O globo, n. 31006, 28/06/2018. País, p. 3

 

Ciro e o mercado

Luíz Lima

Sérgio Roxo

28/06/2018

 

 

Sem sintonia Clara com seu principal economista, presidenciável faz palestra hoje para o setor

A falta de alinhamento entre o pré-candidato do PDT a presidente, Ciro Gomes, e o seu principal assessor na área econômica, Mauro Benevides Filho, na apresentação de propostas é um dos motivos de preocupação do mercado financeiro em relação ao presidenciável. Hoje o pedetista vai falar, pela primeira vez, ao setor durante encontro promovido pela empresa de investimentos XP. As diferenças de ideias na pré-campanha ficam claras em duas das mais polêmicas promessas feitas por Ciro até agora: cancelar os leilões do pré-sal feitos pelo governo do presidente Michel Temer e criar um teto para o pagamento da dívida pela União.

Ciro menciona as duas propostas como certas, enquanto Benevides diz que elas ainda estão sendo analisadas. O pedetista tem enfrentado resistência no mercado, apesar de destacar que o seu eventual governo terá compromisso com a responsabilidade fiscal e promoverá medidas defendidas pelo setor, como a reforma da Previdência.

— O Mauro é técnico. O Ciro é político. E em função dessa diferença é que acredito que nem tudo que o Ciro está falando ele vai cumprir — afirma Zeina Latif, economista-chefe da XP Investimentos, que considera Ciro um “político à moda antiga”. — Há questões que destoam muito no discurso de um e de outro. E fico bastante em dúvida se é para valer o discurso do Ciro — complementa a economista.

Segundo um analista político do mercado que pediu para não ser identificado, há preocupação sobre as pautas apresentadas pelo pré-candidato do PDT e temor real com relação às diferenças entre os discursos dele e de Benevides.

— O Ciro fala que vai revogar o teto de gastos e que vai apresentar outra proposta. O Mauro faz algumas ressalvas sobre a posição do Ciro, traz mais detalhes. Algumas mensagens, mal interpretadas, provocam receio — diz.

Benevides é o homem designado pelo pré-candidato do PDT para dialogar com o setor financeiro. Apesar de não haver uma estratégia da campanha para vencer as resistências, o assessor tem conversado com quem o procura. De perfil técnico, o economista foi secretário da Fazenda do Ceará por 12 anos nas gestões de Cid e do atual governador Camilo Santana (PT), que é aliado do clã liderado por Ciro. Além da XP, ele se reuniu nas últimas semanas com representantes do Goldman Sachs e do Bank of America .

POLÊMICA NA EXPLORAÇÃO DO PETRÓLEO

Ciro tem defendido abertamente a expropriação de todos os campos de petróleo leiloados para empresas estrangeiras no governo Temer. “Para ser claro para o investidor estrangeiro, estou anunciando e repetirei: todos os campos de petróleo brasileiros que foram vendidos no exterior após o golpe e após a revogação da Lei de Partilha serão expropriados — com a devida compensação”, afirmou no dia 14 de junho em entrevista à revista “Americas Quarterly”.

Questionado sobre a proposta do presidenciável, o assessor econômico respondeu:

— Confesso que não vi exatamente o contexto que ele falou, então não vou comentar.

Em sabatina promovida em maio pelo UOL, SBT e a “Folha de S. Paulo”, o pedetista foi contundente ao afirmar que revogaria o teto de gastos aprovado pelo governo Temer e que proporia, em substituição, um modelo próximo ao adotado nos Estados Unidos de limite de pagamento da dívida:

— Existe algum controle nos Estados Unidos? Existe. E envolve todos os gastos, o que é razoável. Vamos botar um limite aí na expansão no gasto com dívida. Pergunta se esse mercado quer isso? Não. Eles querem que a conta dos juros seja livre e que a gente faça (economia) em cima das costas do nosso povo machucado.

Já Benevides é mais cauteloso ao tratar da proposta de limite de pagamento da dívida:

— Isso ainda está em análise. Só depois que ele decidir que a gente vai falar. Não tem nada, absolutamente nada sobre isso — afirma.

Irmão de Ciro, Cid Gomes afirma que as diferenças de discursos serão dissipadas com o economista se alinhando ao pedetista.

— Pode ter certeza que é o Mauro que vai ter que se ajustar ao Ciro. É claro, é óbvio (que vale a palavra do Ciro) — diz ele.

Para Nelson Marconi, coordenador do programa de governo do pré-candidato, é Ciro quem decide o que enfatiza ou não e em que momento isso deve ser feito.

— Quem dá o tom e a relevância é o político. O nosso papel, mais técnico, é o de discutir, ouvir as propostas e colocar nosso ponto de vista.

