O globo, n. 31008, 30/06/2018. Economia, p. 20

 

Coparticipação na saúde cresce nas empresas

Danielle Nogueira

Luciana Casemiro

30/06/2018

 

 

Pesquisa aponta que, entre 2015 e 2017, percentual de companhias que adotam modelo passou de 51% para 66%

A coparticipação de funcionários nos planos de saúde, que foi regulamentada pela Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) na última quinta-feira, tem sido uma prática cada vez mais comum, principalmente entre grandes empresas. Levantamento da consultoria Mercer March Benefícios, que faz a gestão de 1,7 milhão de beneficiários de planos coletivos, mostra que, em 2015, 51% das companhias adotavam esse modelo. No ano passado, a fatia subiu para 66%. No entanto, não havia regulamentação para essa cobrança, e casos extremos acabavam na Justiça. Um dos objetivos da nova legislação foi justamente estabelecer tetos para a coparticipação e franquia. Foi fixado o limite de 40% no valor dos procedimentos para todos os planos de saúde. Apenas no caso dos coletivos empresariais há a possibilidade de esse percentual alcançar 60%.

As empresas não podem, porém, elevar a coparticipação dos funcionários unilateralmente. As novas regras abrem a possibilidade de ampliar em 50% o teto aplicado aos planos individuais, desde que aprovados em convenção ou acordos coletivos entre sindicatos de trabalhadores e patronais ou entre sindicatos de trabalhadores e empresas específicas. A situação não se aplica aos planos coletivos por adesão, mesmo que estes sejam oferecidos pelos sindicatos a seus filiados. Para que o teto de coparticipação chegue a 60%, portanto, deve haver uma relação de emprego, um vínculo empregatício, diz a ANS.

— Sou favorável à coparticipação, mas elevar o percentual cobrado do empregado não será tão simples. A Justiça trabalhista entende que, se há uma alteração no contrato que prejudique o trabalhador, isso só pode ser feito com a anuência dele, via negociação com o sindicato. Isso vale para qualquer empresa, de qualquer porte, e qualquer trabalhador — diz Jorge Gonzaga Matsumoto, sócio da área trabalhista do Bichara Advogados.

As novas regras atingem apenas os novos contratos e entrarão em vigor em 180 dias. A estimativa da ANS é que, hoje 52% dos 47 milhões de contratos de planos de saúde tenham coparticipação ou franquia. No caso de coletivos empresariais, há 31,409 milhões de beneficiários. Na avaliação da agência, os funcionários terão mais previsibilidade na cobrança. No caso de planos coletivos, segundo a ANS, as empresas poderão optar por aderir às novas regras na repactuação do contrato, que ocorre anualmente.

Para Marcelo Borges, diretor da Mercer Marsh Benefícios, as mudanças reduzirão os custos das empresas com saúde, que representam a segunda maior despesa relacionada a pessoal e vêm crescendo acima da inflação. O valor pago pelas empresas com as mensalidades de planos de saúde estava em R$ 225,23 por funcionário, em 2015. No ano passado, alcançou R$ 321,51. A amostra em que se baseia o levantamento da Mercer foi de 630 empresas em 2017 e de 513 companhias dois anos antes.

— Como as empresas vão poder compartilhar o risco (mediante a coparticipação), as mensalidades ficarão mais baratas para elas, o que tende a beneficiar o trabalhador, pois ele também terá uma redução da contrapartida exigida na mensalidade — disse Borges. — O objetivo é ter um uso mais racional do plano de saúde.

‘EMPREGADO ESTÁ NO PIOR DOS MUNDOS’

Segundo a ANS, porém, a maior parte dos trabalhadores não arca com qualquer fatia da mensalidade dos planos. Na avaliação do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec), o limite de gastos fixado para franquia e coparticipação é muito alto. A resolução normativa 433, que introduziu as mudanças, prevê que esses gastos podem chegar a uma vez e meia a mensalidade. Ou seja, se a mensalidade do plano for de R$ 500 por mês, a cobrança pode chegar a R$ 750 mensais. Ao fim de um ano, isso pode equivaler a 18 mensalidades.

