O globo, n. 30969, 22/05/2018. Economia, p. 17

 

Esforço de contenção

Geralda Doca

Cristiane Jungblut

Ramona Ordoñez

Bruno Rosa

Ronaldo D'Ercole

22/05/2018

 

 

Após protesto, governo discute com Petrobras alta de combustível. Gasolina sobe pela 12ª vez no mês

Em meio a protestos de caminhoneiros que bloquearam estradas em 20 estados contra o aumento do diesel, o presidente Michel Temer convocou ontem uma reunião de emergência no Palácio do Planalto com a equipe econômica e ministros da área política, na tentativa de encontrar uma solução para os sucessivos reajustes nos preços dos combustíveis. A medida daria alívio aos consumidores no ano eleitoral. Segundo o ministro da Casa Civil, Eliseu Padilha, Temer quer maior “previsibilidade” na fixação dos preços que são reajustados diariamente pela Petrobras de acordo com a cotação no mercado internacional. Somente este mês, a Petrobras anunciou 12 reajustes dos preços da gasolina e dez do diesel nas refinarias. O presidente da estatal, Pedro Parente, foi convidado a ir a Brasília para discutir o assunto. Ele se reunirá com o ministro da Fazenda, Eduardo Guardia e com o ministro de Minas e Energia, Moreira Franco, na manhã de hoje.

— O presidente mostrou-se preocupado com o aumento constante no preço dos combustíveis e gostaria de ver isso resolvido de forma mais palatável por parte dos cidadãos, dos caminhoneiros, dos usuários. O que vamos tentar agora é ver se encontramos um ponto em que se possa ter um pouco mais de controle. O presidente manifestou interesse em rever a situação e ver se temos condições de fazer com que o preço seja previsível — afirmou Padilha, acrescentando: — O preço é internacional, a Petrobras trabalha com preços internacionais, apenas vamos ver se conseguimos trabalhar com uma variação não tão contumaz quanto a que está acontecendo, porque ela é praticamente diária. Temos que dar uma atenção, sim, e vamos ter algo a dizer aos caminhoneiros.

GUARDIA VETA REDUÇÃO DE IMPOSTO

O tema é sensível pois a nova política de preços da Petrobras é considerada uma das conquistas da atual gestão da companhia. Ontem, a estatal reajustou a gasolina na refinaria em 0,9% para R$ 2,086. Já o diesel subiu 0,97%, para R$ 2,371 a partir de hoje. Sobre o preço nas bombas incidem ainda impostos e margem dos revendedores.

Já o ministro da Secretaria de Governo, Carlos Marun, disse que o governo tomará uma decisão com base na “responsabilidade” e que a intenção é que seja uma medida concreta, com resultado para o consumidor:

— A reunião convocada pelo presidente (ontem) é uma demonstração da preocupação que ele tem com a questão. Mas estamos tratando a questão com responsabilidade. O que temos que garantir é que qualquer medida tenha resultado prático, que chegue à bomba. Sabemos que uma política equivocada de preços quase levou a Petrobras à bancarrota.

O próprio Padilha, que foi ministro dos Transportes, está atento ao desgaste que um movimento prolongado dos caminhoneiros poderia gerar, segundo fontes. Antes da reunião no Palácio, os presidentes da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia, e do Senado, Eunício Oliveira, informaram em nota a realização de uma sessão das duas Casas para discutir o aumento no preço dos combustíveis, amanhã.

— Colocamos na pauta o debate porque é importante encontrar uma solução. Não dá para ter este impacto do preço do combustível e gás de cozinha no orçamento dos brasileiros — disse Maia.

Ele destacou que a mudança na sistemática de correção de preços pela Petrobras, que, em meados do ano passado, começou a repassar para o consumidor interno as variações do produto no mercado internacional, com maior frequência, acabou tendo um “impacto muito grande na vida das pessoas”.

O Planalto também tenta como alternativa uma redução da carga tributária sobre combustíveis, como mudanças nas alíquotas do PIS/Cofins e da Cide. O entorno do presidente Michel Temer alega que há espaço para mexer em tributos porque, apesar de a economia estar crescendo menos, a arrecadação manteve bom desempenho. Um dos motivos foi justamente a alta dos preços do petróleo, o que ajudou a reforçar a arrecadação de royalties. Somente entre janeiro e março, esse recolhimento ficou em R$ 10,6 bilhões, o que representa um crescimento de quase 32% sobre o ano passado. O ministro Eduardo Guardia, no entanto, é totalmente contra essas mudanças. Ele também defende a manutenção da atual política de preços da Petrobras.

