O globo, n. 30980, 02/06/2018. País, p. 3

 

Limites para fichas-sujas

Carolina Brígido

02/06/2018

 

 

Ministro Luiz Fux quer que Supremo esclareça de vez aplicação da lei que barra candidatos

O presidente do TSE, Luiz Fux, defende que o plenário do STF confirme que condenado em segunda instância não pode ter candidatura registrada. O presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), ministro Luiz Fux, defende que o Supremo Tribunal Federal (STF) ratifique, em plenário, que um condenado em segunda instância não pode ter sua candidatura registrada pela Justiça Eleitoral, nem mesmo de forma provisória. A Lei da Ficha Limpa já determina que essas pessoas são inelegíveis, mas existem dúvidas sobre o momento de aplicação da regra. Fux entende que candidatos nessa condição não devem sequer ser registrados e, portanto, não poderiam fazer campanha, mas existe outra tese entre advogados criminalistas, amparada na Lei das Eleições.

Tradicionalmente, o termo sub judice contido na Lei das Eleições é aplicado para candidatos que têm o registro negado por um juiz eleitoral, mas recorrem dessa decisão. Pelo artigo 16-A, o político “poderá efetuar todos os atos relativos à campanha eleitoral, inclusive utilizar o horário eleitoral gratuito no rádio e na televisão e ter seu nome mantido na urna eletrônica enquanto estiver sob essa condição, ficando a validade dos votos a ele atribuídos condicionada ao deferimento de seu registro por instância superior”.

A partir desse artigo, advogados consideram que o réu pode ser considerado sub judice e obter o registro definitivo no futuro, se for absolvido do crime no julgamento do recurso criminal pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ). O exemplo mais notório dessa situação é o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que foi condenado por tribunal de segunda instância. Em tese, ele está enquadrado na Lei da Ficha Limpa. Mas a defesa do petista sustenta que, como ainda cabe recurso da condenação, ele poderia se candidatar, com base numa liminar.

Nos bastidores, os ministros do TSE concordam que Lula não pode receber registro nem provisório, nem definitivo. A preocupação de Fux é quanto a outras instâncias da Justiça Eleitoral, que podem aplicar entendimento diverso para situações semelhantes. Daí a necessidade de unificar a tese no STF. Para Fux, o Supremo precisa esclarecer dúvidas sobre essa interpretação antes de 15 de agosto, fim do prazo de registro na Justiça Eleitoral.

PARTIDOS OU MP PODERIAM PROPOR AÇÃO

Na avaliação do ministro, a condição de elegibilidade deve ser constatada no momento do pedido do registro, e não com base em eventuais absolvições do réu no futuro. Portanto, para ele, o condenado em segunda instância não pode receber registro algum, se sustentar essa condição no momento do registro.

— O Supremo tinha que decidir isso antes das eleições, quem pode concorrer ou não, porque evita o registro de quem está impedido. É preciso dar interpretação conforme ao artigo, porque não é razoável, com base nesse subterfúgio, que um candidato inelegível se coloque como se fosse sub judice — argumentou Fux. — Se, no momento do registro, a pessoa é inelegível, não é candidatura sub judice — concluiu.

Como não há ação questionando esse artigo no STF, Fux explicou que algum partido, ou o Ministério Público, poderia judicializar o tema o quanto antes. Ele defende que haja uma “interpretação do artigo conforme a Constituição Federal”, e não que a regra seja derrubada. Para ele, o problema não é o artigo da Lei das Eleições, mas a forma como o estão interpretando. Com uma decisão da mais alta Corte do país, o entendimento seria unificado e não haveria o risco de tribunais de instâncias inferiores interpretarem a regra de outra forma.

