O globo, n. 30979, 01/06/2018. Economia, p. 17
O custo do diesel barato
Gabriela Valente e Patrik Camporez
01/06/2018
Governo corta em áreas sociais para bancar impacto de R$ 9,6 bi do acordo com caminhoneiros
-BRASÍLIA- Para compensar a redução de R$ 0,46 no preço do litro do diesel, promessa feita aos caminhoneiros para acabar com a paralisação da categoria que terá um impacto de R$ 9,6 bilhões nas contas públicas, o governo fez cortes orçamentários em praticamente todas as áreas do governo, incluindo saúde e educação. O ministro da Casa Civil, Eliseu Padilha, afirmou que postos que não repassarem a redução do preço do diesel nas refinarias para as bombas poderão ser punidos com multas de até R$ 9,4 milhões.
Entre os maiores cortes no Orçamento estão programas de interesse dos próprios caminhoneiros. O Ministério dos Transportes sofreu o maior corte: quase R$ 1,5 bilhão, dos quais R$ 371 milhões eram destinados a 40 obras em rodovias.
Na lista está ainda o corte de R$ 1,5 milhão para o “policiamento ostensivo nas rodovias e estradas federais”. A verba, que seria usada pela Polícia Rodoviária Federal, serviria, entre outros propósitos, para operações de fiscalização do transporte de cargas e aumento do policiamento em feriados. Procurada pelo GLOBO, a PRF disse que a decisão é recente e que ainda vai estudar como irá remanejar os recursos para garantir o policiamento nas estradas.
PERDA ATÉ NO SISTEMA DE TRANSPLANTES
Haverá ainda redução de verba em programas sociais como políticas para juventude, violência contra mulheres, políticas sobre drogas e fortalecimento do SUS. A saúde perderá quase R$ 180 milhões. Além de sofrer com cortes no programa de transplantes, no valor de R$ 1,3 milhão, o Ministério da Saúde vai ter de retirar R$ 34 milhões do programa Mais Médicos, outros R$ 11,8 milhões do programa de gratuidade da Farmácia Popular e R$ 38,9 milhões do que seria destinado à manutenção de unidades de saúde.
Só na área de educação, os cortes somam R$ 205,1 milhões. O montante estava previsto para garantias do Fundo de Financiamento Estudantil (Fies) e pagar bolsas no Programa de Estímulo à Reestruturação e ao Fortalecimento das Instituições de Ensino Superior (Proies). O Ministério do Desenvolvimento Social perdeu R$ 42,3 milhões, sendo quase R$ 10 milhões destinados a programas de assistência social. Foram canceladas capitalizações de empresas estatais e usados quase R$ 2,5 bilhões da reserva de contingência.
No Ministério do Meio Ambiente, chama a atenção a retirada de R$ 1,1 milhão da fiscalização ambiental e de R$ 2,9 milhões do que seria aplicado em unidades de conservação. O governo também retirou R$ 4,1 milhões para o combate ao tráfico de drogas e proteção de bens da União. Na rubrica, ainda estava incluído o combate ao tráfico de seres humanos, à exploração sexual infanto-juvenil e à pedofilia. A fiscalização de trabalho escravo e trabalho infantil também perdeu recursos.
SUSPENSÃO DE R$ 3,4 BI E CORTE DE R$ 1,2 BI
A equipe econômica justificou os cortes com a necessidade de manter o cumprimento da meta fiscal de déficit de até R$ 159 bilhões em 2018. A subvenção ao diesel custará R$ 9,6 bilhões. O governo aproveitou uma folga que conseguiu no orçamento nos quatro primeiros do ano porque arrecadou mais que previa. Esse dinheiro, entretanto, não era suficiente. Foram suspensos então R$ 3,4 bilhões de gastos que estavam previstos no orçamento, mas ainda não tinham sido liberados para os ministérios fazerem. Com isso, o corte de gastos de programas públicos, propriamente dito, será de R$ 1,2 bilhão em 2018.