— O empregado está no pior dos mundos. Ele não se beneficia da redução da mensalidade, pois a maior parte das empresas não exige a contrapartida no pagamento, para que não haja vinculação após a aposentadoria. E ainda tem de arcar com um limite de coparticipação muito alto, que faz com que a resolução tenha pouca eficácia — diz a advogada Ana Carolina Navarrete, pesquisadora em saúde do Idec.

Além disso, lembra a advogada, a nova norma se sobrepõe aos instrumentos previstos na Resolução do Conselho de Saúde Suplementar, que “veda restrições severas ao uso do plano”.

Especialistas em direito do consumidor lembram que um documento da ANS de 2009, que embasava ações na Justiça questionando cobranças abusivas, orientava que percentuais acima de 30% poderiam ser considerados “fator de restrição severa de uso do plano”. A ANS, por sua vez, afirma não haver qualquer limite preestabelecido como parâmetro.

ENTENDA AS NOVAS REGRAS

1 O que a ANS definiu sobre franquias e coparticipação em planos de saúde?

Em resolução normativa publicada anteontem, a Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) definiu parâmetros para a cobrança de franquias e coparticipações em novos contratos de planos de saúde. A coparticipação é um valor pago pelo consumidor à operadora quando realiza um exame, consulta ou outro procedimento, mesmo já tendo pago a mensalidade. Nem todos os planos de saúde têm coparticipação, mas essa tendência tem crescido no mercado. Hoje, há 47 milhões de contratos de planos de saúde no Brasil. Desses, 52% têm coparticipação ou franquia. As regras, porém, só valerão para contratos novos — à exceção dos planos coletivos empresariais que, na prática, fazem repactuação anual e podem rever seus parâmetros a cada ano. No sistema de franquias, modelo que também tem crescido, há um limite de custo global, para todos os tipos de serviços, pelo qual o cliente se responsabiliza pelo pagamento — se gastar acima deste valor, é o plano que cobre. Há também a modalidade de franquia por procedimento: cada exame, consulta ou serviço tem uma franquia estipulada.

2 Quais são os novos limites para franquia e coparticipação?

Pela nova resolução da ANS, o percentual de coparticipação e franquia poderá ser no máximo de 40% do valor do procedimento. Ou seja, se o usuário fez um exame que custa R$ 1 mil, a coparticipação ou franquia poderá ser de, no máximo, R$ 400. Há ainda um limite de pagamento mensal, que deverá ser de até o valor equivalente o da mensalidade do plano. Ou seja, no exemplo acima, se a mensalidade do plano é de R$ 200, o usuário pagaria a franquia de R$ 400 em duas parcelas, R$ 200 a cada mês. O teto anual que pode ser cobrado de franquia ou coparticipação é de 12 vezes o valor da mensalidade.

3 Como ficam os limites nos planos coletivos empresariais?

Nos planos coletivos empresariais, os limites são mais flexíveis. A coparticipação ou franquia pode ser maior, caso aprovada em convenção coletiva com os trabalhadores. Assim, podem chegar a 60% do valor do procedimento. Ou seja, no caso de um exame de R$ 1 mil, o usuário pagaria até R$ 600. E o limite global do pagamento pode ser de até o valor da mensalidade mais 50%. Ou seja, por ano, o custo poderia ser o equivalente a até 18 mensalidades.

4 Essas regras valerão para todos os contratos?

A resolução da ANS determina que os parâmetros valerão apenas para novos contratos. No caso dos planos individuais, que são apenas 9 milhões no mercado, as operadoras são obrigadas a renovar anualmente os contratos antigos. Mas, no caso dos planos coletivos empresariais, que somam hoje 31,5 milhões, há uma repactuação do contrato a cada ano, explicou a ANS. Ou seja, na prática, as empresas poderão optar por aderir às novas regras de franquia e coparticipação na próxima renovação de contrato. Mas a Agência ressaltou que, caso a empresa opte por aderir à nova regra, terá de cumpri-la em todos os parâmetros (limite percentual e teto para cobrança anual).