Na última terça-feira, o TSE teve poderia decidir a situação de réus que querem se candidatar a presidente da República, mas se negou a analisar uma consulta que tiraria dúvidas sobre o tema. O julgamento, caso ocorresse, poderia definir, de forma categórica, a situação de Lula. A consulta foi proposta ao tribunal pelo deputado Marcos Rogério (DEM-RO). Ele queria saber se um réu em ação penal na Justiça Federal poderia ser candidato à Presidência da República. Em caso positivo, também queria saber se o candidato, na hipótese de vencer a eleição, poderia assumir o cargo.

O relator do caso no TSE, ministro Napoleão Nunes Maia, argumentou que a consulta tratava de uma situação muito específica. Segundo ele, esse tipo de processo é destinado a responder questões genéricas, que não se encaixem em um caso determinado. Os demais ministros concordaram com ele.

A dúvida surgiu depois que o STF, ao interpretar a norma constitucional, declarou que um réu não pode estar na linha sucessória do presidente da República. A questão que não foi respondida pelo STF é se o próprio presidente da República pode ser réu em ação penal.

Perguntas e respostas

– O que diz a Lei da Ficha Limpa?

– A lei, aprovada em 2010, determina que condenados em segunda instância, como o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, tornam-se inelegíveis.

– O que diz a Lei das Eleições?

– A lei diz que o candidato que tiver o registro negado por juiz eleitoral, mas recorrer dessa decisão, “poderá efetuar todos os atos relativos à campanha eleitoral, ficando a validade dos votos a ele atribuídos condicionada ao deferimento de seu registro por instância superior”.

– O que isso significa, na prática?

– Com base nesse artigo da Lei das Eleições, há uma interpretação de advogados de que candidato condenado em segunda instância poderia fazer campanha amparado numa liminar e obter o registro definitivo no futuro, se for absolvido. O presidente do TSE, no entanto,rejeita essa teoria.

– Qual a opinião do presidente do TSE?

– Para o ministro Luiz Fux, a possibilidade de condenado em segunda instância concorrer sub judice não existe. Na avaliação dele, nesses casos não pode haver registro de candidatura, nem mesmo em caráter provisório.

– Por que Fux quer que plenário do STF julgue essa questão?

– A ideia é que o STF unifique a tese, para evitar que outras instâncias da Justiça Eleitoral apliquem entendimento diverso para situações semelhantes.

– Como o tema pode chegar ao STF?

– Um partido ou o Ministério Público poderia judicializar o tema, apresentando uma ação para que o Supremo se manifeste sobre o assunto. No momento, não há nenhuma ação em curso.

– Qual o prazo para o registro de candidaturas?

– As candidaturas devem ser registradas até o dia 15 de agosto. Caso o TSE negue o registro, o partido pode substituir o candidato até o dia 17 de setembro, 20 dias antes do primeiro turno.

______________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________

Léo Pinheiro acusa Luiz Marinho de fraude em licitação no ABC

Bela Megale

02/06/2018

 

 

Empreiteiro diz que pedido partiu de Lula, durante julgamento do mensalão

Na proposta de delação premiada que negocia com a força-tarefa da Operação LavaJato, o ex-presidente da OAS José Adelmário Pinheiro Filho, o Léo Pinheiro, afirma que a empreiteira foi favorecida pelo exprefeito de São Bernardo do Campo (SP) Luiz Marinho em uma licitação milionária na cidade. Pré-candidato ao governo de São Paulo pelo PT, Marinho teria usado sua posição para garantir que o Consórcio Centro Seco, liderado pela OAS, conquistasse o edital das obras do Piscinão do Paço, no Centro da cidade, orçada inicialmente em R$ 300 milhões.

O piscinão faz parte do Projeto Drenar, uma das principais bandeiras da gestão do petista no ABC Paulista, que comandou a prefeitura entre 2009 e 2016. Como O GLOBO revelou nesta semana, a proposta de delação de Léo Pinheiro, que está preso em Curitiba, foi aprovada pela Procuradoria-Geral de República (PGR) e está em andamento com a força-tarefa do Paraná.

