Título: Distritais alinhados com a quadrilha
Autor: Maria Campos, Ana, Sassine, Vinicius
Fonte: Correio Braziliense, 01/05/2012, Política, p. 2

A Operação Monte Carlo chegou à Câmara Legislativa. Escutas telefônicas da Polícia Federal indicam que o deputado distrital Agaciel Maia (PTC), um dos nomes cotados para assumir o comando da Casa no segundo biênio da atual legislatura, mantinha uma relação com o empresário José Olímpio Queiroga Neto, preso desde 29 de fevereiro sob a acusação de manter casas de jogos no Entorno e de ser assessor do contraventor Carlinhos Cachoeira. Num dos diálogos flagrados em junho do ano passado, Agaciel conta que fez discurso em plenário contra os interesses de Olímpio, mas votou a favor de uma emenda parlamentar que o beneficiava. Em outro trecho, Olímpio diz a Agaciel não considerar conveniente a ideia de receber da Câmara Legislativa o título de cidadão honorário de Brasília que seria proposto pelo distrital.

De autoria do distrital Chico Vigilante (PT), o projeto de lei complementar em questão permite a instalação de postos de combustível em terrenos de supermercados. Em 15 de junho do ano passado, a matéria foi aprovada em primeiro turno com o voto de 13 deputados depois de muita controvérsia. Uma emenda proposta pelo deputado Raad Massouh (PPL), no entanto, invalidou o conteúdo do texto, ao permitir que apenas novos empreendimentos fossem autorizados a se instalar nessas áreas. A modificação do projeto recebeu o voto de 10 deputados, entre os quais Agaciel Maia. Até hoje, quase um ano depois, por conta de uma discussão jurídica sobre o quórum de votações, a proposição permanece parada na Casa.

Num dos diálogos gravados pela PF, um interlocutor de Olímpio identificado como Ricardo Porto comenta com surpresa sobre possível voto de Agaciel a favor do projeto de Vigilante. A proposta do petista trombava com interesses comerciais de Olímpio. “Rapaz, ele assinou do lado contrário à gente. Cara, cê acredita? Tô te falando cara”, disse Porto. Olímpio responde: “Ah, mas cê tá brincando!”. A conversa foi gravada no mesmo dia da votação no plenário da Câmara.

Ao tomar conhecimento de que Agaciel supostamente votara contra a emenda de Raad, Olímpio ligou para o distrital do PTC e cobrou uma posição. Agaciel o tranquiliza: “Eu fiz aquele discurso, esculhambei com todo mundo e tal, mas votei a favor!”. Agaciel ainda afirma que conseguiu o apoio de outros distritais, numa articulação que o deputado Cristiano Araújo (PTB) poderia comprovar.

Honraria O diálogo entre Agaciel e Olímpio a respeito da homenagem que receberia na Câmara Legislativa foi gravado nove dias antes. O próprio empresário agradece e descarta a honraria. O projeto nunca chegou a ser protocolado na Câmara Legislativa. Ao Correio, Agaciel Maia disse ontem que não se lembra da conversa sobre a homenagem, tampouco de ter algum dia pensado em oferecer ao empresário, hoje preso na Papuda, o título de cidadão honorário. Ele nega relação próxima com o suposto assessor de Cachoeira. “Tenho o mesmo telefone há mais de 20 anos e recebo ligações de muita gente. Naquele dia, conversei com mais de 20 pessoas sobre o projeto e com Olímpio, que é dono de um posto de gasolina. Não se pode pinçar um diálogo como esse e achar que tenho uma relação com esse grupo do Cachoeira”, afirma Agaciel.

O distrital sustenta que não mantém boa relação com o senador Demóstenes Torres (sem partido-GO), o suposto braço parlamentar do esquema de Cachoeira. “Ele foi meu algoz no Senado. Foi o primeiro a pedir a abertura de processo contra mim no Senado, num oportunismo que era característico dele”, disse referindo-se ao período em que era diretor-geral do Senado (leia Personagem da notícia).

O deputado Raad Massouh, autor da emenda que beneficiaria o grupo, nega qualquer contato pessoal ou por telefone com Olímpio ou Cachoeira. “Apresentei uma proposta que considero justa porque os grandes supermercados seriam beneficiados com a autorização de instalação de postos de combustível sem que apresentassem uma contrapartida”, explica Raad. Cristiano Araújo divulgou nota em que apresenta o motivo que o levou a votar a favor da emenda: “Corrige imperfeições do projeto original, preservando os consumidores do DF de eventuais monopólios no setor de combustíveis”.

Pivô dos atos secretos

O mandato de deputado distrital é uma tentativa de Agaciel Maia de, aos poucos, pavimentar o caminho de volta ao Congresso, de onde saiu em meio à repercussão de escândalos envolvendo atos secretos para nomeação de servidores, suspeitas de irregularidades com a terceirização de contratos e um suposto enriquecimento incompatível com a renda de servidor público. Durante 14 anos, o ex-datilógrafo foi o todo-poderoso diretor-geral do Senado, conduzido e mantido por senadores aliados como Renan Calheiros (PMDB-AL) e José Sarney (PMDB-AP), até 2009. Deixou o cargo sob pressão e fez planos: retornar ao cenário nacional como deputado federal. O caminho começou a ser trilhado em 2010 quando elegeu-se distrital com 14.073 votos pelo nanico PTC. Experiente no meio político, Agaciel conseguiu rapidamente projeção. É o presidente da Comissão de Orçamento e cotadíssimo para a presidência da Câmara Legislativa nos dois últimos anos da legislatura.

Interceptações

As investigações realizadas pela Polícia Federal apontam que o bicheiro Carlinhos Cachoeira tinha interesse em aprovar uma emenda ao projeto de lei que autoriza a instalação de postos de combustíveis em supermercados e shoppings. Nos conversas gravadas, José Olímpio Queiroga — apontado pela PF como um dos chefes do grupo de Cachoeira — é cobrado por um homem identificado como Ricardo Porto, que pergunta por que o deputado Agaciel Maia (PTC) não votaria a favor da emenda como teria sido combinado previamente.

Ricardo "Rapaz, ele assinou do lado contrário à gente. Cara, você acredita? Tô te falando cara" José Olímpio "Ah, mas cê tá brincando!" Ricardo "Tô te falando! Contra a gente! O Agaciel vai se queimar à toa, cara" Logo após a conversa, José Olímpio telefona para o distrital.

José Olímpio "Alô, deputado, como é que tá você?" Agaciel Maia "Tô bem, graças a Deus. E você?" José Olímpio "O meu amigo Marcola, Ricardo Porto ligaram agora! Rapaz, cadê aquele seu amigo lá? Você não tá contra o Raad" Agaciel Maia "E não votei favorável, rapaz? (...) Eu ainda tirei um voto que era deles: o Cristiano Araújo (PTB). (...) Agora, eu fiz aquele discurso, esculhambei com todo mundo e tal, mas votei a favor!"