Título: Choque de ideias
Autor: Tranches, Renata
Fonte: Correio Braziliense, 11/05/2012, Mundo, p. 16

Ao assumir o risco calculado de apoiar publicamente o casamento gay, o presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, tomou a iniciativa do primeiro debate ideológico na disputa presidencial de novembro e eletrizou as bases democrata e republicana nas discussões sobre o tema. Na imprensa norte-americana, a declaração foi definida como um "divisor de águas". Políticos de primeiro plano e analistas classificaram o gesto como histórico, comparável ao discurso de Lyndon Johnson, em 1965, em defesa dos direitos civis. Obama foi habilidoso na abordagem e não deixou de mencionar que a decisão de permitir ou não o casamento entre pessoas do mesmo sexo cabe aos estados. Mas, embora já tenha se oposto à ideia no passado, o presidente procura com ela relançar o lema da mudança e da vanguarda, tão valioso na campanha de 2008 — quando se apresentou como o primeiro negro a disputar a Casa Branca.

A entrevista de Obama à tevê ABC foi a largada para uma investida cuidadosamente planejada pelos estrategistas. Na manhã de ontem, eles postaram na internet um vídeo de campanha no qual contrapunham a declaração do presidente à resposta do provável adversário republicano, Mitt Romney, que reafirmou a oposição ao casamento gay. O vídeo trabalha a imagem do presidente e do vice, Joe Biden — que no início da semana trouxe o assunto à tona, dizendo que se sente "confortável" com a união entre homossexuais — como defensores da igualdade de direitos para todos os americanos. Tratado como um candidato de opiniões retrógradas, Romney é desafiado a rever sua posição, apontada como ainda mais conservadora que a do ex-presidente George W. Bush, também republicano, que chegou a se dizer favorável a algum tipo de união legal entre pessoas do mesmo sexo.

A líder da minoria democrata na Câmara dos Deputados, Nancy Pelosi, endossou o presidente e argumentou que seu posicionamento está ajudando a "escrever a história". Segundo a deputada, garantir a igualdade a todos os americanos "é mais importante do que qualquer consequência política". Ativistas LGBT e dos direitos humanos, como era de esperar, comemoraram as declarações do presidente.

O jornal The New York Times afirmou que Obama aceitou um "risco considerável" ao se lançar nesse debate, em um ano em que a disputa se mostra bastante apertada. Uma aposta que poderá custar alto principalmente nos estados-pêndulos, onde os eleitores costumam se decidir no último momento. Um desses estados, a Carolina do Norte, aprovou na terça-feira uma lei que proíbe o casamento gay.

Votos na mira

Segundo analistas consultados pelo Correio, com essa estratégia, que não deve afastar a economia da posição de principal tema da campanha, Obama quer reforçar o apoio de três principais grupos que poderão assegurar sua reeleição: os jovens, as mulheres e, obviamente, as minorias. O perigo maior está no eleitorado latino e afro-americano, que, apesar de demonstrar apoio ao presidente, pode considerar o posicionamento ofensivo a suas convicções religiosas, como explicou a professora de sociologia Mary Bernstein, da Universidade de Connecticut. "Mas esses grupos não são suscetíveis a apoiar Romney em número significativo", disse.

Por outro lado, o tema poderá ajudar o candidato republicano a mobilizar o eleitorado mais conservador, que até agora se mostrou relutante a endossar um político visto em seu partido como muito liberal. "A maioria dos que são pró-casamento gay já ia votar em Obama, e aqueles que são fortemente contrários à medida já iam apoiar Romney", afirmou Edward Schiappa, diretor do Departamento de Estudos da Comunicação da Universidade de Minnesota, especialista no tema. Schiappa reconhece que a posição de Obama poderá lhe custar alguns votos, mas acha que ele tomou a atitude correta, a exemplo dos presidentes Johnson e John Kennedy. "Historicamente, foi a coisa certa a fazer. Ao tomar uma decisão baseada em princípios, ganhará adeptos de volta."

Cientista político da Universidade de Utah, Matthew Burbank considerou a atitude de Obama um cálculo político arriscado, para o qual foi preciso "coragem", mas que teve reflexos mundo afora. "Ativistas em todo lugar já estão usando a declaração do presidente como forma de pressionar seus próprios líderes a fazerem o mesmo", afirmou. Burbank citou o exemplo do primeiro-ministro da Nova Zelândia, John Key, que afirmou ontem que "pessoalmente não se opõe ao casamento gay". O analista disse que Obama, agora, associou-se ao grupo do presidente eleito da França, o socialista François Hollande, e do premiê britânico, o conservador David Cameron. "À medida que se torna politicamente mais seguro para os líderes mundiais apoiar o casamento homossexual, a oposição a ele se tornará cada vez menos defensável."

"Historicamente, foi a coisa certa a fazer. Ao tomar uma decisão baseada em princípios, Obama ganhará adeptos de volta" Edward Schiappa, diretor do Departamento de Estudos da Comunicação da Universidade de Minnesota

"À medida que se torna politicamente mais seguro para os líderes mundiais apoiar o casamento homossexual, a oposição a ele se tornará cada vez menos defensável" Matthew Burbank, cientista político da Universidade de Utah