TEMPERAMENTO PREOCUPA

Outras preocupações citadas por agentes do mercado financeiro em relação a Ciro são a ordem das medidas propostas, com menos prioridade que o ideal à reforma da Previdência, a ênfase do ajuste fiscal mais pelo lado da receita do que pelo gasto, e também a resistência em privatizar estatais, sobretudo a Eletrobras, além de queixas sobre o temperamento do pré-candidato a presidente da República do PDT.

— Pinçam essa questão do temperamento para tentar justificar uma impressão errada sobre o Ciro e criticá-lo. Já houve algum ato dele em algum cargo que justifique essa conclusão? Não há nenhum elemento na trajetória do Ciro que indique que ele possa ser uma ameaça ao mercado. Nunca produziu déficits — defende Mauro Benevides Filho.

De acordo com Cid, seu irmão não publicará uma carta aos brasileiros, como fez Lula antes das eleições de 2002, e esclarece que o presidenciável não é contra os bancos, mas sim contra os juros abusivos.

— Quem é do mercado e tem preocupação com produção terá no governo do Ciro um grande parceiro, com várias experiências. O governo brasileiro nos últimos anos tem sido um Robin Hood ao contrário: tira dos pobres para dar para os bilionários. E o Ciro vai procurar mudar isso — afirma o ex-governador cearense.

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Em busca de aliados, Alckmin deve deixar convenção para último momento

Cristiane Jungblut

28/06/2018

 

 

Encontro pode ficar para agosto à espera de partidos como DEM, PP e PRB

Com dificuldades para fechar alianças com outros partidos, o pré-candidato do PSDB à Presidência, Geraldo Alckmin, deve deixar a convenção nacional da sigla, destinada a referendá-lo como o nome tucano ao Planalto, para os últimos dias do calendário eleitoral. Inicialmente planejada para ocorrer no dia 21 de julho, a reunião pode ser marcada para o dia 28 do mesmo mês ou até para 4 de agosto. O ex-governador de São Paulo é o presidente nacional da legenda.

A escolha da data, segundo integrantes da cúpula tucana informaram ao GLOBO ontem, passou a depender do avanço das negociações com os partidos do chamado centrão — DEM, PP, PRB e Solidariedade —, agrupados em torno do presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), que ainda resistiriam a apoiar a pré-candidatura de Alckmin.

— O mais provável é que seja no dia 28, salvo se as alianças avançarem antes — disse um integrante do comando da campanha.

O prazo final da legislação eleitoral para as convenções e escolha dos candidatos é 6 de agosto. Diferentemente da eleição de 2014, quando o lançamento oficial da campanha de Aécio Neves ocorreu em Brasília, o PSDB deve fazer seu encontro para referendar Alckmin em São Paulo.

Na próxima semana, o précandidato tucano, que enfrenta desconfianças sobre seu potencial eleitoral até mesmo dentro do PSDB, terá um encontro considerado crucial para a conquista do apoio desse bloco de partidos do centrão. Integrantes do DEM, PP, PRB e Solidariedade vêm fazendo uma espécie de leilão de apoio nas últimas semanas. Além do encontro marcado com Alckmin, os líderes do centrão já estiveram com os pré-candidatos Ciro Gomes (PDT), Alvaro Dias (Podemos) e Flávio Rocha (PRB).

A menos de um mês do prazo das convenções de julho, o pré-candidato do PSDB diz ter o apoio de quatro partidos — PSD, PTB, PV e PPS. O desafio é atrair para a aliança o DEM, aliado tradicional dos tucanos, e as demais siglas do centrão.

As dificuldades no PSDB ficaram evidentes na esvaziada festa de comemoração dos 30 anos de fundação da legenda, na terça-feira, em Brasília, em que a ausência das principais lideranças tucanas, como o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, ofuscou a presença de Alckmin e seus aliados.

Em sua passagem por Brasília, Alckmin reforçou as conversas com integrantes do DEM. Ele se reuniu com o senador José Agripino (DEMRN), que defende a aliança com o PSDB. No encontro, Alckmin ouviu que integrantes do DEM e de outros partidos de centro ainda duvidam de sua viabilidade eleitoral.

— Somos antigos amigos. Disse a ele que o partido estava dividido. Mas ele tem grandes preferências dentro do DEM — disse Agripino ao GLOBO.

REJEIÇÃO PREOCUPA

O partido de Agripino encomendou uma pesquisa para medir o potencial eleitoral dos pré-candidatos e agora está preocupado com o alto índice de rejeição registrado por Alckmin. Os defensores da candidatura tucana argumentam que a aliança deve ser consumada e que o deputado Mendonça Filho (DEM-PE), ex-ministro da Educação de Michel Temer, tem de ser indicado para ocupar o posto de vice de Alckmin. Por enquanto, Mendonça é candidato ao Senado.