O globo, n. 30982, 04/06/2018. Economia, p. 17

 

Saída pelo mercado

Danielle Nogueira

Rennan Setti

04/06/2018

 

 

Com queda dos juros e sem subsídios do BNDES, emissão de títulos por empresas bate recorde

Com queda dos juros, Bolsa instável e menos subsídios no BNDES, empresas emitem títulos para se financiar. Com a queda dos juros básicos da economia, o fim dos subsídios nos financiamentos do BNDES e as restrições na oferta de crédito dos bancos privados, as empresas buscam cada vez o mercado de capitais para levantar recursos para suas operações e fazer investimentos. As emissões de títulos de dívida com pagamento de juros ao investidor, como as debêntures, alcançaram R$ 90,8 bilhões em 2017, um recorde. Especialistas alertam, no entanto, que incertezas no cenário político podem desacelerar o crescimento desse mercado.

Dados do Centro de Estudos de Mercado e Capitais (Cemec-Fipe) mostram que, no primeiro trimestre deste ano, títulos de dívida corporativa como as debêntures responderam por 18,7% das fontes de financiamento das empresas, o maior patamar desde 2007, superando a parcela do BNDES (15%). O crédito do banco de fomento teve seu pico em 2010 (23,1%), quando o mercado de capitais ficou com 15,1%. Naquela época, o BNDES inundava o mercado com crédito subsidiado, às custas de repasses do Tesouro, numa tentativa de conter os efeitos da crise global de 2008.

Em janeiro de 2018, o BNDES iniciou uma transição. Antes o banco usava, na maioria de suas operações, a TJLP, uma taxa com subsídios. Agora a taxa de referência do BNDES se aproxima aos poucos da Selic, com a qual o Banco Central estabelece os juros básicos. Neste contexto, a captação em moeda estrangeira — seja via empréstimos entre matriz sediada no exterior e filiais brasileiras ou via emissão de títulos no mercado internacional — também ganha atratividade. Representou 33,6% das fontes de financiamento das empresas no primeiro trimestre.

— O principal componente que favorece o desenvolvimento do mercado de capitais é a queda da taxa de juros (Selic). Historicamente, era uma trava para atrair investidores (para títulos corporativos), pois as empresas tinham que oferecer um retorno maior que o do título público (remunerado pela taxa Selic). O fim dos subsídios do BNDES também fizeram as empresas recorrerem a outras fontes — diz Carlos Antonio Rocca, diretor do Cemec-Fipe.

UM TERÇO DAS CAPTAÇÕES VIRA INVESTIMENTO

As debêntures acabam sendo uma solução nesse cenário porque a remuneração segue o CDI, referência dos empréstimos interbancários que acompanha a Selic. Isso significa que as debêntures refletem de forma quase imediata a queda dos juros, tornando-se uma opção mais barata de financiamento. Em 2017, foram emitidas mais de R$ 90 bilhões em debêntures, um recorde no país, acima dos R$ 71 bilhões desembolsados pelo BNDES. Nos quatro primeiros meses deste ano, foram R$ 31,9 bilhões, o dobro do mesmo período do ano passado.

Quase um terço desse dinheiro foi usado pelas empresas para fazer investimentos, segundo a Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais (Anbima). Os outros dois terços se dividiram igualmente entre capital de giro e refinanciamento da dívida. Em 2017, quase 80% dos recursos de debêntures foram usados pelas empresas nesses dois objetivos. Os investimentos só tinham ficado com 9% do total.

— No ano passado, as empresas buscaram uma solução para se manter com a cabeça fora d’água. Parecem estar em melhor situação este ano — diz Renato Vilela, do núcleo de estudos em mercados e investimentos da Faculdade de Direito da FGV.

Uma das empresas que recorreram às debêntures para investir foi a Celse, que atua no Nordeste. Em abril, ela anunciou que levantaria R$ 3,4 bilhões numa emissão de debêntures para bancar parte da construção de um complexo termelétrico em Sergipe, que vai custar R$ 5 bilhões. O restante virá de agências internacionais.

Ricardo Carvalho, da agência de classificação de risco Fitch, lembra que, com os juros menores no Brasil e a elevação das taxas cobradas no exterior, as empresas vêm reduzindo as emissões lá fora e tem preferido captar no mercado brasileiro. Paralelamente, a turbulência na Bolsa por aqui diminui o fôlego para abertura de capital (IPO, na sigla em inglês) com emissão de ações. Por causa do calendário eleitoral, várias companhias anteciparem suas emissões de títulos, o que impulsionou o segmento no começo deste ano.

