O globo, n. 30986, 08/06/2018. Colunas, p. 22

 

Dólar no divã

Míriam Leitão

08/06/2018

 

 

A moeda americana bateu em R$ 3,96 e a bolsa chegou a cair quase 7% em mais um dia de desconfiança com o economia brasileira. O Banco Central se viu obrigado a fazer uma forte intervenção no mercado e as quedas foram amenizadas. Os investidores entraram em modo pânico sem que houvesse um motivo novo, e o que tem pesado nos últimos dias é o conjunto da obra: o rombo das contas públicas é crônico, o governo Temer está cada vez mais fraco, e os dois candidatos que lideram as pesquisas não passam confiança de que aprovarão as reformas.

Em setembro de 2015, o dólar chegou a R$ 4,19, após o Brasil perder o grau de investimento, no início do segundo governo Dilma. Naquele momento, já estava claro que o país caminhava para um abismo fiscal, mas havia a expectativa de que a mudança de governo pudesse reverter o quadro. Desde a divulgação da conversa entre o presidente Temer e o empresário Joesley Batista, no entanto, a pauta governista passou a ser se salvar. A reforma da Previdência ficou pelo caminho, a privatização da Eletrobras não andou no Congresso, e as concessões feitas aos caminhoneiros mostraram que o governo está sujeito a pressões por mais aumentos de gastos.

Nos últimos dois meses, o dólar saiu de R$ 3,36 para R$ 3,90, pela cotação Ptax, do Banco Central. Um aumento de 16%. É a velocidade dessa alta que desorganiza a economia porque atrapalha os planos de investimentos, trava contratos de importação e de exportação, e faz com que os consumidores fiquem desconfiados de que há algo de muito errado com o país. Entre os investidores, isso gera movimentos de manada, com todos correndo na mesma direção ao mesmo tempo, o que pressiona ainda mais o preço dos ativos.

Em termos reais, ou seja, descontada a inflação do período, o dólar já passou de R$ 7,00 em 2002, antes da eleição do ex-presidente Lula (veja o gráfico). Em outros momento de crise aguda, como 1998, no governo Fernando Henrique, também foi maior. O país, hoje, nunca teve uma posição tão sólida para se proteger de uma crise cambial, com reservas elevadas, baixo déficit em conta-corrente e inflação baixa. Mas a situação das contas públicas é precária, e os investidores se perguntam: quanto vale a moeda deste país desgovernado?

Ilan x Tombini

O presidente do Banco Central, Ilan Goldfajn, elevou o tom ontem e disse que poderá quebrar o recorde de venda de dólares no mercado futuro, com o uso do chamado swap cambial. O que deixa Ilan confortável para fazer esse tipo de anúncio é que a inflação está abaixo do piso da meta. Ou seja, ele não está vendendo dólares porque está preocupado com a inflação, mas sim dando liquidez ao mercado de câmbio. Na gestão Tombini, foi o contrário, o BC tentou segurar o dólar com o uso de swaps porque o IPCA estava acima do teto da meta.

Real perde mais

No balanço da semana, o real está entre as moedas que mais se desvalorizaram no mundo. A perda foi de 4,62%, contra 2,75% do peso mexicano, 2,13% do rand sul-africano e 0,03% do rublo russo, segundo balanço da corretora Mirae Asset. Algumas moedas de emergentes ficaram mais fortes, como o dólar australiano e a lira turca. Ontem, as bolsas americanas fecharam no azul, enquanto o Ibovespa fechou no vermelho em 2,97%. É mais um sinal de que a volatilidade é provocada pela crise interna.