O globo, n. 30981, 03/06/2018. Economia, p. 21

 

A vez da gasolina

Geral Doca

Ramona Ordoñez

03/06/2018

 

 

Depois do diesel, governo estuda mecanismo para acabar com reajustes diários do combustível

Passada a crise da paralisação dos caminhoneiros que levou à troca de comando na Petrobras, o governo criou um grupo de trabalho para estudar uma forma de acabar com os aumentos quase diários da gasolina. A ideia é amortecer os reajustes para o consumidor na bomba sem, contudo, interferir nas decisões — e nas finanças — da estatal. Na sexta-feira, quando anunciou o nome de Ivan Monteiro para o lugar de Pedro Parente, o presidente Michel Temer prometeu não mexer na política de preços da Petrobras. A intenção é criar um mecanismo que consiste numa espécie de tributação flutuante, que acompanhe a política de reajuste dos combustíveis baseada na variação do dólar e do preço do petróleo no exterior. O plano do governo é implementar essa nova metodologia até o fim do mês.

Enquanto o governo manteve congelado o preço do diesel por 60 dias como parte do acordo para o fim da greve dos caminhoneiros, a gasolina segue flutuando. Em um mês, o combustível acumula alta de 11,29%. O último aumento foi ontem, quando o litro da gasolina A subiu 2,25%, passando de R$ 1,9671 para R$ 2,0113. É a segunda alta em três dias depois de cinco reduções consecutivas do preço. Só em maio, foram 11 reajustes para cima e cinco para baixo.

Auxiliares do presidente Michel Temer, destacados para acompanhar esses estudos disseram ontem ao GLOBO que a solução em estudo não pretende ser definitiva. É um “plano de transição”, que deve garantir uma previsibilidade nos preços da gasolina até outubro, quando o novo presidente eleito deixará clara sua posição sobre como devem ficar os preços da Petrobras.

— Queremos fazer com que o consumidor não tenha mais de enfrentar aumentos diários na gasolina. A ideia é estabelecer reajustes mensais, calibrando na parte dos impostos a diferença no valor cobrado pela Petrobras, que seguirá praticando sua política de preços — disse uma fonte que integra o grupo criado pelo Ministério de Minas e Energia para discutir o tema.

Para evitar qualquer ruído na comunicação com a sociedade e com o mercado, o governo vai deixar claro que a política de preços da Petrobras seguirá a mesma. A única coisa que mudaria é a tributação dos combustíveis no caminho até a bomba. Os tributos federais que incidem sobre a gasolina são Cide e PIS/Cofins.

IVAN MONTEIRO ESTARIA ABERTO AO DIÁLOGO

A ideia em estudo é estimar um preço médio para a cotação do barril, de US$ 60, por exemplo, e passar a adotar um regime flutuante de tributação. Se o preço do barril ultrapassar este patamar, os impostos incidentes sobre o produto serão reduzidos pelo governo. Já se o valor do barril baixar além disso, a carga tributária poderá subir para compensar as perdas de arrecadação dos dias em que o valor esteve acima do preço médio estipulado pelo governo. Os governadores também serão chamados a colaborar com esse plano, na tentativa de reduzir a carga de ICMS sobre o preço final para o consumidor.

As discussões desse plano de transição começaram na sexta-feira e serão conduzidas por um comitê coordenado pelo Ministério de Minas e Energia com a participação da Agência Nacional do Petróleo (ANP), Ministério da Fazenda e especialistas de diferentes áreas, incluindo membros do Congresso. A próxima reunião do grupo acontecerá na segunda-feira, quando serão definidos plano de ação e o prazo para levar uma proposta a Temer.

O novo presidente da Petrobras, aparentemente, não será um obstáculo. Segundo fontes do governo, ele aceitou o cargo após ter garantidas as mesmas condições de autonomia dadas a Parente, mas tem deixado claro que é preciso manter a empresa aberta ao diálogo. Ganha corpo na diretoria a ideia de que a a empresa não pode ficar insensível a momentos como o atual. O novo presidente e demais diretores acreditam que é possível negociar instrumentos que minimizem os impactos dos reajustes, sem que isso represente prejuízos para a companhia.

O governo segue monitorando a retomada do abastecimento no país após o fim da greve dos caminhoneiros. Ontem, o sistema de monitoramento de redes sociais do Planalto identificou um aumento de notícias falsas sobre nova paralisação de caminhoneiros a partir de amanhã. Um plano de segurança deixou as Forças Armadas de prontidão para desmobilizar qualquer concentração.

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País expandiu frota de caminhões, mas faltou carga

Jussara Soares

Roberta Scrivano

03/06/2018

 

 

Cerca de 2 milhões de veículos disputam mercado em meio a crise, derrubando preço do frete

A política de reajustes frequentes da Petrobras no preço do óleo diesel pode ter sido o estopim para a greve dos caminhoneiros, que parou o país por 11 dias. Mas as dificuldades de motoristas autônomos e transportadoras em repassarem para o custo do frete o aumento do combustível expõem uma distorção no mercado de transporte de cargas: há hoje no Brasil um excedente de 300 mil caminhões na frota nacional, segundo dados da consultoria NTC & Logística, entidade que reúne as transportadoras.