A melhora do perfil de crédito das empresas também favoreceu as emissões de debêntures. Com menor risco, mais investidores se dispõem a aplicar nesses títulos. Em 2016, auge da recessão brasileira, a Fitch rebaixou 71 ratings (notas de crédito) nacionais de empresas brasileiras e elevou apenas 11. Este ano, já houve 17 elevações contra apenas seis downgrades. Carvalho espera que rebaixamentos e altas se equilibrem ao longo do ano.

Mesmo assim, ele pondera, as emissões de debêntures locais tendem a ser mais usadas para reestruturar dívidas. É o caso do Carrefour, que, após um bem-sucedido IPO em 2017, anunciou em abril a captação de R$ 1,5 bilhão em debêntures. A rede informou que os recursos foram usados no pagamento antecipado de dívidas, ampliando o prazo médio de pagamento de um para três anos.

— Não acreditamos em grandes saltos de investimento (com recursos levantados com debêntures), porque a demanda ainda não cresceu como se previa, e o nível de capacidade utilizada da economia ainda é baixa. As companhias precisam, primeiro, reduzir suas dívidas — avalia Carvalho, para quem o desemprego alto e a incógnita das eleições preocupam.

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Com isenção de IR, debênture de infraestrutura já representa 80% dos papéis oferecidos

04/06/2018

 

 

Título é boa oportunidade de investimento, mas há dificuldade de repassá-lo no mercado

Do ponto de vista do investidor, um entrave para aplicar em debêntures é a falta de liquidez, ou seja, é difícil de passá-la adiante. Em março, foram negociados R$ 5,6 bilhões no mercado secundário — onde os papéis trocam de mãos —, cerca de metade do que movimenta a Bolsa num dia. E esse volume é concentrado nas chamadas debêntures incentivadas, emitidas por empresas de infraestrutura, isentas de Imposto de Renda. Elas representam mais de 80% da movimentação, segundo a Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais (Anbima).

Segundo Sandro Baroni, da Anbima, as pessoas físicas se interessam por esse tipo de debênture justamente devido ao benefício fiscal, em um momento em que outras opções com isenção de IR, como as letras de crédito imobiliário e do agronegócio (LCI e LCA), estão mais escassas.

Para conferir mais liquidez a esses papéis, há algumas iniciativas. Entre elas, um grupo de trabalho criado pela Câmara dos Deputados para propor ao Executivo a criação de uma plataforma digital semelhante à do Tesouro Direto, pela qual pessoas físicas compram títulos públicos. A diferença é que a União não seria garantidora dos títulos e, sim, as empresas emissoras. Enquanto o projeto não anda, Bruno Carvalho, da Guide Investimentos, recomenda alguns cuidados:

— É um mercado de balcão, não é como na Bolsa. As negociações de preço são feitas entre as partes. Por isso, é importante procurar uma corretora com experiência. Além disso, é essencial olhar o rating da emissão, já que há risco associado à empresa que emitiu o papel. Outra recomendação é acompanhar os relatórios financeiros da empresa e o setor em que ela atua.

O valor de aplicação nas debêntures varia: algumas exigem mínimo de R$ 1 mil. E certas corretoras cobram taxa de intermediação e custódia. A tributação é regressiva, com alíquotas de IR que vão de 15% a 22,5%, dependendo do tempo da aplicação. Como são emitidos por empresas, esses títulos não são cobertos pelo Fundo Garantidor de Crédito. Ou seja, quem aplica fica exposto ao calote da companhia, embora o papel possa contar com outras garantias.

BNDES: R$ 54 BI EM PROJETOS

O BNDES vem buscando estimular o mercado de capitais. Na semana passada, anunciou que investirá R$ 5 bilhões em fundos com foco em debêntures ou recebíveis de projetos de infraestrutura. Segundo a diretora de Investimento do banco, Eliane Lustosa, o BNDES tem R$ 1,5 bilhão em debêntures na carteira:

— Reconhecemos que ainda é pouco (o peso na carteira), mas queremos ampliar o uso desse tipo de instrumento.

O diretor de Governos e Infraestrutura do BNDES, Marcos Ferrari, lembra que há R$ 54 bilhões em projetos de infraestrutura já em análise ou com potencial de chegarem à instituição este ano, considerando, principalmente, os leilões de energia. Sem contar projetos que poderão ser financiados pelos novos fundos:

— Há espaço para os dois tipos de financiamento, o convencional e o via mercado de capitais.