O globo, n. 31006, 28/06/2018. País, p. 6

 

Procuradores atacam STF por libertar condenados

Dimitrius Dantas

Gustavo Schmitt

28/06/2018

 

 

Força-tarefa sustenta que caminho está aberto para a impunidade

Procuradores do Ministério Público Federal (MPF) que atuam na Lava-Jato usaram as redes sociais para reagir às decisões da Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal (STF), que, anteontem, pôs em liberdade dois condenados em segunda instância por crimes revelados durante a operação. O procurador Deltan Dallagnol alertou para o risco de outros presos serem soltos com base neste entendimento:

— A soltura de (José) Dirceu, por exemplo, pode significar soltura dos demais presos da Lava-Jato, salvo nos casos de prisão preventiva mantidas em todos os quatro tribunais. Basta lembrar das recentes solturas determinadas pelo ministro Gilmar (Mendes) para perceber que as comportas da Justiça estão se fechando — criticou.

Durante a sessão, além de decidirem pela libertação do ex-ministro José Dirceu, os ministros Gilmar Mendes, Dias Toffoli e Ricardo Lewandowski também libertaram o ex-tesoureiro do PP João Cláudio Genu; mantiveram livre o operador Milton Lyra; anularam provas recolhidas em buscas no apartamento funcional da senadora Gleisi Hoffmann (PTPR); e trancaram a ação penal contra o deputado estadual Fernando Capez, que havia sido flagrado no escândalo conhecido como “máfia das merendas”.

Coordenador da força-tarefa da Lava-Jato em Curitiba, Dallagnol afirmou que a decisão reforça a sensação de impunidade para os criminosos do colarinho branco:

—Decisões dos ministros Gilmar, (Dias) Toffoli e (Ricardo) Lewandowski sobre preventivas e execução provisória tiram o Brasil dos trilhos que poderiam conduzir ao rompimento da impunidade dos poderosos. São imensos retrocessos em termos de império da lei. É esse Brasil que queremos? — questionou.

DESRESPEITO À JURISPRUDÊNCIA

Para o procurador, os ministros desrespeitaram a decisão do plenário do STF que decidiu, em 2016, pela prisão após a condenação em segunda instância, a chamada execução provisória da pena:

— Desobedecendo ao colegiado do STF, os três ministros não reconheceram a execução da pena após a decisão em segunda instância. Tentaram disfarçar, mas violação é clara. Não tem sentido dizer que o STF não autorizou prisão em segunda instância de modo automático. Caso se exigissem requisitos de prisão preventiva, para além da confirmação da sentença em segunda instância, não se trataria de execução provisória, e sim prisão preventiva.

A procuradora Monique Cheker, da força-tarefa da Lava-Jato no Rio de Janeiro, criticou o mandato vitalício de ministros do Supremo.

— Hoje, infelizmente, vitaliciedade para alguns ministros do STF virou base para o cometimento dos maiores arbítrios, sem sombra de responsabilidade.

A procuradora da força-tarefa da Lava-Jato em São Paulo Thaméa Danelon compartilhou mensagem de outro procurador, Roberson Pozzobon, de Curitiba, para também criticar o tribunal.

— O STF deve ser o guardião da Constituição e não da injustiça e da impunidade — disse.

Também da força-tarefa paulista da Lava-Jato, Janice Ascari lamentou o impacto que as decisões do STF causam nas instâncias inferiores.

— Preciso parar de tentar entender as estranhas decisões do STF. E não pensar no quanto elas impactam violentamente os milhares de processos aqui no andar de baixo — disse.

Apesar das manifestações em redes sociais, que mostram indignação com as decisões dos ministros, integrantes da Lava-jato em Curitiba acreditam que a tendência das votações no plenário da Corte é passageira.

Eles esperam que o placar das votações na 2ª Turma e no plenário se inverta a partir de setembro, quando Toffoli assumirá a presidência. Ao assumir o comando da Corte, Toffoli deixa a 2ª Turma e seu lugar será ocupado por Cármen Lúcia, atual presidente, cujo voto, para a força-tarefa, é mais favorável às investigações.

“A soltura de Dirceu, por exemplo, pode significar soltura dos demais presos da Lava-Jato, salvo nos casos de prisão preventiva mantidas em todos os quatro tribunais”

Deltan Dallagnol

Coordenador da operação Lava-Jato em Curitiba

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Marco Aurélio: Cármen manipula pauta da Corte

Renata Mariz

Carolina Brígido

28/06/2018

 

 

Ministro defende nova análise sobre prisões após segunda instância

O ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Marco Aurélio Mello acusou ontem a presidente da Corte, ministra Cármen Lúcia, de manipular a pauta de julgamentos do tribunal. Ele é relator de três ações que tratam da possibilidade de condenados por tribunais de segundo grau serem presos, mesmo que ainda tenham o direito de recorrer a outras instâncias do Judiciário. Embora tenha liberado para julgamento, em dezembro do ano passado, dois desses processos, e o terceiro, já em abril deste ano, com pedido de urgência, Marco Aurélio foi ignorado por Cármen, que não incluiu nenhum deles na pauta do plenário.

— A ministra Cármen Lúcia, que define a data para julgamento, está com a palavra. Sem dúvida alguma, tempos estranhos. Estou aqui há 28 anos e nunca vi manipulação da pauta como esta — criticou o ministro.

