Valor econômico, v. 19, n. 4500, 10/05/2018. Política, p. A8.

 

Câmara aprova Cadastro Positivo, mas análise das emendas é adiada

Raphael Di Cunto e Eduardo Campos

10/05/2018

 

 

A Câmara dos Deputados aprovou ontem, por 273 a 150, o texto-base do projeto de lei que torna automática a adesão ao Cadastro Positivo, que o Banco Central defende que barateará o crédito para os bons pagadores e a oposição diz que servirá para restringir os dos inadimplentes. Falta a análise de 10 destaques dos partidos, que ainda podem modificar o texto e só serão votados na terça-feira.

Os consumidores serão notificados pelos bureaus de crédito sobre a abertura de seus cadastros e terão 30 dias para informar que querem ser excluídos - se não responderem à notificação, que pode ser por e-mail ou carta, participarão automaticamente do cadastro. Esse sistema é conhecido como opt-out e é diferente do que vigora desde 2011, do opt-in, em que são os clientes que se inscrevem no programa em busca de juros menores.

Os gestores de crédito vão oferecer aos consulentes uma nota elaborada com base nas informações de adimplemento ou todo o histórico de crédito do consumidor, desde que ele autorize expressamente isso. Essa pontuação será elaborada com dados das concessionárias de energia, água e telecomunicações, além de instituições financeiras, que passarão a ser obrigadas a fornecer essas informações.

O deputado Carlos Zarattini (PT-SP) afirmou que o projeto na verdade será um cadastro negativo, para restringir o crédito de quem estiver inadimplente. "É ruim para o consumidor, para os lojistas, para a indústria", disse. Líder do governo, o deputado Aguinaldo Ribeiro (PP-PB) rebateu que o projeto aprimora o que foi aprovado no governo do PT e usado em 150 países.

Diante das resistências de parte da base aliada, como PR e PRB, o governo desistiu de flexibilizar as regras sobre responsabilização das empresas por vazamentos e aceitou manter a responsabilidade solidária e objetiva dos bancos, bureaus de crédito, fontes de informações (como as concessionárias de serviços de telecomunicações, água e energia) e consulentes (lojas e outras empresas que usarem o cadastro).

O texto é mais brando que a legislação atual do Cadastro Positivo, mas mais duro que a versão aprovada pelo Senado, que obrigaria o próprio consumidor a dizer qual das partes era responsável pelo vazamento para acioná-la judicialmente. Há reclamação dos bancos de que, mesmo não tendo culpa nos vazamentos, a lei em vigor hoje pode obrigá-los a indenizar as vítimas.

O novo parecer passou a remeter a legislação sobre vazamento de dados para as regras do Código de Defesa do Consumidor: se uma das partes provar que é inocente, não será responsabilizada financeiramente pela falha. Mas a responsabilidade volta a ser objetiva e solidária - o consumidor, portanto, poderá acionar diretamente todos aqueles que tiveram acesso à informação e caberá a eles apontar de onde partiu o erro. Com a mudança, o governo ganhou o apoio do PR, mas o PRB, do deputado Celso Russomanno (SP), continuou contra.

Ainda há destaques, contudo, para manter a versão atual da lei, o que é alvo de críticas principalmente dos bancos. O governo avalia que, com a mudança na redação, conquistou votos suficientes para aprimorar o projeto, mas esse foi um dos pontos mais criticados por entidades de defesa do consumidor e da sociedade civil. Parlamentares lembraram ontem o escândalo de vazamentos de dado do Equifax, um dos três maiores bureaus de crédito dos Estados Unidos e que no ano passado foi alvo de um ataque hacker que roubou dados bancários de 147 milhões de pessoas.

Outra alteração incorporada ontem pelo deputado Walter Ioshi (PSD-SP), relator do projeto, é que o Banco Central (BC) encaminhará ao Congresso, após dois anos de vigência da medida, um relatório sobre os resultados alcançados com as mudanças, dando ênfase à redução ou aumento do spread bancário.

Apesar da vitória do governo, o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ, percebeu que o quórum caía, com parlamentares que já se deslocavam para seus Estados, e resolveu não arriscar. Adiou a análise dos 10 destaques para terça-feira, para evitar mudanças no texto que acabem por desfigurar o projeto.