O ministro do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), Sergio Etchegoyen, afirmou ontem que quem apoiou a paralisação dos caminhoneiros tem “cota de responsabilidade” no financiamento das soluções da crise. O ministro disse esperar um retorno positivo para a população com “os benefícios que os caminhoneiros ganham nesse movimento” com recálculo do custo dos fretes.
— Obviamente quem apoiava a greve e apoiava as soluções teria a sua cota de responsabilidade, com participação no financiamento disso. No fim somos nós, contribuintes, e isso inclui os caminhoneiros — disse o ministro, em entrevista coletiva no Planalto. — Tivemos um apoio de 90%, em determinado momento, da população à manifestação. É inevitável o reflexo do ponto de vista do consumidor, do contribuinte. Isso é inevitável. O governo não foi além do que era sua responsabilidade.
Foram 96 páginas de medidas publicadas numa edição extra no Diário Oficial: dois decretos, uma medida provisória e a sanção do projeto de lei que cortou a desoneração sobre a folha de pagamento de 39 setores, aprovado pelo Congresso. O texto previa que 28 setores seriam reonerados a partir deste ano. Outros 28, a partir de 2021. Mas o presidente Michel Temer vetou o benefício para 11 segmentos e, com isso, ao todo serão 39 setores reonerados já. Outros 17 terão o alívio sobre a folha de pagamentos até o fim de 2020, entre eles empresas de tecnologia da informação, comunicação e call center, por exemplo. MULTA DE ATÉ R$ 9,4 MILHÕES PARA POSTOS A desoneração é uma das quatro medidas tributárias adotada pelo governo para aumentar a arrecadação. A equipe econômica também extinguiu um programa especial feito para o setor químico, quase zerou o Reintegra — um programa de incentivo a empresas exportadoras — e ainda reduziu o crédito que empresas de refrigerantes tinham quando compravam xarope para fabricar o produto. Segundo o secretário da Receita, Jorge Rachid, técnicos constaram que, geralmente, as indústrias compram o insumo na Zona Franca de Manaus, que tem isenção tributária, mas se beneficiam de crédito por imposto não pago mesmo assim.
Rachid afirmou que o diesel já deve sair das refinarias a partir de hoje com valor reduzido. O ministro da Casa Civil, Eliseu Padilha, anunciou uma série de punições aos postos de combustíveis que não repassarem o desconto ao consumidor, entre elas multa de até R$ 9,4 milhões. Padilha disse que a Secretaria Nacional do Consumidor, vinculada ao Ministério da Justiça, estabeleceu sanções que serão definidas hoje em portaria, como suspensão temporária das atividades, cassação da licença e até a interdição do estabelecimento comercial.
Para garantir que o alívio chegue logo ao consumidor, o ministro anunciou ainda que as distribuidoras e a Fecombustíveis (Federação Nacional do Comércio de Combustíveis e Lubrificantes) vão assinar, na manhã de hoje, um termo de cooperação com o governo.
— Esse acordo de cooperação técnica obriga que chegue no consumidor esse desconto. Temos certeza que o caminhoneiro vai receber os R$ 0,46 de desconto — afirmou Padilha.
PRESIDENTE COMEMORA FIM DA GREVE EM IGREJA
A Polícia Rodoviária Federal informou ontem que não havia mais nenhum ponto de aglomeração de pessoas e veículos em áreas próximas às rodovias federais em todas as regiões. Na avaliação do governo, o país volta à normalidade, mas com o abastecimento sendo restabelecido aos poucos. Em Brasília, o presidente Michel Temer aproveitou uma vista a uma igreja da denominação evangélica Assembleia de Deus para comemorar o fim da greve:
— Com a graça de Deus, estamos encerrando a greve dos caminhoneiros. Pelo diálogo, que é o que eu prego — afirmou. — Eu não uso a força e nem a autoridade. A força, jamais.