Correio braziliense, n. 20188, 29/08/2018. Política, p. 2

 

Suspense no STF

Renato Souza e Marília Sena

29/08/2018

 

 

ELEIÇÕES 2018 » O ministro Alexandre de Moraes pede vistas e ação contra Jair Bolsonaro no Supremo fica para semana que vem. No voto, Luís Carlos Barroso afirmou que deputado “ pregou discurso de ódio”. Processo contra Haddad atrapalha candidatura petista

Com o avanço da campanha eleitoral, o Judiciário ganha cada vez mais protagonismo nas decisões que podem definir os rumos do país nos próximos quatro anos. Na tarde de ontem, foi encerrada com empate entre os ministros da Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) a sessão na qual se discutia se deve ser aceita ou não a denúncia contra o deputado Jair Bolsonaro, candidato do PSL à Presidência. O parlamentar é acusado de racismo por conta de declarações que fez sobre quilombolas em uma palestra realizada no Clube Hebraica, no Rio de Janeiro.

A análise das acusações feitas pela Procuradoria-Geral da República (PGR) foi interrompida por um pedido de vistas por parte do ministro Alexandre de Moraes. Com o placar empatado por 2 a 2, ele afirmou que seu “voto será longo” e, por isso, solicitou o adiamento para semana que vem.

Informações obtidas pelo Correio indicam que Moraes está praticamente com a decisão tomada e pretende rejeitar a denúncia. Os ministros Luís Roberto Barroso e Rosa Weber votaram pela aceitação, enquanto Marco Aurélio Mello e Luiz Fux foram contra a criminalização dos atos do deputado. Barroso afirmou que, além das declarações contra quilombolas, Bolsonaro pregou discurso de ódio contra homossexuais, em declarações feitas em 2002, dizendo que, se visse dois homens se beijando na rua, bateria neles.

“Não se pode descontextualizar isso da realidade do Brasil, que, segundo relatório, teve 343 integrantes da comunidade LGBT assassinados em 2016”, afirmou Barroso. Por outro lado, o ministro Marco Aurélio, relator do caso, destacou que ele “agiu, mesmo fora da Câmara, no exercício parlamentar” e está protegido pela imunidade constitucional.

Antônio Pitombo, advogado de Bolsonaro, alegou que ele foi mal-interpretado. “Não houve inquérito policial e se ignorou a manifestação dada pelo parlamentar sobre o que ele dizia. Ele estava no Rio de Janeiro para falar de políticas públicas. Portanto, estava exercendo a atividade parlamentar”, disse. Horas antes da sessão, Bolsonaro se defendeu. “Quero mandar um recado para o STF: respeite o artigo 53 da Constituição, que diz que eu, como deputado, sou inviolável por qualquer opinião. E ponto final, p...”.

Bolsonaro já é réu em duas ações que correm no Supremo, acusado de incitação ao estupro. Se for condenado, o que não deve ocorrer antes da eleição, ele será enquadrado na Lei da Ficha Limpa, e ficará inelegível. Outra possibilidade é a de que o STF ampliar para os candidatos a proibição, para que réus em ações penais na Corte fiquem na linha sucessória da Presidência.

Haddad implicado

O vice na chapa de Luís Inácio Lula da Silva, Fernando Haddad, que já é réu em ação penal em São Paulo começa a enfrentar problemas jurídicos também por causa de ação de improbidade administrativa movida pelo Ministério Público de São Paulo (MPSP). A acusação é baseada nos depoimentos do ex-presidente da UTC Engenharia, Ricardo Pessoa, e do ex-diretor financeiro da empresa, Walmir Pinheiro. Eles teriam pago dívida de campanha de Haddad no valor de R$ 2,6 milhões, por meio do doleiro Alberto Youssef, a pedido do ex-tesoureiro do PT João Vaccari Neto.

Em nota à imprensa, o PT disse que vai apresentar uma representação ao Conselho Nacional do Ministério Público para “responsabilizar a ação partidária e política de membro do MPSP”, e acusou os setores do órgão de serem “comprometidos com o PSDB, partido que sustenta o governo golpista de Temer”. A ação não torna o candidato inelegível, mas, de acordo com o professor de ciência política da Universidade de Brasília Aninho Irachande, a situação gera um “desgaste moral” para o PT. “Era um trunfo para o partido quando o Haddad não tinha acusações na Justiça”, explicou.

