O globo, n. 30980, 02/06/2018. Economia, p. 20

 

Ações da Petrobras caem 14,8%, e estatal perde R$ 40 bi na Bolsa

Ana Paula Ribeiro

02/06/2018

 

 

Temor de que empresa sofra ingerência política fez papéis derreterem

A renúncia do presidente da Petrobras, Pedro Parente, provocou uma onda de vendas das ações da estatal e levou a B3 a suspender os papéis da empresa por cerca de uma hora. Na retomada, a queda chegou a 20%, e, no decorrer do pregão, a companhia não conseguiu se recuperar, fechando com queda de quase 15%. A estatal perdeu R$ 40,47 bilhões de valor de mercado em um só dia.

Apesar da pressão sobre os papéis da petroleira, o Ibovespa, principal índice local, conseguiu terminar o pregão com alta de 0,63%, aos 77.239 pontos. Já o dólar comercial subiu 0,82% ante o real, cotado a R$ 3,768. Na semana, acumula ganhos de 2,7%.

A Bolsa iniciou os negócios em alta, acompanhando o bom humor do mercado externo. No entanto, os papéis começaram a cair imediatamente após a Petrobras — às 11h20m — comunicar a saída de Parente à Comissão de Valores Mobiliário (CVM), ou seja, tornou a decisão pública.

PAPÉIS FORAM SUSPENSOS

A notícia, inesperada, e a repercussão na Bolsa fez com que a B3 determinasse a suspensão dos negócios com as ações da Petrobras, o que durou cerca de uma hora. Essa parada ocorre quando um acontecimento gera um forte movimento sobre um determinado papel. Após a paralisação, é feito um leilão para que o papel volte ao pregão tradicional.

As preferenciais (PNs, sem direito a voto) fecharam em queda de 14,85%, cotadas a R$ 16,16. Antes do anúncio, subiam mais de 3%. Já no caso das ordinárias (ONs, com direito a voto), a desvalorização foi de 14,91%, a R$ 18,88, sendo que antes subiam quase 3%. O anúncio de que Ivan Monteiro será o novo presidente interino da Petrobras saiu após o fechamento da Bolsa.

Os recibos de ações negociados na Bolsa americana (ADRs, na sigla em inglês) também caíram forte. O tombo chegou aos 14,59%, para US$ 10,13.

Fabio Macedo, gerente comercial da Easynvest, explica que a forte queda refletiu a incerteza em relação à administração da estatal.

— Não se sabe qual gestão será adotada daqui para frente. O Parente tinha uma postura que agradava aos agentes do mercado financeiro devido à política de preços. Agora, não se sabe o que vai acontecer e, com o temor de mais intervenção do governo, os papéis acabaram derretendo — explicou.

O tombo dos papéis da Petrobras fez com que o valor de mercado da companhia chegasse a R$ 231,04 bilhões, montante R$ 40,47 bilhões inferior ao registrado no pregão anterior.

Na avaliação de Ari Santos, gerente de renda variável da corretora H.Commcor, o principal temor é de uma ingerência maior do governo sobre a estratégia da estatal.

— A expectativa é o que vai acontecer com a governança da Petrobras e se vai entrar alguém que mexerá com a atual política de preços. Há um medo de que a empresa comece a sofrer interferência política, como no passado — disse.

A aversão ao risco com a saída de Parente foi geral. O riscopaís do Brasil, medido pelos CDSs (credit default swaps, que funcionam como uma espécie de seguro para o investidor que compra papéis do país), subiu 4%, para 235 pontos.

BOLSA FECHA EM ALTA

Apesar do forte tombo da Petrobras, a Bolsa conseguiu se manter em terreno positivo.

— A Bolsa se recuperou com o fim da greve dos caminhoneiros, com os investidores antecipando um pouco a melhora da economia. Além disso, o exterior operou com ganhos, o que também ajuda — disse Luiz Roberto Monteiro, operador da Renascença Corretora.

As ações da Vale subiram 4,20%, beneficiada pelos números positivos da economia chinesa durante o feriado. Os bancos, de maior peso na composição do índice, também tiveram alta. As preferenciais do Itaú Unibanco e do Bradesco subiram, respectivamente, 2,25% e 2,43%. Os papéis do Banco do Brasil subiram 0,95%.

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Parente era o fiador da retomada da empresa

02/06/2018

 
 

Gestor de crises, executivo era visto como blindagem da estatal

O engenheiro Pedro Parente sempre foi conhecido entre políticos, executivos de grandes empresas e operadores do mercado financeiro como o melhor gestor de crises do Brasil. Mas, nos últimos 12 dias, viu-se no epicentro de uma crise que paralisou o país. Parente se tornou o alvo preferencial de parlamentares, ministros e políticos da oposição que tentavam fazer da Petrobras a responsável pela greve dos caminhoneiros.

Sua chegada à Petrobras, há exatos dois anos, foi amplamente comemorada pelo mercado. “Acabou a influência política na Petrobras”, afirmou Parente, no dia 1º de junho de 2016, na cerimônia de posse como presidente da empresa. Ele se tornou, assim, o fiador de uma blindagem da Petrobras, após a estatal ter sofrido perdas bilionárias com corrupção e congelamento de preços.

Sob seu comando, a Petrobras renegociou dívidas, lançou um ambicioso programa de venda de ativos, mudou a política de preços dos combustíveis — que passaram a ter oscilações diárias — e voltou a registrar lucro, atingindo no primeiro trimestre deste ano seu melhor resultado desde o início da Operação Lava-Jato. Essa política, no entanto, acabou sendo o estopim para a greve dos caminhoneiros, já que a recente alta do dólar e do petróleo fizeram o preço do diesel subir com força.

‘MINISTRO DO APAGÃO’

Antes de reorganizar as finanças da Petrobras, Parente se tornou conhecido dos brasileiros como o “ministro do apagão”. No auge da crise energética do governo Fernando Henrique Cardoso, em 2001, Parente era ministro-chefe da Casa Civil e foi deslocado do cargo para assumir o comando do gabinete interministerial que coordenou as ações para garantir o fornecimento de energia. Assim, coube a Parente ir a público, em entrevistas coletivas, explicar como funcionaria o complexo sistema de racionamento de energia, que funcionou entre julho de 2001 e fevereiro de 2002.

O executivo chegou ao governo como funcionário da área contábil do Banco Central e, no governo Sarney (19851990), assumiu a Secretaria do Tesouro Nacional. Foi secretário de Planejamento do então Ministério da Economia no governo Collor (1990-1992) e, após o impeachment, trabalhou no Fundo Monetário Internacional (FMI) até 1993. Voltou ao governo como secretário-executivo do ministério da Fazenda, chefiada por Pedro Malan, no primeiro mandato de Fernando Henrique. No cargo, assumiu outra “gestão de crise”: a renegociação da dívida dos estados.

No fim do segundo mandato de Fernando Henrique, Parente coordenou a equipe de transição para o governo Lula.

Depois de sair do governo, o executivo teve papel de destaque em grandes empresas. Foi vice-presidente executivo do grupo de mídia RBS e presidente da multinacional do agronegócio Bunge.

Em abril deste ano, Parente assumiu o conselho de administração da BRF, em meio a uma disputa entre os sócios da companhia. O nome do executivo apareceu como o único capaz de pacificar a empresa. Ontem, as ações da BRF dispararam em meio a rumores de que Parente poderia ser indicado como presidente da empresa.