Correio braziliense, n. 20132, 05/07/2018. Política, p. 2

 

Casa de blindagem Congresso S/A

Renato Souza

05/07/2018

 

 

INVESTIGAÇÃO » Projetos de lei e propostas de emenda à Constituição tentam alterar regras para julgamento de políticos no Supremo. Uma das medidas determina que ações contra chefes dos poderes só sejam aprovadas pela maioria da Corte

Projetos de lei e Propostas de Emenda à Constituição (PECs) que tramitam na Câmara e no Senado acenderam o sinal de alerta no Poder Judiciário. A avaliação é de que algumas medidas têm como foco blindar o Poder Legislativo e o Executivo, retirando poderes monocráticos de ministros do Supremo e dificultando decisões isoladas contra deputados e senadores em crimes relacionados ao mandado. Uma das medidas que estão causando polêmica é a PEC 549/2017, que determina que qualquer ação contra presidentes da Câmara, do Senado e do Poder Executivo só poderá ser aplicada se aprovada pela maioria dos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF).

A proposta que foi colocada em tramitação pela senadora Rose de Freitas (PMDB-ES), no final do ano passado, está na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) aguardando a designação de um relator. Se for aprovada, qualquer ministro do Supremo fica impedido de autorizar investigação, processar, julgar liminares e tomar qualquer outra medida que tenha como alvo o presidente da República e os presidentes das casas legislativas no âmbito federal.

De acordo com o texto da PEC, a medida ocorre para garantir a separação e independência entre os Três Poderes, além de manter a separação funcional. “A separação dos Poderes exige, desde a clássica formulação constitucional, harmonia no relacionamento, de forma a viabilizar o sistema, mas também a separação funcional e o equilíbrio de forças e competências, com o objetivo de ser impedida a hipertrofia de um em desfavor dos demais”, destaca um trecho do texto de apresentação da PEC.

Qualquer ação jurídica teria que ser aprovada por pelo menos seis dos 11 ministros do STF, ou seja, em sessões do plenário, lotando ainda mais a agenda da Corte e dificultando o avanço de processos. Atualmente, pelo menos 50 PECs que preveem alterações nas formas de julgamento, composição e competência do Supremo estão tramitando no Congresso. Outra proposta, que está em formato de projeto de lei aprovado nesta semana na Câmara, acaba com decisões monocráticas (individuais) de ministros nas ações diretas de inconstitucionalidade (ADIs) e das ações de descumprimento de preceito fundamental (ADPFs). O texto agora segue para o Senado Federal e, se aprovado, vira lei.

A reportagem procurou a senadora Rose de Freitas para comentar o assunto. No entanto, a assessoria dela informou que a parlamentar não poderia falar sobre a proposta, pois estava em viagem e não poderia atender ao telefone. Por conta da intervenção federal no Rio de Janeiro, a Constituição não pode sofrer emendas até o prazo final de validade do decreto, que se encerra em 31 de dezembro deste ano. Mas entre os magistrados, a avaliação é de que o Congresso está criando o cenário perfeito para que a próxima legislatura reduza a atuação dos juízes no STF e demais tribunais do país.

Juízes ouvidos sob a condição de anonimato pelo Correio também levantaram preocupação quanto ao fim das eleições. Na avaliação deles, após perder o pleito, muitos parlamentares acusados de envolvimento com corrupção e outros crimes poderiam aproveitar o tempo restante para tomar medidas contra atos do Judiciário. O maior temor é de que avance o projeto do abuso de autoridade, que prevê punições para juízes e procuradores em algumas situações durante as investigações.

Limites

Está sendo discutido, também no Legislativo, a limitação do tempo de mandato dos ministros do Supremo. De acordo com o texto da PEC, cada indicado para a Corte Suprema poderia ficar no cargo por no máximo 10 anos. A escolha passaria a ser feita por uma listra tríplice, construída por presidentes dos tribunais superiores. A proposta é do senador Lasier Martins (PSD-RS). De acordo com o parlamentar, o objetivo é reduzir influências políticas e ideológicas na atuação dos ministros.

Lasier conta que a proposta já está pronta para ser levada ao plenário e resolveria situações recentes, como a quantidade de condenados que vem sendo soltos pelos magistrados. “O Supremo hoje é uma corte completamente politizada. Estamos vendo essas solturas absurdas de presos pelo Gilmar Mendes. O Dias Toffoli liberando seu ex-chefe, quando deveria se dar por impedido. São coisas absurdas e estranhas, que ocorrem por conta desse tipo de sistema de indicação dos ministros do Supremo. Estamos impedidos de votar uma PEC. Mas nada proíbe que se faça essa discussão”, afirmou.

