O globo, n. 30980, 02/06/2018. Economia, p. 19

 

Saída estratégica

Ramona Ordoñez

Rennan Setti

Geralda Doca

Manoel Ventura

Gabriela Valente

Letícia Fernandes

02/06/2018

 

 

Parente deixa presidência da Petrobras, mas Temer diz que política de preços não muda

Depois de várias declarações de ministros próximos ao presidente Michel Temer defendendo mudança na política de preços da Petrobras, o presidente da estatal, Pedro Parente, pediu demissão ontem, um dia após o fim da greve dos caminhoneiros. Parente era considerado o fiador da prática de reajustar os valores dos combustíveis com frequência até diária, seguindo o preço internacional do petróleo. A política ajudou a recuperar as finanças da estatal, mas desagradou consumidores nos postos, sobretudo os caminhoneiros. Seu pedido de demissão pegou de surpresa o próprio governo e o mercado, derrubando as ações da Petrobras, que caíram quase 15% ontem — a queda chegou a 21% durante o dia—, enxugando R$ 40,4 bilhões do seu valor na Bolsa.

E, após o estrago provocado nos mercados pela saída de Parente, o presidente Michel Temer fez um pronunciamento na noite de ontem no qual prometeu que o governo não mudará a política de preços da Petrobras. Temer anunciou ainda o nome de Ivan Monteiro, atual diretor financeiro da Petrobras, como novo presidente da estatal. Monteiro já havia sido aprovado pelo Conselho de Administração da estatal, como presidente interino. Temer o confirmou como sucessor definitivo.

— Não haverá qualquer interferência na política de preços da companhia. Ivan Monteiro, naturalmente, é a garantia de que esse rumo permanece inalterado — afirmou Temer.

Parente entregou a carta de demissão a Temer em reunião pela manhã, em Brasília. No documento, o executivo alegou que sua permanência “deixou de ser positiva e de contribuir para a construção das alternativas que o governo tem pela frente”. Parente acrescentou que “a greve dos caminhoneiros e suas graves consequências para a vida do país desencadearam um intenso e por vezes emocional debate sobre as origens dessa crise e colocaram a política de preços da Petrobras sob intenso questionamento”

GESTÃO RECUPEROU LUCRATIVIDADE

No centro das reivindicações dos caminhoneiros estava o fim dos reajustes quase diários do diesel adotados por Parente em junho de 2017. Foi fundamental para reorganizar as finanças da estatal. Antes, os reajustes ocorriam geralmente uma vez por mês. Muitas vezes, a Petrobras perdia ao evitar repasses elevados ao consumidor. Só que, nos últimos meses, a alta do dólar e do petróleo fizeram os preços dispararem. Os críticos afirmam que um pouco mais de previsibilidade seria desejável, com ajustes menos frequentes nos combustíveis, que afetam toda a economia.

Após o início da greve, para tentar dar fim à greve, a Petrobras anunciou o congelamento do preço do diesel por 15 dias. Alguns dias depois, o governo, por sua vez, cedeu à pressão e concedeu um subsídio de R$ 0,46 por litro no diesel.

Mesmo com o fim da greve, porém, a política de preços da Petrobras virou alvo de críticas de parlamentares, ministros e presidenciáveis, enquanto Parente se tornava seu “rosto”. Eram cada vez maiores as pressões para que a estatal praticasse uma política mais flexível e com “previsibilidade” — evitando flutuações diárias — não só no diesel, mas também na gasolina. Por fim, Temer deu uma declaração à TV Brasil na quarta-feira em que sugeria que a política da Petrobras poderia ser “reexaminada”. Parente insistia que só aceitaria mudanças se a empresa fosse ressarcida.

— Parente estava virando parte do problema. E, como ele entende que já cumpriu sua missão, não poderia mais continuar — disse uma fonte no governo.

Parente ficou dois anos à frente da Petrobras. Em sua gestão, a dívida líquida caiu, e a estatal divulgou no 1º trimestre do ano seu melhor resultado desde a Operação Lava-Jato, há cinco anos: quase R$ 7 bilhões. Com isso, o valor da Petrobras na Bolsa mais que triplicou, para até R$ 389 bilhões na semana antes da greve. Voltou a ser a empresa mais valiosa do país, para logo perder novamente a posição.

O substituto foi escolhido em reunião do Planalto entre Temer e os ministros da Fazenda, Eduardo Guardia e de Minas e Energia, Moreira Franco. Temer e Guardia conversaram por telefone com Monteiro e o convenceram a aceitar renovando a promessa de não haver interferência na política interna da Petrobras. Temer teria aprovado a nomeação de Monteiro por ele ser “o interlocutor com o mercado financeiro”, uma solução ideal para a missão de tentar acalmar os investidores.

A reunião do Conselho da Petrobras que nomeou Monteiro começou com um agradecimento de Parente ao apoio dos conselheiros durante sua gestão. Depois, ele se retirou. O nome de Monteiro não foi submetido à votação pois já havia sido objeto de conversas antes da reunião. Todos os membros concordaram.

Os conselheiros, porém, há a percepção de que a Petrobras provavelmente terá que, no futuro, rever os reajustes diários.

— Mas qualquer mudança tem que ser feita sem representar prejuízo financeiro para a companhia — destacou um deles.

Uma outra fonte na empresa ressalta que expectativa é que as diretrizes de Parente sejam mantidas por Monteiro:

— Há um plano estratégico muito maior do que uma pessoa, além da política de preços. Envolve a redução do endividamento, do volume de acidentes e dos custos e a venda de ativos não estratégicos.

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Sob observação

02/06/2018

 

 

A ESCOLHA, pelo Conselho de Administração, do diretor financeiro Ivan Monteiro para substituir Pedro Parente na presidência da Petrobras é bom sinal, mas não basta.

COMO A saída do executivo tem a ver com a alteração na política de preços de combustíveis, para que a companhia não mais subsidie o consumidor — parte da causa de prejuízos bilionários da empresa no governo Dilma —, é lógico imaginar que existe o risco de a estatal voltar a ser usada de forma demagógica.

A CORRENTE populista que dentro do governo e no Congresso defende este retrocesso parece revigorada depois da greve de caminhoneiros e com a proximidade das eleições. O país, que necessita de uma Petrobras eficiente e capitalizada, e os acionistas estão na defensiva.

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Monteiro chegou antes do ex-chefe

Gabriela Valente

02/06/2018

 

 

O novo presidente da Petrobras, Ivan Monteiro, era o braço direito de Pedro Parente, à frente da diretoria financeira da estatal. No entanto, ele chegou antes do ex-chefe à petroleira: foi escolhido para o cargo pela ex-presidente Dilma Rousseff, em 2015, junto com o antecessor de Parente, Aldemir Bendine, que foi preso sob suspeita de corrupção. Os dois trabalhavam juntos no Banco do Brasil, onde Monteiro era vice-presidente de Finanças.

A primeira missão de Monteiro foi desenhar um plano para consertar os erros financeiros que aprofundaram as perdas da Petrobras na esteira da Operação Lava-Jato, como o represamento de reajustes dos combustíveis. Segundo pessoas próximas, ele ficou surpreso com a bagunça na contabilidade da companhia. Corrigiu problemas, como a falta de provisionamento para possíveis perdas. Ele alterou todo o planejamento tributário e revisou o balanço que mostrou impacto de R$ 88 bilhões em perdas pela corrupção investigada pela Lava-Jato.

Após o impeachment, em 2016, e a mudança de comando na Petrobras, Monteiro foi preservado pelo novo presidente com a missão de recuperar as contas da petroleira sem precisar de capitalização do Tesouro.