O globo, n. 30983, 05/06/2018. Sociedade, p. 28

 

Racismo na quadra

Heloísa Traiano

05/06/2018

 

 

Acusada de insultar estudantes negros em torneio esportivo, torcida da PUC-Rio é punida

O que seria um encontro esportivo para promover a integração entre universitários acabou em confronto no último fim de semana. Estudantes que participaram dos Jogos Jurídicos Estaduais 2018, em Petrópolis, relataram ofensas raciais contra atletas negros e torcedores da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (Uerj), da Universidade Federal Fluminense (UFF) e da Universidade Católica de Petrópolis (UCP). Segundo eles, alunos negros foram agredidos em três partidas diferentes, entre sábado e domingo, por integrantes da torcida da PUC-Rio.

Os Jogos Jurídicos reúnem anualmente equipes esportivas e torcidas de faculdades de Direito do estado do Rio de Janeiro. A atitude atribuída aos universitários da instituição particular gerou repúdio nas redes sociais e indignação de membros do movimento negro.

As denúncias dão conta de ao menos três casos de racismo. Um atleta negro teria sido atingido por uma casca de banana; um grupo de rapazes teria imitado macacos; e uma estudante relatou ter sido chamada de “macaco”. Após as agressões, a Liga Jurídica Estadual — composta pelas atléticas, iniciativas estudantis que se encarregam da participação de uma instituição no evento — retirou o título de campeã geral da PUC-Rio e suspendeu a universidade por um ano da competição. Embora o corpo docente e a direção das universidades não tenham relação com os jogos, a vice-reitoria da PUC-Rio afirmou que vai instaurar uma comissão disciplinar para acompanhar o caso.

De acordo com Raíza Uzeda, aluna de Direito da Uerj e integrante do coletivo negro da universidade, o primeiro incidente ocorreu no sábado, ao final de uma partida de futebol masculino entre os times da PUC e da UCP. Uma jovem que pertencia à torcida da PUC teria jogado uma casca de banana sobre um jogador da equipe adversária. O presidente da Atlética da UCP foi chamado, ontem, para prestar depoimento sobre o caso.

Entre alunos da PUC, no entanto, os relatos são de que o episódio não envolveu estudantes da instituição, mas sim quatro namoradas de atletas que estavam competindo no campo. Segundo Matheus Vellasco, aluno da faculdade que estava presente no evento, mas não presenciou as agressões, as jovens negaram que tivessem intenções racistas: elas teriam se sentido acuadas durante um confronto entre torcidas e lançaram o que tinham nas mãos, uma garrafa de água e uma casca de banana, para se proteger, sem notar que havia negros por perto. Uma estudante da UCP que não quis se identificar disse que, em meio à confusão, não conseguiu determinar se a casca de banana havia sido atirada especificamente contra o estudante negro.

No domingo, os relatos sobre o episódio já haviam rapidamente corrido entre as torcidas, acirrando os ânimos e levando um jogo de basquete entre Uerj e PUC a terminar em confusão. Na ocasião, membros da torcida da instituição pública gritaram em massa contra os adversários “A PUC é racista”.

— A PUC ganhou, e o pessoal começou a ir em direção à saída. Quando olhei para trás, vi duas pessoas imitando macacos e fazendo sons de “uh-uh-uh”. Fui até eles, e começou uma confusão. Um dos meninos negou, mas depois que passou pela porta de segurança, ele olhou para mim e riu, dizendo “e aí, vai fazer o que agora?”. Tudo foi claramente direcionado à torcida da Uerj — conta Lucas Ferreira, estudante da universidade estadual.

A Uerj foi a primeira instituição do país a adotar o sistema de cotas raciais e, por isso, foi repetidamente chamada de “Congo” por estudantes de outras universidades. O nome, no entanto, foi reapropriado pela instituição, que passou a utilizálo para se autodenominar. Os relatos de torcidas que entoam cantos preconceituosos são antigos — frequentemente, com músicas politicamente incorretas para se autovalorizar e menosprezar os adversários —, e os alunos da Uerj se queixam de expressões racistas da delegação da PUC, pelo menos, desde o ano passado.

Os relatos de racismo no último fim de semana se prolongaram ainda ao jogo de handebol feminino, que ocorreu anteontem, depois da partida de basquete onde as torcidas se confrontaram. Uma atleta da UFF relata ter sido chamada de “macaco” por um membro da torcida da PUC. Pedindo que seu nome não seja divulgado, ela conta que ficou muito abalada:

— Havia um grupo de três ou quatro garotos que me chamava de “puta”, “piranha” e “feia”, dizendo que eu não jogava bem. Até que uma hora eu ouvi alguém gritar “macaco não vai jogar aqui, não”. Me chamaram pelo meu sobrenome, que estava escrito na minha camiseta, e repetiram isso. Então, eles olharam para mim e disseram: “E aí, vai fazer o quê?”. Mexeu muito comigo, comecei a chorar. É muito frustrante — relatou a jovem, que foi defendida pelos colegas com gritos de “racistas não passarão”.

 

‘ACADEMICISMO BRANCO’

Para Frei David Santos, diretor-executivo da ONG Educafro, que milita há anos pela inclusão de negros no ensino superior, as universidades precisam ir além de apenas facilitar o acesso:

— As universidades no Brasil eram eurocêntricas, brancas, e quando começam a receber negros mantêm todo seu academicismo branco, com alunos negros deslocados. A evolução que queremos é que a universidade abra sua academia para o pensar afro e indígena, inclua essas perspectivas no seu conteúdo. Isso vai mudar a formação dos alunos. Em todos os cursos temos alunos malformados para a diversidade.

O GLOBO procurou a Atlética da PUC, mas não obteve retorno. Em nota, a vice-reitoria para Assuntos Comunitários e o Departamento de Direito da universidade informaram a criação de uma comissão disciplinar e defenderam “que o racismo, violência que ainda corrói a sociedade brasileira, deve ser enfrentado por medidas repressivas e inclusivas”.

Já a Uerj, em comunicado emitido pelo professor Ricardo Lodi Ribeiro, diretor da Faculdade de Direito, se solidarizou com as vítimas, destacando que, no “estado democrático de direito, não são mais admissíveis atos como esses, em especial vindo de estudantes de Direito”.

Não há boletins de ocorrência sobre os casos na 105ª DP (Petrópolis), mas a Polícia Civil vai apurar os fatos a partir das publicações nas redes sociais.