O globo, n. 27/06/2018, 27/06/2018. País, p. 7

 

Mariana: moradores criticam acordo na Justiça

Ana Lúcia Azeredo

27/06/2018

 

 

Para eles, após dois anos e sete meses do desastre, vítimas continuam sem voz e definição sobre indenizações

Atingidos pelo rompimento da barragem de rejeito de mineração da Samarco, em 2015, temem pelo tempo que ainda levará para receberem indenização e dizem não ter participado das negociações que resultaram no acordo anunciado segundafeira. Participaram do compromisso a mineradora, suas controladoras (Vale e BHP Billiton), ministérios públicos, as defensorias e os governos de Minas Gerais e do Espírito Santo e mais nove órgãos públicos.

O novo acordo extingue um ação pública de R$ 20 bilhões, suspende outra de R$ 155 bilhões por dois anos e prevê a participação de representantes dos atingidos na negociação, mas esta foi considerada limitada e desproporcional. Antes, eles não participavam das instâncias criadas para gerir os danos do desastre.

Ex-dirigente da Comissão dos Atingidos de Mariana, Lucimar Muniz destaca que não houve participação dos atingidos. Segundo ela, uma equipe do MP esteve no escritório dos atingidos em fevereiro, mas não houve retorno oficial:

— O máximo que conseguimos foi um mero papel consultivo. Falar de representatividade em conselhos controlados por mineradoras não é certo. Não temos o menor poder deliberativo.

Os atingidos terão direito a duas das nove cadeiras do Conselho Curador da Fundação Renova, criada pelo termo de ajustamento de conduta para indenizar, compensar e reparar os danos. As mineradoras têm seis. E o Comitê Interfederativo (que valida os atos da Renova), uma. No próprio comitê, terão três assentos, em 16. O coordenador da força-tarefa do MPF em Minas, José Adércio Leite Sampaio, diz que a parte mais importante é a participação dos moradores nas Comissões Locais e Câmaras Regionais criadas para acompanhar o andamento das ações da Renova.

— A Renova deixará de ter o protagonismo que tem hoje. As câmaras regionais imporão mais controle sobre ela — assegura.

Giovani Krenak, do povo krenak em Resplendor, lamenta que, passado tanto tempo, os atingidos ainda tenham que lutar por mais participação no processo que decide suas vidas. Já o advogado Leonardo Amarante, que representa 1,5 mil pescadores do ES, diz que nem todos os pontos estão claros:

— Não há definição sobre a continuação da proibição da pesca, sobre o reconhecimento dos atingidos — observa.

Raquel Oliveira, do Grupo de Estudos em Temáticas Ambientais da UFMG, afirma que o documento ainda está sendo analisado, mas já fica claro que a participação não é paritária nem aberta e “e pode dar uma falsa ideia de validação a acordos nos quais os atingidos não tiveram voz ativa”.

O diretor-presidente da Samarco, Rodrigo Vilela, em nota, reafirmou o compromisso da empresa com as comunidades e os locais impactados. Em nota, a Renova afirmou que acolhe a participação dos atingidos como um avanço na governança.