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A liturgia do cargo

Luiz Carlos Azedo

05/07/2018

 

 

“Não há limite. Vamos pensar: os caras são vitalícios, nunca serão responsabilizados via STF ou via Congresso e ganharão todos os meses o mesmo subsídio. Sem contar o que ganham por fora com os companheiros que beneficiam. Para quê ter vergonha na cara?”, disparou a procuradora da República Monique Cheker no Twitter, logo após criticar o líder do governo, deputado André Moura (PSC-CE), por indicar “advogados, primos e dona de salão” para a Dataprev. A frase foi interpretada como uma crítica aos ministros do STF, o que a procuradora nega em outro post: “Não há menção a ministros do STF”.

Em reação à procuradora, o integrante do Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) Luiz Fernando Bandeira de Mello encaminhou à Corregedoria Nacional do MP um pedido para que seja apurada a eventual menção da procuradora da República a ministros do STF que ganhariam “por fora com os companheiros que beneficiam”. No documento, Bandeira pede para que seja investigada a real autoria da publicação nas redes sociais e, se confirmada, a “eventual infração disciplinar”. Em outro post, Cheker não deixa por menos. diz que CNPM “é um órgão extremamente importante para o controle disciplinar de membros do MP, mas está enfrentando uma péssima fase, olhando twitters e postagens no Facebook, sem qualquer indícios de falta disciplinar, quando há muito o que fazer no combate à corrupção”.

Na verdade, o clima esquentou entre procuradores e ministros do Supremo por causa de sucessivas decisões da Segunda Turma do STF e algumas decisões monocráticas de ministros do STF libertando presos da Operação Lava-Jato e arquivando inquéritos que, depois de sucessivas prorrogações, não apresentaram provas cabais contra os indiciados. Líder da força-tarefa que investiga a Lava-Jato em Curitiba, o procurador Deltan Dallagnol, por exemplo, não digeriu a soltura do ex-ministro da Casa Civil José Dirceu: “Min. Toffoli mantém preso réu que furtou uma bermuda de 10 reais. Já Dirceu, que desviou milhões e também tem mais de uma condenação em seu histórico, foi solto pelo mesmo Ministro, que foi subordinado ao réu na Casa Civil”, disparou.

“Dirceu foi preso p/ cumprir pena qd vigiam cautelares (como tornozeleira). Em seguida, 2ª Turma suspendeu pena contra decisão do STF q permite prisão em 2ª instância. Naturalmente, cautelares voltavam a valer. Agora, Toffoli cancela cautelares de seu ex-chefe”, escreveu o procurador. Desafeto de Dallagnol, o advogado Rodrigo Tacla Duran, investigado pela Lava-Jato, não perde uma oportunidade para atacar o procurador no Twitter: “Repudiar e desrespeitar decisão judicial de instância superior virou hábito dos que naturalmente não investigam ex-colegas e se fazem de rogado. Buscam desviar o foco com opiniões contraditórias corporativistas e hipócritas”, provocou.

Sacis e cangurus

Duran vive refugiado na Espanha e teve sua delação premiada recusada pelo juiz federal Sérgio Moro, da 13ª Vara Criminal de Curitiba. Em outra postagem, ele provoca a força-tarefa da Lava-Jato: “Já ouviu falar na “denúncia saci?” É aquela da Lava-Jato de Curitiba, que não para em pé porque não tem perícia, não investiga contradições de delator e escamoteia provas contra a tese de acusação ou que possam atingir protegidos”. Dallagnol havia criticado no Twitter os recursos apresentados pelas defesas dos réus da Lava-Jato ao STF: “Já ouviu falar no “habeas corpus canguru?” De liminar em liminar, um processo vai pulando instâncias e chega até o STF, sem decisão definitiva nem na 1ª instância”.

Quem se deu conta de que é preciso ir devagar com o andor foi o juiz Sérgio Moro, que levou uma invertida do ministro do STF Dias Toffoli por ter intimado José Dirceu a adotar medidas cautelares, entre as quais a colocação de tornozeleiras. Moro “recuou os alfs”, como diria o folclórico Neném Prancha, grande filósofo do futebol carioca, e reconheceu que havia interpretado de forma errada a decisão da Segunda Turma do Supremo, por mais polêmica que tenha sido a libertação do petista (provavelmente, a decisão não seria a mesma na Primeira Turma ou em plenário).

Caiu a ficha de que há uma mudança em curso no Supremo. A ministra Cármen Lúcia deixará a Presidência do Supremo em setembro. Dias Toffoli assumirá seu lugar e, de certa forma, já toma decisões levando em conta a expectativa de poder que o mundo jurídico lhe reserva. Entretanto, seria bom que o exemplo de Moro, ao respeitar a liturgia dos cargos, fosse levado em conta também pelos ministros do Supremo, que são os guardiões da ordem constitucional.