5 Já existia algum limite para franquia e coparticipação antes dessa resolução da ANS?

Não havia normas previstas para franquia e coparticipação. Segundo a ANS, não há levantamento estatístico sobre a prática no mercado, mas “relatos dos mais diversos percentuais, que variam de 10% a 60%”. No entanto, segundo especialistas em direito do consumidor, um documento da ANS de 2009 (despacho número 611/2009, da Diretoria de Normas e Habilitação dos Produtos) embasava ações na Justiça que questionavam cobranças abusivas de franquia e coparticipação. Esse despacho orientava que percentuais acima de 30% poderiam ser considerados “fator de restrição severa de uso do plano de saúde”. A ANS, no entanto, afirma que, nos processos sancionadores no âmbito da agência, não há qualquer limite preestabelecido como parâmetro. “Não há uma orientação geral para cobrar no máximo 30%, sendo a análise realizada caso a caso”, diz a agência.

6 Os valores maiores de franquia e coparticipação poderão ser aplicados por todos os planoscoletivos, inclusive os coletivos por adesão?

A possibilidade de cobrar franquia e coparticipação maior, de até 60%, só vale para os planos coletivos empresariais. E isso só poderá ser feito se acordado por convenção coletiva, como exige a legislação trabalhista. Ou seja, mediante anuência dos empregados. No caso dos planos coletivos por adesão, como os oferecidos por sindicatos e associações, essa regra não se aplica. Segundo a ANS, apenas quando é caracterizado um vínculo empregatício ou estatutário é que o plano pode ser enquadrado como coletivo empresarial. Os planos coletivos por adesão somam hoje 6,4 milhões de contratos.

7 Como ficam atendimentos de emergência e internações?

Para estes casos, a regulamentação determina que os valores cobrados dos usuários para atendimentos realizados em pronto-socorro e em regime de internação sejam fixos. Esse valor não pode ser um percentual do gasto efetuado. Deve ser um montante fixo, em reais. E esse montante é um teto. Por exemplo, se a franquia para pronto-socorro é de R$ 200, mas o usuário fez procedimentos que custaram apenas R$ 150 (por exemplo, uma consulta), a cobrança deverá ser de no máximo R$ 150. No caso do pronto-socorro, o valor máximo para franquia ou coparticipação será ainda de metade da mensalidade do plano. Ou seja, se o plano custa R$ 400, a franquia ou coparticipação para atendimento de emergência será de no máximo R$ 200. No caso de internação, o limite para franquia ou coparticipação é o valor da mensalidade. No exemplo acima, R$ 400. Caso o atendimento de emergência se transforme em uma internação, o limite para franquia ou coparticipação será o estabelecido para internação, ou seja, não pode ser feita uma dupla cobrança (para internação e para emergência).

8 A coparticipação e a franquia podem ser cobradas de todos os procedimentos?

Não. A ANS listou 250 procedimentos que devem ser integralmente arcados pela operadora. A lista contempla desde quatro consultas anuais com generalistas (como clínicos, pediatras e ginecologistas) até procedimentos complexos e caros como hemodiálise, quimioterapia, passando por exames pré-natais e testes feitos em bebês como o do pezinho, da visão e da audição. Essa lista está disponível no site da ANS (www.ans.gov.br). Nem sempre o usuário poderá escolher onde realizar os procedimentos isentos. A norma da ANS permite que as empresas direcionem o consumidor aos prestadores de serviço da sua rede para a realização desses procedimentos, desde que respeitados os prazos máximos para atendimento estabelecidos pelas regulamentações da agência.