A história que envolve Luiz Marinho está contada em um dos primeiros anexos apresentados por Pinheiro à Lava-Jato, que tratam de sua relação com o ex-presidente Lula. Segundo o empreiteiro, a entrada da OAS no negócio foi acertada em duas reuniões no Instituto Lula, durante o segundo semestre de 2012.

Um desses encontros teria ocorrido numa tarde em que o Supremo Tribunal Federal (STF) realizava uma das 53 sessões do julgamento da Ação Penal 470, que condenou a cúpula petista no caso do mensalão, primeiro grande escândalo do PT no poder.

— O ex-presidente Lula me convocou para uma reunião no Instituto Lula para pedir que a OAS estudasse uma solução para o problema de inundação no Centro de São Bernardo do Campo, praça e arredores do Paço Municipal. Realizados os estudos, mantive um novo encontro com Lula na mesma data em que ocorria uma sessão televisionada do julgamento da AP 470 no Supremo Tribunal Federal. Nessa reunião, o expresidente, que estava assistindo ao julgamento pela televisão, desligou o aparelho para conversar comigo. Apresentei alternativas para a solução do problema. Lula se mostrou satisfeito e solicitou que entrasse em contato com Luiz Marinho, prefeito de São Bernardo do Campo, para resolver o assunto — relata Léo Pinheiro.

Na sequência do seu relato, o empreiteiro esclarece o que seria “resolver o assunto”.

— Atendendo à orientação (de Lula), determinei que um diretor da OAS procurasse Luiz Marinho. Nesse contato, se acertou a elaboração de um edital especificamente para que a OAS ganhasse a licitação e realizasse as obras em São Bernardo do Campo. A OAS sagrou-se vencedora do certame num consórcio com a Serveng — conta Léo Pinheiro.

Ao apresentar o anexo, o empreiteiro da OAS se dispôs a dar mais detalhes da negociata realizada em torno da obra. Orçada em cerca de R$ 300 milhões, a obra do Piscinão do Paço em São Bernardo foi entregue à OAS em dezembro de 2013, meses depois da reunião sigilosa no Instituto Lula, e foi apresentada como uma vitrine da gestão petista de Luiz Marinho. Boa parte da verba usada no empreendimento saiu do Programa de Aceleração do Crescimento, o extinto PAC, criado por Lula e continuado por Dilma Rousseff.

ADITIVOS MILIONÁRIOS

Em 2015, depois de a Lava-Jato ter descoberto o envolvimento da cúpula da empreiteira no escândalo da Petrobras, a OAS acabou demitindo mais de 200 trabalhadores e praticamente abandonou a obra, o que não impediu a gestão petista de liberar aditivos milionários à empreiteira. No começo de 2017, a nova gestão da prefeitura suspendeu os aditivos e passou a cobrar um plano de trabalho da OAS para concluir a obra. No início de 2018, a retomada dos trabalhos foi anunciada para este ano, mas a um custo de R$ 353 milhões — R$ 53 milhões a mais do que o previsto inicialmente.

Se já tivesse sido concluído, o piscinão teria capacidade de armazenar 220 milhões de litros de água, o suficiente para acabar com os problemas de enchente no Centro de São Bernardo.

Durante os dois mandatos de Lula, o ex-prefeito Luiz Marinho ocupou os ministérios do Trabalho e da Previdência Social. No dia 24 de março, o PT escolheu Marinho para ser o candidato do partido ao governo de São Paulo. Ele também é o presidente do Diretório Estadual do PT. Ao discursar em São Bernardo, no dia 7 de abril, antes de ser preso, Lula rasgou elogios ao afilhado petista:

— O Marinho foi o maior prefeito que São Bernardo já teve — declarou.

O ex-presidente Lula sempre refutou as acusações feitas por Léo Pinheiro. Ao argumentar que a “senha é falar do Lula”, o petista afirma que o empreiteiro envolve seu nome em fatos criminosos porque precisa convencer os procuradores da Lava-Jato a fechar seu acordo de delação. Procurado pela reportagem, o ex-prefeito Luiz Marinho não se manifestou.