O globo, n. 30970, 23/05/2018. Mundo, p. 26

 

Maduro contra-ataca

23/05/2018

 

 

Venezuelano reage a sanções dos EUA e expulsa diplomatas americanos; UE estuda punições

Em reação às sanções aplicadas pelos Estados Unidos após as eleições presidenciais de domingo — consideradas irregulares por parte da comunidade internacional — a Venezuela expulsou ontem os dois principais representantes diplomáticos americanos no país. O encarregado de negócios Todd Robinson recebeu 48 horas para se retirar, comunicou o presidente Nicolás Maduro. Também foi expulso Brian Naranjo, chefe da Seção Política da Embaixada dos EUA, considerado o número dois da sede diplomática. Caracas alegou ainda ser vítima de um “linchamento político e financeiro” e acusou a Casa Branca de inspirar-se nos “postulados nefastos da Ku Klux Klan (KKK)”, em referência ao movimento racista de extrema-direita dos EUA. Por sua vez, a União Europeia (UE) disse que estudará novas sanções contra o país.

Maduro acusou Robinson de promover uma conspiração militar contra o seu governo, com o objetivo de destruir a economia e incentivar a abstenção nas eleições. Washington e Caracas já não mantêm embaixadores uma na outra desde 2010, por conta da tensa relação diplomática entre os dois países desde que os EUA apoiaram o golpe de Estado fracassado contra Hugo Chávez, em 2002. A nova expulsão, agora, agrava o relacionamento, enquanto a Venezuela se vê mais isolada em decorrência das críticas de parte da comunidade internacional. Em discurso, Maduro — reeleito em um pleito polêmico com a maior taxa de abstenção (54%) desde a chegada do chavismo ao poder em 1998 — chamou Robinson de “ativo conspirador, abusando e violando a lei internacional”.

— Apresentaremos provas da conspiração no campo militar pelo encarregado de negócios dos EUA e sua embaixada, da conspiração em campo econômico e da conspiração em campo político — disse Maduro sobre Robinson.

URUGUAI PEDE DIÁLOGO

Em nota, o governo ainda acusou a Casa Branca de intensificar um “criminoso bloqueio financeiro e econômico”, que qualifica como um “crime contra a Humanidade”, porque impede o “acesso a bens essenciais”. “Alertamos a comunidade internacional sobre a ameaça à paz mundial que representa o regime supremacista, racista e intervencionista que governa em Washington, inspirado nos postulados nefastos da Ku Klux Klan.”

O país vem sofrendo crescente pressão após uma votação considerada repleta de irregularidades pela oposição e por vários países. Na segundafeira, cumprindo a ameaça de retaliação se Maduro fosse reeleito, os EUA determinaram novas medidas para restringir ainda mais as relações financeiras e comerciais com o país — embora não tenham imposto embargo ao petróleo. E acenaram com mais punições após a expulsão de ontem:

— Não recebemos notificação do governo venezuelano por meio de canais diplomáticos. Os EUA poderiam tomar as medidas recíprocas pertinentes — disse um funcionário.

A resposta mais forte até agora contra a reeleição de Maduro veio dos EUA, mas não foi a única. Um dia antes, o Grupo de Lima — que reúne 14 países do continente, inclusive o Brasil — concordou que membros do bloco reduzam o nível diplomático na Venezuela. Ontem, foi a vez de a chefe da diplomacia europeia, Federica Mogherini, afirmar que as eleições foram celebradas “sem cumprir as normas internacionais mínimas para um processo confiável”. Ela anunciou que o bloco vai estudar novas sanções contra a Venezuela.

Entre aliados, Maduro conseguiu algum apoio. A Rússia, importante parceira comercial, se opõe a “qualquer política de sanções que não contribua para um clima de cooperação internacional”.

— A introdução de sanções leva apenas a multiplicação das dificuldades que o país enfrenta — advertiu o representante para a América Latina da Chancelaria russa, Alexánder Schetinin.

O governo do Uruguai, por sua vez, fez um chamado ao diálogo “como única ferramenta viável para lograr a paz social e o exercício efetivo da democracia”, mas não se manifestou sobre o pleito.

Para Monica Herz, professora do Instituto de Relações Internacionais da PUC-Rio, é crucial que os atores regionais criem um espaço de negociação com as diferentes partes do conflito.

— A região precisa ser protagonista do processo, e os governos têm responsabilidade em relação à população da Venezuela. Em particular o Brasil, que deve exercer sua liderança — afirmou ao GLOBO. — Há a necessidade de fazer pressão sobre o governo, mas é preciso, ao mesmo tempo, abrir um espaço de negociação. Não adianta fazer uma coisa sem a outra. A politica do governo americano é equivocada e facilita a situação do governo Maduro.

Ontem, o presidente foi proclamado oficialmente vencedor pelo Conselho Nacional Eleitoral (CNE), alinhado ao chavismo. A Assembleia Nacional, único órgão controlado pela oposição, chamou Maduro de “usurpador” da Presidência.