Título: Secreto até que ponto?
Autor: Souto, Isabella
Fonte: Correio Braziliense, 06/05/2012, Política, p. 10
Vazamento de dados do processo que investiga o bicheiro Carlinhos Cachoeira resgata debate sobre os limites entre o segredo de Justiça e o direito de acesso do cidadão
Diariamente os brasileiros estão assistindo a revelações sobre o inquérito envolvendo a exploração ilegal de jogos de azar pelo empresário Carlos Augusto Ramos, o Carlinhos Cachoeira. As informações só vieram a público graças ao vazamento de cópias do documento. Isso porque as investigações se valem do segredo de Justiça, instituto que voltou para o centro da discussão no cenário jurídico. A pergunta que não quer calar é: o cidadão tem direito à informação dos processos judiciais?
Na teoria, o sigilo deveria ser decretado apenas para casos excepcionais, quando se questiona, em juízo, matéria que envolva a intimidade das pessoas ou, ainda, em casos de sigilos de comunicação, fiscais e de dados. Mas pode ser cancelado quando o interesse particular ferir interesse público da sociedade, que tem direito, em tese, de acompanhar o andamento processual. Na prática, no entanto, não é o que acontece.
"Hoje vemos uma exagerada concessão do sigilo. Nem sempre ele é necessário para o sucesso de um processo", opina o juiz Márlon Reis, presidente da Associação Brasileira de Magistrados, Procuradores e Promotores Eleitorais (Abramppe). Na avaliação do magistrado, especialmente em casos envolvendo dinheiro público, deve prevalecer o interesse e o direito da sociedade de ser informada. Ele cita como exemplo de abuso o sigilo previsto para as ações de impugnação de mandato eletivo.
Na avaliação do presidente da seção mineira da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Luis Cláudio Chaves, casos envolvendo a malversação de dinheiro público deveriam ter transparência total — mas são frequentemente tratados sob sigilo. "No caso por exemplo de uso indevido de recursos públicos, você não está diante só de uma questão de direito privado, mas também público", argumenta o advogado que atua na área de família — ações que tramitam obrigatoriamente em segredo.
O procurador de Justiça e presidente da Associação Mineira do Ministério Público (AMMP), Nedens Ulisses Freire Vieira, defende o segredo na fase de investigação, quando muitas vezes a publicidade dos atos pode prejudicar o resultado final. No entanto, não vê "razoabilidade" na manutenção da regra durante a fase processual. "A não ser que seja para preservar uma vítima ou uma situação excepcional de Estado", conclui.
Márlon Reis lembra ainda que a discussão é causada pela própria Constituição. Determina o artigo 5º que o sigilo pode ser adotado em casos de "defesa da intimidade" ou "interesse social". Mas o texto é vago ao trazer, em seu artigo 93, que ele pode ser adotado desde que "não prejudique o interesse público à informação". E o que dizer do artigo 14, ao estabelecer categoricamente que "a ação de impugnação de mandato tramitará em segredo de Justiça?".
Preservação Há pouco mais de um ano, o Supremo Tribunal Federal (STF) acrescentou mais uma regra para o polêmico segredo de Justiça. O órgão optou por manter em sigilo a identidade de 152 autoridades suspeitas de cometer crimes. Virou regra blindar deputados, senadores e ministros de Estado: mesmo que o processo não tramite em segredo de Justiça, apenas as iniciais de seus nomes serão informadas, o que dificulta um levantamento sobre quais pessoas respondem a ações no tribunal.
Ao adotar a medida, prevista no regimento interno do órgão, a alegação do STF foi proteger apurações que poderiam correr em segredo de Justiça. Pela regra, o ministro sorteado para relatar a investigação é quem vai analisar se o processo deve ou não correr em segredo de Justiça. Se o relator concluir que não há motivos para a adoção da regra, as iniciais serão tiradas e o nome completo será publicado no site.
Cartilha na CPI O presidente da CPI do Cachoeira, senador Vital do Rêgo (PMDB-PB), vai enviar aos integrantes da comissão uma cartilha com as regras do Parlamento a respeito do manuseio de dados sigilosos. A CPI mista que investiga as relações de Carlinhos Cachoeira com políticos e agentes públicos e privados recebeu na quarta-feira os documentos do Supremo Tribunal Federal (STF). Na sexta-feira, o Senado instalou uma sala para que os parlamentares possam ter acesso aos dados sigilosos. Apenas os parlamentares que integram a CPI poderão checar as informações. Para evitar cópias dos dados, eles não poderão entrar com celulares, máquinas fotográficas ou filmadoras. Além disso, terão de assinar um termo de responsabilidade para preservar o sigilo das informações, provenientes das operações Vegas e Monte Carlo.