O globo, n. 31005, 27/06/2018. País, p. 4

 

PF apura nova suspeita de propina a coronel

Cleide Carvalho

27/06/2018

 

 

Planilha apreendida em cofre na casa de Lima indica suposto pagamento por contrato no Porto de Santos; A administradora do Porto afirmou que está à disposição da Justiça para apoiar as investigações

-SÃO PAULO- A Polícia Federal investiga novos indícios de pagamentos de propina ao coronel João Baptista Lima Sobrinho, amigo do presidente Michel Temer, referente a contratos do Porto de Santos. No cofre da Argeplan, empresa do coronel, foi encontrada pela PF uma planilha que indicaria o repasse, para Lima, de 17% de um contrato de R$ 50 milhões firmado entre uma empresa de coleta e incineração de resíduos e a Codesp, administradora do terminal santista.

O contrato foi firmado com um consórcio formado pela Transportadora Júlio Simões e a Coletora Pioneira, em 1998, e vigorou por 15 anos. Segundo a PF, a planilha trazia a inscrição 17% ao lado do nome da J.P. Tecnolimp, empresa pertencente ao grupo Julio Simões e que herdou o contrato assinado com a Codesp. Ainda em 1998, segundo as investigações, o consórcio fez um acordo de acionistas com a Eliland, braço de uma offshore no Uruguai.

Segundo a PF, a Eliland ficaria com cerca de R$ 8,5 milhões a título de dividendos, valor que corresponde justamente aos 17% informados na planilha. Ainda de acordo com a PF, as movimentações financeiras da Eliland eram feitas por Almir Martins Ferreira, contador da Argeplan. Ferreira também foi responsável por contas de campanhas do presidente Michel Temer na década de 1990.

O contador Almir Ferreira e o coronel Lima foram alvos da Operação Skala, autorizada pelo ministro Luís Roberto Barroso, do Supremo Tribunal Federal (STF), em março passado para investigar supostos benefícios do presidente Michel Temer a operadoras portuárias. Ferreira aparece como gerente da Eliland, que tem sede no Brasil em endereço fictício. Em depoimento à Policia Federal, em maio passado, Ferreira disse apenas que se lembrava de um contrato da Eliland com a Rodrimar, mas que não se recordava de valores.

 

“LARANJA PERFEITO”

Na última sexta-feira, outro sócio da Eliland, o advogado Paulo Siqueira, prestou depoimento à PF em São Paulo. Aos agentes, disse que se considerava um “laranja perfeito” porque cedeu seu nome para ser usado pela offshore, mas que não acompanhou os negócios.

Não é a primeira vez que a Rodrimar é citada no esquema envolvendo o Porto de Santos. A operadora portuária é investigada por suposto favorecimento no decreto dos Portos, assinado por Temer em maio de 2017. A PF investiga a atuação do ex-deputado e assessor de Temer, Rodrigo Rocha Loures, como interlocutor do governo junto ao setor portuário. O ex-assessor do emedebista foi preso, após ser flagrado, em operação controlada da Polícia Federal, recebendo uma mala com R$ 500 mil de um executivo da J&F.

Amigo de Temer desde os anos 1980, quando o presidente foi secretário de Segurança de São Paulo, o coronel Lima também apareceu na delação do Grupo J&F. O executivo Ricardo Saud disse ter mandado entregar no escritório dele R$ 1 milhão em espécie, a pedido de Temer. A Argeplan, empresa de Lima, foi ainda contratada pela Eletronuclear, por R$ 160 milhões, para obras na usina de Angra 3.

Além disso, em delação premiada, José Antunes Sobrinho, sócio da Engevix, disse que “a Argeplan só conseguiu o contrato (com a Eletronuclear) por ser ligada a Michel Temer” e subcontratou a Engevix “porque não tinha capacidade para o serviço”. Segundo Sobrinho, Lima teria recebido R$ 1 milhão pelo negócio.

Lima se tornou sócio da Argeplan em 2011, mas a PF desconfia que ele estava ligado aos negócios da empresa bem antes disso. O GLOBO apurou, em documentos arquivados da Junta Comercial de São Paulo, que, em 1988, Lima assinou um documento na condição de procurador de um antigo sócio da Argeplan.

A mulher do coronel Lima, Maria Rita Fratezi, pagou em dinheiro reformas na casa de Maristela Temer, filha do presidente. Em depoimento à PF, Antonio Carlos Pinto Junior, dono da empresa Qualifac, um dos fornecedores da obra, disse que Maria Rita “insistiu” que queria pagar uma primeira parte em dinheiro vivo, no total de R$ 56,5 mil, mas que recusou e o valor foi depositado em conta corrente.

Em nota, o Grupo Júlio Simões nega qualquer pagamento de vantagens indevidas a qualquer pessoa ou empresa em função do contrato de prestação de serviços no Porto de Santos. “Tal contrato foi vencido pelo menor preço em licitação e tinha validade de 15 anos (1998 a 2013); foi cumprido à risca, sem aditivos sobre prorrogação de vigência ou modificação de preço. Jamais houve sociedade ou acordo de acionista com uma empresa chamada Eliland, a qual desconhecemos”, afirma a nota.

A Codesp informou que está à disposição da Justiça e, “se provocada por quaisquer órgãos (inclusive de investigação) e com pleno conhecimento dos fatos”, adotará as providências necessárias, inclusive instauração de sindicância e processos administrativos.