Segundo técnicos do governo, quem tem pressionado por ajustes na estratégia da estatal é Moreira Franco. Ainda na Secretaria-Geral da Presidência, Moreira mobilizou o governo e acionou o Conselho Administrativo de Defesa da Concorrência (Cade) para saber o motivo de as reduções nos combustíveis não estarem chegando aos consumidores. O órgão apura a existência de cartéis, combinação de crimes, crime de concorrência.

PERIODICIDADE DE REAJUSTE

De acordo com fontes próximas à estatal, qualquer tipo de interferência na política de preços seria mal recebida pelo Conselho de Administração da companhia e poderia resultar, inclusive, na saída de integrantes. Procurada, a Petrobras não quis comentar o assunto. O presidente da estatal, Pedro Parente, chegou ontem de férias e participou da reunião da diretoria executiva da companhia.

O especialista Adriano Pires, sócio do Centro Brasileiro de Infraestrutura (CBIE), avalia que não é justo que o consumidor pague sozinho por todo o aumento do preço dos combustíveis causado pelo avanço da cotação do petróleo no mercado internacional. Segundo ele, o governo deve reduzir os impostos ou a Petrobras deve alterar a periodicidade dos reajustes.

— Essa é uma boa hora para se trazer a discussão da redução dos impostos nos combustíveis. Geralmente é isso que ocorre nos mercados desenvolvidos quando o preço do petróleo sobe com força. O governo pode reduzir o PIS/Cofins e iniciar uma conversa com os estados para reduzir o ICMS, já que há aumento na arrecadação dos royalties. Mas a mudança nos impostos da gasolina, por exemplo, deve ocorrer com o etanol também para não desequilibrar o mercado — disse Pires.

Mas Pires admite que cortar impostos no cenário atual seria difícil para o governo. Uma alternativa, segundo ele, seria mudar a periodicidade do reajuste de diária para semanal.

— Isso trará mais previsibilidade e não traria diferenças para a Petrobras. O que não pode é o governo querer congelar preços, como era antes. Isso seria um retrocesso.

Um analista do mercado financeiro que pediu para não ser identificado avaliou que a atual preocupação do governo é com as eleições e o impacto que o aumento dos preços dos combustíveis pode ter sobre os eleitores. Com a instabilidade no cenário internacional, o Bank of America já estimou que o preço do barril pode chegar a US$ 100 em 2019.

PNEUS QUEIMADOS EM PROTESTO

Com protestos de caminhoneiros em 20 estados, de acordo com mapa de manifestações no site da Polícia Rodoviária Federal (PRF), o presidente da Associação Brasileira dos Caminhoneiros (Abcam), José da Fonseca Lopes, disse ontem que a intenção é continuar com as manifestações até que o governo apresente uma solução para o aumento do combustível:

— Houve dia e hora para começar, mas não tem data para terminar.

Segundo Lopes, a orientação é para que os caminhoneiros cruzem os braços, mas não prejudiquem a passagem de caminhões com gêneros perecíveis e cargas vivas. No caso do combustível, a ordem é não abastecer o tanque. No governo, a orientação dada à Advocacia-Geral da União (AGU) é entrar na Justiça para evitar bloqueio das vias. O órgão informou que obteve decisões favoráveis nos estados de Minas Gerais, Paraíba, Paraná e Rondônia. A AGU está trabalhando em parceria com Polícia Rodoviária Federal. O sindicato que descumprir a decisão será multado.

No fim da tarde de ontem, um grupo usou pneus queimados para fechar mais algumas vias da Região Metropolitana de São Paulo. Houve interdições em uma pista da Rodovia Régis Bittencourt (BR-116), que liga a capital paulista à região Sul; na Fernão Dias (BR 381), que liga São Paulo a Belo Horizonte (MG).

A categoria também protestou no início da Via Dutra, na chegada a Guarulhos, na Rodovia Anchieta, que leva ao Porto de Santos, e na Avenida Jacu-Pêssego, que liga a região central da capital paulista com a Zona Leste. Fechou ainda trechos da Marginal Tietê, segundo a Companhia de Engenharia de Tráfego (CET), e da Marginal Pinheiros.