No início do ano, a presidente alegou não haver necessidade de se rediscutir o assunto, já que o mesmo plenário do Supremo definiu, em 2016, a regra que autorizou o início do cumprimento das penas a partir da condenação em segunda instância. O problema é que alguns ministros mudaram de opinião em relação ao que decidiram há dois anos e, por isso, um grupo no tribunal defende um novo julgamento. Para Marco Aurélio, se houvesse uma nova decisão, não haveria divergência entre o entendimento da Primeira e da Segunda Turma do tribunal, cada uma composta por cinco ministros, que hoje analisam como querem — ignorando a jurisprudência da Corte — as questões que envolvem prisão em segunda instância.

— Não teríamos o descompasso entre as duas turmas (se a ação sobre segunda instância fosse julgada em plenário). A divergência, eu rotulo como intestina, que maior descrédito ocasiona ao Judiciário — disse.

Não é só Cármen Lúcia que foi acusada de manipular a pauta. Em caráter reservado, ministros da Segunda Turma acusam o colega Edson Fachin de usar “mecanismos para suprimir a competência do colegiado”, classificando o expediente como forma de “manipular” os julgamentos. Os comentários se referem à decisão do relator da Lava-Jato de levar determinados casos ao plenário. O último deles foi o pedido de liberdade do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT).

“MAIOR INSTITUCIONALIDADE”

Ontem, Gilmar citou como exemplo de que o STF estaria voltando à “normalidade” a decisão recente do plenário proibindo conduções coercitivas de investigados para prestar depoimento e também a decisão da Segunda Turma anulando a busca e apreensão realizada no apartamento funcional ocupado pela senadora Gleisi Hoffmann (PT-PR).

— Acho que tivemos boas decisões no plenário, acho que a gente está voltando para um plano de maior institucionalidade — afirmou Gilmar.

Fachin, por sua vez, ponderou que “o dissenso é natural” no colegiado e que o juiz não leva em conta ideologias na hora de analisar um processo.

— Juiz não tem ideologia nem segmento para pender para um lado A ou para um lado B — disse Fachin.

Acostumando a ser derrotado na Segunda Turma, Fachin disse que considera normal o resultado dos julgamentos:

— O colegiado é formado de opções distintas.

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Juíza determina que Dirceu se apresente à vara comandada por Moro

Jailton de Carvalho

28/06/2018

 

 

Segundo magistrada, medidas cautelares podem incluir uso de tornozeleira

A juíza Leila Cury, da Vara de Execuções Penais do Distrito Federal, determinou que o ex-ministro José Dirceu compareça, em até cinco dias, à 13ª Vara Federal de Curitiba para cumprir medidas cautelares estabelecidas contra ele em um dos processos a que responde na Operação Lava-Jato. Uma dessas medidas, de acordo com a juíza, deve ser o uso de tornozeleira eletrônica. Dirceu deixou o presídio da Papuda na madrugada de ontem por decisão da Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal (STF).

O ex-ministro foi condenado, inicialmente, a 20 anos e 10 meses de prisão pelo juiz Sergio Moro, da 13ª Federal de Curitiba. Ano passado, o Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4) ampliou a pena para 30 anos e 9 meses. Ontem, a Segunda Turma do STF entendeu que o ex-ministro pode aguardar o resultado dos recursos contra a condenação em liberdade.

“Assim, considerando que no bojo do acórdão da lavra de Sua Excelência ministro Dias Toffoli há menção expressa no sentido de que José Dirceu retorna à situação processual anterior, instituída pela ordem de habeas corpus concedida no julgamento do HC 137.728/PR, forçoso concluir que ele deverá permanecer à disposição do Juízo da 13ª Vara Federal da Seção Judiciária do Paraná, para dar continuidade ao cumprimento das medidas cautelares diversas da prisão preventiva anteriormente impostas, inclusive para instalação de nova tornozeleira eletrônica, se o caso”, informou a juíza em despacho.

O advogado Roberto Podval, que defende Dirceu, disse que está aguardando alguns esclarecimentos sobre a situação do ex-ministro para decidir os próximos passos da defesa. Na decisão de ontem, o STF determina que Dirceu “retorne” para a situação anterior à prisão.

Neste caso, Dirceu teria que usar tornozeleira eletrônica e ficaria impedido de deixar o Distrito Federal, onde mora. Isso seria um tipo de punição e, portanto, teria que ser descontado da pena final, segundo o defensor. Para Podval, existem dúvidas se a competência legal para a definição das novas regras caberia à 13ª Vara de Curitiba ou à Justiça em Brasília.

— Só a partir dessa decisão vamos definir os rumos da defesa — afirmou o advogado.

Na manhã de ontem, depois de deixar a prisão, Dirceu se apresentou à Vara de Execuções Penais do Tribunal de Justiça do Distrito Federal para ser informado sobre os procedimentos processuais preliminares a serem adotados a partir de agora.

Dirceu está em liberdade desde 1h30m da madrugada de ontem, quando deixou o Complexo Penitenciário da Papuda. Por volta das 11h, o ex-ministro deixou o apartamento onde mora, no Sudoeste, e seguiu em direção ao fórum. Na saída, chegou a arriscar um palpite para o jogo entre Brasil e Sérvia.

— Bom jogo para o Brasil. Vai ser 1 a 0 para o Brasil — disse Dirceu, que errou o palpite por pouco e não respondeu a outras perguntas feitas pelos jornalistas.

Ontem também foi determinada a soltura do ex-tesoureiro do PP João Cláudio Genu, outro beneficiado por decisão da Segunda Turma do STF. Ele estava no Complexo Médico-Penal de Pinhais, na Região Metropolitana de Curitiba.