Correio braziliense, n. 20179, 20/08/2018. Economia, p. 8

 

Próximo presidente não conseguirá investir

Rosana Hessel

20/08/2018

 

 

CONJUNTURA » Proposta orçamentária que será enviada ao Congresso virá com investimento abaixo de 0,5% do PIB, se o governo não adiar reajuste do funcionalismo, avisam analistas

O investimento público vem sendo a maior vítima do desequilíbrio fiscal e o próximo presidente assumirá sem capacidade para investir, porque não houve ajustes por meio de reformas. Apesar de a emenda do teto (EC95/2016) estar em vigor, os gastos com a folha e com benefícios previdenciários  crescem acima da inflação e comem a fatia passível de cortes. Especialistas avisam que a proposta orçamentária de 2019, que será encaminhada pelo Executivo no fim deste mês ao Congresso Nacional, virá com previsão de investimento abaixo de 0,5% do Produto Interno Bruto (PIB), se não houver adiamento de reajustes.

Pelo projeto da Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) de 2019, sancionada pelo presidente Michel Temer no último dia 15, essa margem de gasto discricionário (não obrigatório) encolheu R$ 30,5 bilhões e soma R$ 98,4 bilhões, ou 6,9% de todas as despesas previstas. Mas, conforme dados da nota técnica do Congresso após alguns descontos, restam apenas R$ 30,3 bilhões para as “demais despesas discricionárias”, que incluem os investimentos, ou seja, 0,43% do PIB. Esse percentual, contudo, deve encolher mais porque não considera o adicional de R$ 6 bilhões já previstos pela equipe econômica no aumento das despesas com pessoal, que passará de R$ 20 bilhões para R$ 26 bilhões, totalizando R$ 328 bilhões. Isso deverá constar no Projeto de Lei Orçamentária Anual (Ploa) de 2019, que será enviado ao Congresso até dia 31 e não inclui novos reajustes, como o de 16% do Judiciário e cujo efeito em cascata pode superar R$ 4 bilhões na folha se o Congresso autorizar a medida. Portanto, alguns analistas não descartam investimento do novo governo bem perto de zero.

“A variável de ajuste do orçamento é o investimento. O governo não tem como cortar gasto sem reforma estrutural daqui para frente, porque não há mais gordura”, alerta Fernando Montero, economista-chefe da Tullett Prebon Brasil. Com base nos dados do Tesouro Nacional, ele estima que, para o governo conseguir investir R$ 33,6 bilhões em 2019, será preciso congelar o salário dos servidores. Se for considerada a projeção da Instituição Fiscal Independente (IFI) para atual para este ano para o PIB nominal, de R$ 6,971 trilhões, esse dado equivale a 0,48% do PIB. “Se o governo renovar o subsídio para o diesel, que acaba em dezembro, será mais difícil fechar uma conta que já estará deficitária em R$ 139 bilhões no próximo ano”, completa.

Na avaliação do economista Fabio Klein, da Tendências Consultoria, os investimentos públicos em 2019 podem ser o menor da história, com exceção de 2003. Naquele ano, pelos dados do Ministério do Planejamento, foram investidos R$ 14 bilhões. “As despesas obrigatórias consomem a maior parte do orçamento e os reajustes salariais, como o do Judiciário devem agravar o quadro, porque o governo precisará aumentar ainda mais seu endividamento por não  poder mexer no gasto obrigatório”, avisa.

Para o economista Bráulio Borges, da LCA Consultores,  o quadro é mais preocupante se for considerada a metodologia das contas nacionais da IFI, o investimento da União já está em patamares muito mais baixos. Em 2017, o governo federal investiu apenas R$ 24,8 bilhões, o equivalente a 0,38% do PIB. “É bem provável que ocorra um forte encolhimento desse valor neste ano, porque não há mais margem para cortes de despesas. Por isso, o investimento público será praticamente zero, se considerarmos essa metodologia”, explica. Ele lembra que a retomada do crescimento da economia acaba sendo afetada com esses cortes dos investimentos. Essa redução de R$ 30,5 bilhões nas despesas discricionárias da LDO, por exemplo, equivale a 0,4% do PIB. “O investimento é um multiplicador para o PIB em torno de 1,5% na América Latina. E se o governo corta mais investimento, haverá impacto na economia. Esse corte de 0,4% do PIB, que poderia ser investimento, pode implicar uma redução de 0,6% no PIB do ano que vem”, alerta.

