país. No entanto, apenas três controlam quase a metade dos postos no Brasil.

Uma regra criada pela própria ANP impede que um posto que expõe a marca da distribuidora compre de outro fornecedor que ofereça momentaneamente o produto num preço melhor. E, no 7º maior consumidor de derivados de petróleo do mundo, apenas 42,5% dos postos optam pela liberdade de não ter bandeiras.

DESBLOQUEIO DE R$ 2 BI DO ORÇAMENTO

Ontem, o governo avaliou que terá um reforço nas receitas com leilões de petróleo e, por isso, decidiu liberar R$ 2 bilhões que estavam bloqueados no Orçamento de 2018. A equipe econômica entendeu, contudo, que ainda há riscos fiscais que ameaçam as contas públicas e manteve um bloqueio de R$ 9,1 bilhões. Entre as incertezas estão a derrubada dos vetos ao Refis do Simples Nacional, cujo impacto só será conhecido em agosto, quando acabar o período de adesão.

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Greve de caminhoneiros já prejudica transporte e setor de alimentos

23/05/2018
 
 

Firjan alerta para o risco de desabastecimento no Estado do Rio

O segundo dia de paralisação dos caminhoneiros já prejudica empresas e os setores de transportes e alimentos. No Rio, segundo a Fetranspor, que reúne as empresas de transportes, a greve afeta o abastecimento das empresas de ônibus, que costumam renovar os estoques diariamente. Por isso, diz a federação, há viações com operações limitadas, e foi adotado racionamento de combustível. A federação disse, ainda, que, se as manifestações não forem encerradas, há o risco de paralisação de todas as empresas.

Nesse cenário, a Secretaria Municipal de Transportes divulgou comunicado pedindo que as pessoas deem preferência hoje a trens, metrô e VLT nos deslocamentos.

Em função da redução da frota de ônibus em circulação, o MetrôRio anunciou que vai reforçar as equipes em suas 41 estações.

Em nota, a Firjan manifestou sua preocupação e advertiu para o risco de desabastecimento. Para a federação, a situação é ainda mais grave no caso da indústria fluminense, já que “a crise econômica levou as empresas a trabalharem com estoques muito reduzidos e qualquer paralisação no transporte leva rapidamente ao desabastecimento”.

A entidade destaca ainda que o transporte de carga no Rio já enfrenta dificuldades com a maior concentração no país de ocorrências de roubo de carga.

E mais profissionais aderiram ao movimento, que ontem chegou a bloquear vias de 24 estados mais o Distrito Federal, segundo dados da Polícia Rodoviária Federal (PRF). De acordo com a Associação Brasileira dos Caminhoneiros (Abcam) a adesão chegou a 300 mil profissionais.

E não é só o Rio que sente os efeitos da adesão maior. O aeroporto de Brasília é um dos que podem ficar sem combustível (querosene de aviação) por causa da paralisação.

A General Motors informou que os bloqueios comprometem o fluxo de distribuição de componentes (autopeças) em suas unidades, onde a produção foi paralisada.

CARGAS VIVAS SENDO BARRADAS

A Associação Brasileira de Frigoríficos (Abrafrigo) também relatou problema.

— Todo o nosso setor de matérias-primas vivas (boi, suíno, aves), e leite e o abastecimento em geral está sendo muito afetado. Estamos recebendo inúmeras queixas de caminhões transportando nossos produtos que são perecíveis e estão parados em várias regiões do país — disse o presidente executivo da Abrafrigo, Péricles Salazar, acrescentando.

No início da noite, a Aurora Alimentos informou que vai paralisar totalmente as atividades das suas unidades de processamento de aves e suínos em Santa Catarina, Paraná, Rio Grande do Sul e Mato Grosso do Sul (inicialmente), na quinta e sexta-feira, por causa da greve que, diz a empresa, impede a passagem dos insumos e também o “escoamento dos produtos acabados para os portos e centros de consumo”.

A paralisação também afeta a movimentação nos portos. As assessorias de imprensa dos portos de Paranaguá e Santos, os principais canais de exportação da safra agrícola do Brasil, informaram à Reuters que há manifestações nas entradas de ambos os terminais, e por isso muitos caminhões nem estão se dirigindo a estes terminais.