A expansão da frota, acelerada por uma política de incentivos do BNDES entre 2009 e 2016, nos governos Lula e Dilma, culminou com uma reversão no cenário econômico do país, com a redução da demanda por transporte de mercadorias. Estudo do consultor Ricardo Gallo, que trabalhou durante duas décadas no BankBoston, estima que o número de caminhões no Brasil cresceu a uma taxa de 5% ao ano entre 2009 e 2016, ampliando a frota para cerca de 2 milhões de caminhões. No mesmo período, a economia brasileira cresceu, em média, 1,1% ao ano. Transitou de um pico de crescimento de 7,5% em 2010 para o mergulho de dois anos seguidos de recessão, com retração de 3,8% e 3,5% do Produto Interno Bruto (PIB) em 2015 e 2016. Sobrou caminhão, e faltou carga.

Não por acaso, na lista de demandas dos caminhoneiros, estavam uma tabela de preço mínimo de frete e a contratação, concedida pelo governo.

O investimento em caminhões foi incentivado principalmente pelo Programa de Sustentação do Investimento (PSI), pelo qual o BNDES — fortalecido por empréstimos do Tesouro Nacional — financiou a aquisição de 770 mil veículos entre 2009 e 2016 para transportadoras e caminhoneiros autônomos com juros subsidiados.

Em junho de 2009, a taxa de juros do crédito para caminhões no BNDES caiu de 13,5% para 4,5% ao ano. Mais tarde, seria reduzida ainda mais. Em boa parte do tempo, financiou até 100% do valor dos veículos a cerca de 2% ao ano e prazo de até oito anos para pagar. O programa fez parte da estratégia de combater os efeitos da crise financeira global de 2008 estimulando ao mesmo tempo o investimento em bens de capital e a expansão da indústria automotiva pesada. O plano só não previa a recessão que viria logo em seguida.

— O PSI tinha condições muito favoráveis. Então, houve uma verdadeira corrida. Todo mundo comprou caminhão numa época em que se esperava que a economia cresceria pelo menos 4% ao ano por vários anos consecutivos. E aconteceu o contrário. Hoje, os caminhões enfrentam dois problemas: uma enxurrada de veículos, o que pressiona o frete para baixo, e diesel alto — resume Neuto Gonçalves, diretor técnico executivo da NTC & Logística.

PRODUÇÃO DE VEÍCULOS PESADOS DESPENCOU

No meio desse descasamento entre oferta e demanda, ficaram muitas transportadoras com caminhões novos parados no pátio e motoristas autônomos, que têm ainda prestações de um caminhão para pagar. Os juros baixos do financiamento do BNDES levaram Levi Raymundo Ribeiro, de 39 anos, a trocar o emprego de gerente de logística pela vida nas estradas. No fim de 2014, ele comprou sua primeira carreta. Pagou R$ 186 mil pelo Volvo de seis eixos, financiado em 48 meses com juros de 2,2% ao ano. A última prestação será paga no fim deste ano.

— Os juros do caminhão ficaram melhores e aproveitei para comprar um. Vi ali uma oportunidade de mudar de vida — conta Ribeiro.

Hoje, ele trabalha como agregado de uma transportadora fazendo a rota Rio-São Paulo, mas conta que o preço do frete não é atualizado desde 2016. Pelo trecho de 400 quilômetros recebe R$ 1.450, além do valor do pedágio. Descontado o preço do óleo diesel de hoje, Ribeiro calcula ficar com R$ 450 por viagem. Ainda assim, pode ser considerado um privilegiado. Com o excesso de oferta de transporte de cargas, caminhoneiros autônomos que trabalham com viagem avulsa aceitam fazer o mesmo percurso por R$ 1.000. O acirramento da competição aumentou nos últimos anos a insatisfação da categoria.

— Em algumas regiões, como no Rio, há mais caminhões do que carga. E os fretes avulsos não são vantajosos — explica Ribeiro, que ficou dez dias sem rodar durante a greve dos caminhoneiros.

Dados da Anfavea, entidade que representa as montadoras, mostram o efeito anabolizante do PSI na produção de caminhões. Nos anos anteriores ao financiamento, a fabricação de carretas era similar à de hoje, em torno de 70 e 90 mil unidades. Em 2011, essa produção bateu o recorde histórico de 229,1 mil unidades fabricadas. Com a retração da economia, no entanto, os números caíram a 77,7 mil em 2015, com o PSI ainda ativo. De lá parra cá, a indústria automotiva pesada se manteve ociosa e teve de demitir empregados.

Perguntado pelo GLOBO se a manutenção do PSI por um longo período — resultando numa oferta excessiva de caminhões — pode ser apontado como um dos fatores da crise dos caminhoneiros ao lado do diesel, o presidente do BNDES, Dyogo Oliveira, isentou a atuação do banco:

— O problema não é excesso de caminhão, mas falta de PIB.