O economista Gabriel Leal de Barros, diretor da IFI, reforça que a tendência da queda de investimento é consequência do aumento das despesas obrigatórias e não do teto de gasto. “O recuo nos investimentos não é decorrência mandatória do teto. Mesmo no regime anterior, onde a âncora fiscal era dada por meio da meta de resultado primário, o robusto avanço do gasto obrigatório já impunha restrição para ampliação do investimento”, resume ele, lembrando que os reajustes salariais tendem a encurtar ainda mais a margem das despesas discricionárias e piorar o desequilíbrio fiscal. Pelas contas da IFI, a reversão do deficit primário que vem ocorrendo desde 2014 nas contas públicas só ocorrerá a partir de 2022, “no melhor dos cenários”.

Nota técnica

Conforme a nota técnica do Congresso, praticamente a metade do gasto discricionário de R$ 98,4 bilhões previsto para 2019: R$ 43,8 bilhões, já está comprometida com o custeio administrativo do Executivo, como luz, água, aluguel. Outros R$ 9,1 bilhões devem ser destinados às emendas individuais e R$ 15,2 bilhões, ao cumprimento do gasto mínimo constitucional com saúde. Nessa conta, contudo, já foram descontados gastos discricionários considerados obrigatórios (com controle de fluxo), como o programa Bolsa Família, mas o grosso das despesas do governo, quase 70%, são salários e benefícios previdenciários, como mostra o quadro ao lado.

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Reflexo na atividade

20/08/2018

 

 

O investimento é o principal motor do crescimento econômico mais robusto e duradouro, avisam  especialistas. Como o governo não tem fôlego para investir, porque as contas públicas estão desequilibradas, a desconfiança do investidor privado aumenta e ele também não investe. E isso reflete na taxa de investimento do país em relação ao Produto Interno Bruto (PIB), que está abaixo de 16% e é menor do que a das economias emergentes, conforme o Fundo Monetário Internacional (FMI).

“O ideal para um processo de crescimento sustentável é uma taxa de investimento acima de 20% do PIB. Na China, é superior a 40% e na Índia, acima de 30%. Por isso, essas economias apresentam resultados impressionantes”, explica Otto Nogami, professor de Economia do Insper. Para ele, o governo perdeu a capacidade de investir e a recuperação do crescimento precisará vir da iniciativa privada. “O novo governo precisará recuperar a confiança do investidor, fazendo reformas e equilibrando as contas públicas”, resume.

De acordo com Claudio Frischtak, presidente da InterB, a necessidade de investimento no país é grande, principalmente, em infraestrutura, onde ele não é suficiente para evitar a depreciação dos ativos. “O mínimo necessário para evitar a depreciação da estrutura atual que é 2,3% do PIB e um levantamento da consultoria revela que a taxa atual é de 1,70% do PIB. Para sustentar um crescimento potencial do PIB de 4% ao ano é preciso uma taxa de investimento em torno de 22% e 23% do PIB, o que permitiria perfazer o investimento em infraestrutura em torno de 4%”, destaca. O especialista também admite que como o governo não tem capacidade para investir, o maior desafio será conseguir estimular o investimento privado. “E, para isso, será necessário melhorar o ambiente de negócios e, principalmente, a segurança jurídica”, explica.

Fabio Klein, economista da Tendências Consultoria, destaca que existe uma correlação positiva entre PIB e investimento. “Historicamente, para cada ponto percentual na taxa de investimento, o PIB cresce 0,18 ponto percentual. No entanto, essa correlação caiu para 0,12 ponto entre 1990 e 2017”, compara.

Especialistas reconhecem que, em 2018, os investimentos do governo estão crescendo levemente em relação ao ano passado, porque é um ano eleitoral. O economista Cláudio Hamilton dos Santos, técnico do Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas (Ipea), reforça que, no ano que vem, a tendência é de queda. Contudo, ele admite que o nível de investimento no país ainda é muito baixo e, por isso, há um consenso de que o principal fator que vem segurando a retomada da economia atualmente é a incerteza. “O fato é que as reformas esperadas pelo governo atual não foram feitas e a greve dos caminhoneiros e uma série de eventos associados também contribuíram para piorar o quadro”, lamenta. (RH)