O globo, n. 30981, 03/06/2018. País, p. 6

 

Longe da transparência e perto do voto: os dois meses de um vale-tudo

Dimitrius Dantas

Eduardo Bresciani

Miguel Caballero

03/06/2018

 

 

Sem precisar prestar contas à Justiça Eleitoral, presidenciáveis ocultam gastos de suas pré-campanhas

Combinadas, as mudanças no calendário eleitoral e nas regras de financiamento de campanhas transformaram a disputa presidencial em 2018. O encurtamento (de 90 para 45 dias) do período quando a propaganda na ruas e na TV é permitida fez alargar no tempo e aumentar a importância da chamada pré-campanha — uma época de “vale-tudo eleitoral”, em que os pré-candidatos não precisam prestar contas à Justiça Eleitoral.

Desde 7 de abril, os presidenciáveis vêm protagonizando uma disputa de instabilidade política e de falta de transparência nos gastos. Nenhum dos quatro mais bem colocados nas pesquisas nos cenários sem o ex-presidente Lula — Jair Bolsonaro (PSL), Marina Silva (Rede), Ciro Gomes (PDT) e Geraldo Alckmin (PSDB) — soube ou quis informar quanto já gastou ou quanto estima gastar até 16 de agosto, quando passa a ser obrigatória a prestação de contas à Justiça. Por ora, garantem usar recursos dos partidos, sem dizer quanto já receberam em doações ou convites privados para suas atividades de pré-candidatos.

— A fiscalização do financiamento da pré-campanha vai precisar ser discutida pelo TSE. É a primeira eleição presidencial após o fim das doações empresariais. Os fundos públicos não financiam as campanhas em todo o Brasil. Essa será ainda mais a eleição do caixa 2 — diz o professor da Faculdade do Recife Walber de Moura Agra.

Até o início deste ano, Jair Bolsonaro usou sua cota de passagens aéreas como deputado para viajar a eventos de apoio à sua pré-candidatura. Agora, abandonou a prática, e diz que o PSL tem custeado as viagens, sempre em voos de carreira. As mobilizações nos estados são capitaneadas por deputados de confiança e militantes locais. Uma estratégia recorrente é convocar apoiadores para receber o pré-candidato no aeroporto. Quando esteve no Rio Grande do Norte, o MP eleitoral local conseguiu no TRE a suspensão de uma carreata.

— Não faço carreata, não é permitido. Agora, eu desço num aeroporto, tem uma multidão, entro no carro e vou embora, vêm outros carros atrás, como vou impedir? Não desfilo em carro aberto — argumentou Bolsonaro ao GLOBO.

O presidenciável teve de lidar com um baque pessoal: em 2 de abril, morreu seu chefe de gabinete na Câmara, o capitão do Exército Jorge Francisco, que era seu braço direito há duas décadas. Como não tem partidos em sua base, aposta no apoio dos colegas para dar mais capilaridade à sua campanha. Dois deputados se destacam como os principais apoiadores, Fernando Francischini (PSL-PR) e Onyx Lorenzoni (DEM-RS). O segundo o acompanhou na semana passada ao evento da Marcha dos Prefeitos, em Brasília, e soprava em seu ouvido respostas a perguntas de jornalistas.

PALESTRAS DISFARÇAM COMÍCIOS

Marina Silva é quem tem feito a pré-campanha mais modesta — tanto em recursos gastos quanto nos apoios políticos que reuniu até aqui. Somados os recursos dos fundos partidário e eleitoral, a Rede não alcança a cifra de R$ 15 milhões neste ano, para bancar Marina e demais candidatos. A ex-ministra do Meio Ambiente tem uma rotina nas viagens: voos de carreira de madrugada em busca de bilhetes mais baratos, noites nas casas de amigos e apoiadores e, no máximo, um assessor ao seu lado. Bem diferente de quatro anos atrás, quando herdou o lugar de Eduardo Campos numa campanha já estruturada.

— Foi tipo faroeste, mundo sem lei — diz um dos seus correligionários, sobre 2014.

Em geral, as agendas dos pré-candidatos são compostas por palestras e entrevistas a rádios e televisões locais. Os seminários com a presença dos presidenciáveis, contudo, muitas vezes servem como disfarce para pequenos comícios. Em apenas um mês, Ciro Gomes fez dez palestras, e Marina outras nove. As vantagens dos eventos também são econômicas: os anfitriões costumam arcar com passagens aéreas e hospedagem.

Nas viagens, majoritariamente em aviões de carreira, Ciro leva até dois assessores e, em algumas agendas, vai acompanhado de sua mulher.

— Por enquanto, o partido está bancando, ainda não dá para saber quanto já foi gasto, mas é pouco — diz o presidente do PDT, Carlos Lupi.

A distribuição dos recursos tem sido problema mesmo na campanha mais rica, de Geraldo Alckmin, que acumula a presidência do PSDB e já sofreu pressão de correligionários paulistas cobrando mais verbas para João Doria na disputa pelo governo de São Paulo. Embora mantenha o discurso de paciência para esperar prevalecer sua vantagem de estrutura em relação aos adversários, a demora em decolar tem feito o próprio Alckmin adotar posturas claudicantes na articulação política, que ele não delega a aliados. Pressionado pelo bom desempenho de Joaquim Barbosa, o tucano ensaiou se aproximar do MDB. Após a desistência do ex-ministro do STF, abortou o movimento, buscando se isolar da impopularidade do governo de Michel Temer. O PSDB não informou se tem contratado voos fretados para Alckmin nem estimou quanto deve gastar até agosto.