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Bolsonaro sob judice

Luiz Carlos Azedo

29/08/2018

 

 

A interrupção do julgamento de Jair Bolsonaro (PSL), em pleno processo eleitoral, por crime de racismo, pela Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) é mais um fator de instabilidade do quadro político, que tumultua o processo eleitoral, já bastante perturbado pela impugnação da candidatura do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. A aceitação ou não da denúncia era para ter sido decidida, mas o ministro Alexandre de Moraes pediu vista do processo. A votação está 2 a 2 e Bolsonaro — que está em segundo lugar nas pesquisas de intenção de voto, atrás de Lula — corre risco de se tornar inelegível e ficar fora da disputa presidencial. O capitão da reserva do Exército é acusado do crime de racismo em palestra no Clube Hebraica do Rio, em abril de 2017. Segundo a Procuradoria, o deputado teria usado expressões de cunho discriminatório, incitando o ódio e atingindo vários grupos sociais.

Na ocasião, Bolsonaro disse que se eleito presidente não destinará recursos para ONGs e para reservas indígenas ou quilombolas. “Onde tem uma terra indígena, tem uma riqueza embaixo dela. Temos que mudar isso daí. (…) Eu fui num quilombo, o afrodescendente mais leve lá pesava sete arrobas. Não fazem nada! Eu acho que nem para procriador ele serve mais. Mais de R$ 1 bilhão por ano é gastado com eles”, disse. Também fez declarações muito machistas: “Eu tenho cinco filhos. Foram quatro homens, a quinta eu dei uma fraquejada e veio uma mulher”. Para o Ministério Público Federal (MPF), suas declarações incitaram ao “ódio” e configuram conduta “ilícita, inaceitável e severamente reprovável.”

O ministro Marco Aurélio Mello, relator do processo, minimizou as declarações e encaminhou a votação contra o recebimento da denúncia. Em seu voto, afirmou que as declarações não se configuram falas discriminatórias, estão dentro dos limites da liberdade de expressão e também protegidas pela imunidade parlamentar. Foi acompanhado pelo ministro Luiz Fux. Quem abriu a divergência na corte foi o ministro Luís Barroso, a favor da aceitação da denúncia. “Aqui me parece inequivocamente claro um tipo de discurso de ódio que o direito constitucional não admite”, disse.

Segundo Barroso, o uso de expressões como “arroba” para se referir aos negros quilombolas pode configurar o crime de racismo. Foi apoiado pela ministra Rosa Weber, que empatou o julgamento.

A suspensão do julgamento surpreendeu. As expectativas eram de que a denúncia não seria aceita, apesar de a Primeira Turma ser apelidada de “Câmara de gás” nos bastidores do Supremo. O ministro Alexandre de Moraes alegou que tinha voto longo e pediu vista do processo.

Caso a nova denúncia seja aceita, Bolsonaro será réu em três processos. Já há um pedido de impugnação da candidatura de Jair Bolsonaro no Tribunal Superior Eleitoral (TSE), porque o candidato do PSL é réu em duas ações penais por suposta incitação ao estupro. Os advogados de Bolsonaro alegam que a Lei da Ficha Limpa prevê os casos de inelegibilidade por condenação em estâncias superiores, em nenhum dos quais o candidato estaria enquadrado.

Divergências

Há uma polêmica aberta no Supremo com relação ao fato de réus poderem exercer a Presidência da República. Em 2016, a maioria do STF considerou que réus em ação penal não podem substituir o presidente da República — ou seja, têm direito de figurar na linha sucessória, mas não podem assumir a chefia do Executivo. A decisão teve por objetivo impedir que o ex-presidente da Câmara Eduardo Cunha assumisse a Presidência interinamente. O plenário, porém, não respondeu se um presidente da República pode tomar posse na condição de réu.

Há controvérsias quanto à aplicação dessa decisão ao ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, uma vez que a Constituição determina que um presidente eleito não pode ser julgado por atos cometidos antes do exercício do mandato. O mesmo não se aplicaria, porém, a parlamentares que respondem a processo no Supremo, caso de Bolsonaro.

A questão está no rol das decisões intempestivas e até casuísticas do Supremo. Ao pedir vista do processo e interromper o julgamento, o ministro Alexandre de Moraes anunciou que faria um voto longo. Pode ser um voto esclarecedor e definitivo ou mais um voto ambíguo e casuístico, que aumente as dúvidas em relação ao processo. Há duas questões em jogo: a primeira é impor um limite à misoginia, ao racismo e à incitação ao ódio; a segunda, as condições em que um réu pode ser impedido de disputar a Presidência da República. 

Ambas são relevantes para as regras do jogo democrático e podem conter o acirramento ânimos e a radicalização política no pleito deste ano.