O advogado do coronel Lima não retornou o contato feito pelo GLOBO, assim como a empresa Pioneira, que integrou o consórcio com a Transportadora Júlio Simões.

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TCU: decreto dos portos deu benefício indevido

Mateus Coutinho

27/06/2018

 

 

Auditoria será encaminhada à PGR, que investiga irregularidades

-BRASÍLIA- O Tribunal de Contas da União (TCU) entendeu ontem que o Decreto dos Portos, sancionado pelo presidente Michel Temer, em 2017, beneficiou de forma indevida empresas do setor portuário ao permitir a prorrogação dos contratos de arrendamento para até 70 anos. O tribunal decidiu encaminhar uma representação à Procuradoria Geral da República (PGR) para que seja avaliado se a norma — que está no centro de um inquérito do Supremo Tribunal Federal (STF) envolvendo Temer — desrespeitou a Constituição.

A Corte de Contas também determinou ao Ministério dos Transportes que só seja permitida uma única prorrogação, respeitando o prazo original dos contratos assinados antes de 2017. O tribunal não entrou no mérito das suspeitas envolvendo favorecimento de empresas, no caso, a Rodrimar e o Grupo Libra.

A decisão foi tomada a partir de um consenso entre os ministros de que o decreto era inconstitucional, já que a possibilidade de prorrogação para até 70 anos prejudica as outras empresas que participaram das licitações — quando não havia esta previsão. O relator, ministro Bruno Dantas, defendeu inicialmente que fosse proibida a prorrogação de contratos anteriores de 2017 até o limite de 70 anos. Entretanto, o ministro Benjamin Zymler ressaltou que essa medida, na prática, seria uma forma de considerar o decreto inconstitucional, o que não é atribuição do TCU.

— É uma grande benesse para o setor esse decreto. Acho que ninguém aqui duvida disso — afirmou em seu voto o ministro Walton Alencar.

A auditoria do polêmico decreto começou a partir de uma provocação da equipe técnica do TCU sobre três aspectos da nova legislação:a ampliação do prazo dos contratos de arrendamento, de até 50 anos para até 70 anos; a possibilidade de se fazer investimentos em áreas públicas dos portos e a possibilidade de se substituir áreas utilizadas pelas empresas arrendatárias dentro de um porto. A partir dela, os técnicos do tribunal recomendaram que fosse suspenso todos os processos de adequação de contratos de arrendamento no Ministério dos Transportes.

A primeira legislação sobre o setor portuário data de 1993 e já previa o prazo máximo de 50 anos para o arrendamento, considerando a prorrogação dos contratos. Em 2013, durante o governo Dilma Rousseff (PT), foi sancionada a chamada Lei dos Portos para regulamentar o setor. O texto previa expressamente que os contratos poderiam ser de 25 anos, prorrogáveis por mais 25.

Com o Decreto dos Portos, porém, essa possibilidade foi ampliada para 35 anos prorrogáveis por mais 35, o que chamou a atenção da área técnica do TCU e levou ao julgamento desta tarde.

Em nota, o Ministério dos Transportes “reitera que todas as proposições foram embasadas em critérios técnicos a partir do diálogo produtivo e transparente com as entidades do setor privado, com o acompanhamento permanente da AGU e da Controladoria Interna deste Ministério”.

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Empate no STF em ação contra presidente do PP

27/06/2018

 

 

 

 

 

Gilmar Mendes pediu vista após votos de Fachin e Dias Toffoli

-BRASÍLIA- Um pedido de vista, feito pelo ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal (STF), interrompeu o julgamento da denúncia oferecida contra o presidente do PP, senador Ciro Nogueira (PI), acusado de corrupção passiva e lavagem de dinheiro na Operação Lava-Jato. O ministro Edson Fachin, relator do caso na Segunda Turma, votou por tornar o senador réu. Dias Toffoli divergiu do colega, votando pela rejeição da denúncia, e Gilmar Mendes pediu mais tempo para analisar o processo.

Os três ministros concordaram em um ponto: rejeitaram a denúncia na parte em que acusa os advogados Fernando de Oliveira Hughes Filho e Sidney Sá das Neves de supostamente terem repassado recursos ilícitos da UTC Engenharia, por meio de contratos fictícios, ao senador. Quanto a esse tópico da acusação, que inclui também Ricardo Pessoa, dono da empreiteira, Fachin afirmou não haver elementos de prova suficientes.

Já sobre as acusações contra Ciro Nogueira, apontado como destinatário de R$ 2 milhões de propina da UTC Engenharia, em troca de promessas de favorecimento da empreiteira em obras públicas, Fachin elencou elementos de prova como documentos, sintonia entre delações premiadas, reconhecimento por meio de fotografias de emissários do senador e extratos bancários.

Fachin votou pelo recebimento da denúncia, por corrupção passiva e lavagem de dinheiro, também em relação a Fernando Mesquita de Carvalho Filho, auxiliar do senador, e Ricardo Pessoa — esse último por corrupção ativa. Segundo a denúncia da PGR, entre fevereiro e março de 2014, R$ 1,4 milhão em espécie foram entregues na casa do senador, diretamente a Fernando. O remetente teria sido o doleiro Alberto Yousseff, responsável pela contabilidade paralela da empreiteira, de acordo com a acusação.

O julgamento da denúncia, feita pela PGR ainda em 2016, não tem data para ser retomado. O ministro Ricardo Lewandowski nem chegou a votar. Celso de Mello não estava presente na sessão da Segunda Turma.