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PEC do foro avança, prisão empaca

Raphael Di Cunto

10/05/2018

 

 

PT, MDB, PP e PSDB adotaram dois pesos e duas medidas na tramitação das propostas de emenda à Constituição (PECs) na Câmara dos Deputados. Enquanto defendem, na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), que não é possível debater, por causa da intervenção federal, a PEC que garantiria a prisão em segunda instância, esses mesmos partidos apoiaram ontem a instalação da comissão que discutirá outra PEC, a do foro privilegiado, em reação à decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) que acabou com essa prerrogativa apenas para os parlamentares, mas manteve para juízes e promotores.

A Constituição Federal diz que é proibido deliberar sobre PECs durante a intervenção federal em algum Estado, o que ocorre atualmente na segurança pública do Rio de Janeiro. O presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), decidiu que a intervenção só impede a votação no plenário, mas não veta que tramitem pelas comissões. A postura é diferente do presidente do Senado, Eunício Oliveira (MDB-CE), que travou completamente a discussão de mudanças constitucionais.

Pela manhã, PT, MDB e PP impediram até a realização de uma audiência pública para discutir sobre a PEC da prisão em segunda instância, com o argumento de que a intervenção federal não permitia que tramitasse. Com o principal líder do PT, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, preso após condenação em segunda instância, a deputada Maria do Rosário (PT-RS) defendeu que a audiência até poderia ocorrer, mas desde que não mencionasse a PEC e fosse genericamente sobre em que fase judiciária deveria ocorrer a prisão.

Vários deputados fizeram questionamentos formais à CCJ da Câmara para impedir que a PEC da prisão em segunda instância seja discutida. Dois recursos, de Maria do Rosário e de Miro Teixeira (Rede-RJ), estão há dois meses aguardando desfecho na Câmara e há um mês com o relator, deputado Leonardo Picciani (MDB-RJ), que prometeu apresentar seu parecer somente na próxima quarta-feira.

Ontem outros partidos, como DEM e PSDB, também se manifestaram na CCJ contra a possibilidade de PECs serem votadas pelas comissões durante a intervenção, mas votaram a favor da audiência pública, dizendo que esse era o papel do Legislativo. MDB, PT, PP e PCdoB foram contra. "Não entrei no mérito da intervenção ainda. Só me manifestei contra tratar da PEC da prisão em segunda instância porque entendo que tenta revogar uma cláusula pétrea e, portanto, é inconstitucional", disse Picciani.

À tarde, contudo, quando o assunto (o foro privilegiado) interessava a esses partidos, o apoio foi unânime. A Câmara instalou a comissão especial para ampliar para todo os cargos, de prefeitos a promotores do Ministério Público e juízes, a decisão do STF de restringir o foro privilegiado apenas para crimes relacionados à função dos parlamentares.

PT, MDB e PP deram presença, ajudaram a eleger o presidente do colegiado - o deputado Diego Garcia (Pode-PR) - e a discursaram a favor da PEC. "Apesar de o país estar sob intervenção, acho que a comissão pode agilizar esse trabalho, deixar pronto para levar ao plenário na hora oportuna", disse o deputado Celso Maldaner (MDB-SC). Questionados sobre a ambiguidade, deputados do PT evitaram comentar.

A estratégia dos partidos é avançar com o texto e já aprovar um parecer na comissão especial que mantenha a prerrogativa de julgamento pelas instâncias superiores do Judiciário apenas para os presidentes dos três Poderes por crimes relacionados ao mandato. Os demais seriam julgados pela primeira instância.

Maia determinou a criação da PEC no mesmo dia da decisão do STF que restringiu o foro apenas para deputados federais e senadores. A intervenção federal no Rio só acaba em 31 de dezembro, junto com o mandato do presidente Michel Temer, mas parlamentares comentam que ela poderia ser suspensa antes, por decisão do emedebista, para que a proposta que muda o foro fosse votada pelo plenário da Câmara. Caso isso não ocorra na atual legislatura, o texto estaria pronto para plenário em 2019.