O globo, n.031004 , 26/06/2018. País, p. 15
Imposto sindical na Justiça
Bruno Dutra e Marcello Corrêa
26/06/2018
Ações que questionam mudança na contribuição triplicam e chegam a 15.551 desde dezembro
A disputa pelo imposto sindical, que passou a ser facultativo desde que a reforma trabalhista entrou em vigor, em novembro, praticamente triplicou o número de ações que questionam esse ponto da legislação na Justiça do Trabalho. De acordo com dados do Tribunal Superior do Trabalho (TST), entre dezembro de 2017 e maio deste ano, 15.551 ações relacionadas à regra chegaram aos tribunais. O volume é 161% maior do que o registrado um ano antes — entre dezembro de 2016 e maio de 2017 — quando foram protocolados 5.941 processos ligados a questões relacionadas às taxas sindicais.
O TST não especifica quem são os autores das ações. O levantamento inclui questionamentos de sindicatos sobre o fim da obrigatoriedade da contribuição, queixas de empresas e trabalhadores em relação à cobrança e até disputas sobre a divisão dos recursos entre federações — algumas das ações mais comuns, segundo advogados e juízes. No entanto, na percepção desses especialistas, houve influência da disputa pela contribuição nos dados. Só em março, mês em que a cobrança do imposto era feita antes da mudança da lei, foram registradas no total mais de seis mil ações. Esse debate jurídico pode ter fim nesta quinta-feira, quando o Supremo Tribunal Federal (STF) julgará as 19 ações diretas de inconstitucionalidade (ADIs) que questionam a nova regra.
A decisão terá efeito vinculativo. Ou seja, juízes de instâncias inferiores deverão acompanhar o posicionamento da Corte. O relator do caso é o ministro Edson Fachin, que já informou que poderá se posicionar por meio de liminar, caso o plenário não possa analisar a matéria.
INTERPRETAÇÃO DE CADA JUIZ
Há dois pontos principais em discussão. O argumento mais usado por quem questiona a reforma é o de que a contribuição sindical é um tributo e, por isso, suas regras deveriam ser modificadas por lei complementar, aprovada por maioria absoluta do Congresso, enquanto a reforma trabalhista é uma lei ordinária, que exige maioria simples. Além disso, há crítica sobre o fato de a taxa ser facultativa, enquanto a Constituição prevê que todos os sindicatos devem servir a todos os trabalhadores da categoria, não se restringindo aos que contribuem.
Diante desse dilema, o Supremo pediu ao TST um posicionamento sobre o assunto, que deve ser usado para debater as ADIs. Em documento de 50 páginas, o Tribunal afirma que já recebeu 60 pedidos de correição (espécie de recurso). Em 33 deles, o TST concedeu liminar. Mas destacou que “não há precedente sobre a constitucionalidade das normas em debate”.
Enquanto as instâncias superiores não chegam a um entendimento, processos têm sido decididos segundo a interpretação de cada juiz. No início do mês, por exemplo, o sindicato dos comerciários de Feira de Santana (BA) conseguiu liminar permitindo o repasse. Em dezembro passado, uma juíza de Lages (SC) concedeu o mesmo direito ao sindicato dos auxiliares em administração escolar da cidade.
No Rio, segundo levantamento do Tribunal Regional do Trabalho da 1ª Região (TRT-1), 1.036 ações foram ajuizadas entre novembro e março com o tema contribuição sindical. Tanto o balanço do TRT como o do TST não especifica quais são os autores das ações. Ou seja, o número contém questionamentos por parte de sindicatos, trabalhadores ou empresas.
— No momento em que a contribuição sindical passa a ser facultativa, na minha observação, conflita com toda essa estrutura de funcionamento do sindicato (prevista na Constituição) — avalia a juíza do trabalho Claudia Pisco, diretora da Associação dos Magistrados da Justiça do Trabalho da 1ª Região (Amatra 1), do Rio.
A magistrada, que atua na 45ª Vara do Trabalho da cidade, diz que já recebeu ações questionando a cobrança, mas aguarda a decisão do STF para dar andamento aos processos.
Um dos autores da reforma trabalhista, o juiz Marlos Melek, da 1ª Vara de Trabalho em Araucária e Campo Largo, na região de Curitiba, tem opinião diferente. Para ele, não faz sentido exigir que a mudança de regra seja por lei complementar.
— A contribuição sindical obrigatória foi criada por lei ordinária federal. Qualquer estudante de Direito sabe que, para alterar lei ordinária, basta ter outra lei ordinária — afirma Melek, que já recebeu três ações pedindo a volta do imposto e negou.
De acordo com Ricardo Pereira de Freitas Guimarães, doutor em Direito do Trabalho pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), o tema é complexo e será amplamente discutido antes da decisão no Supremo. Segundo Guimarães, que considera constitucional o fim do imposto, a reforma deu maior poder ao trabalhador, que pode decidir se contribui ou não com a entidade representativa.
— Nenhum trabalhador pode ser obrigado a dar um dia inteiro de trabalho para o sindicato. Isso deve ser facultativo, conforme determinou a reforma trabalhista. O trabalhador que se considerar de fato representado pode, de forma espontânea, fazer a contribuição — destaca.
Antônio Carlos Aguiar, professor da Fundação Santo André e diretor do Instituto Mundo do Trabalho, também não vê problemas no fim da obrigatoriedade da contribuição:
— Se o STF decidir pela inconstitucionalidade, deveria determinar que sindicatos fossem fiscalizados pelo Tribunal de Contas da União (TCU). Se o sindicato considera o imposto um tributo, logo, exerce função estatal, e deve haver prestação de contas. Afinal, ninguém sabe para onde vai esse dinheiro.
O advogado trabalhista José Eymard Loguércio pondera que seria necessária uma alternativa de financiamento:
— A contribuição não é popular, ninguém gosta de pagar, mas tem um sentido. A desvinculação da compulsoriedade leva, num momento imediato, a uma desestruturação do sistema sindical.
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Em seis meses, demissões por acordo aumentam quase 150% no país
26/06/2018
Setor de serviços foi o que mais registrou casos da modalidade de rescisão em maio
Sete meses após a reforma trabalhista entrar em vigor, dados do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged), divulgados pelo Ministério do Trabalho, mostram que as demissões feitas por acordo entre trabalhadores e empresas — possibilidade criada pelas novas regras — cresceram em todo o país. Em dezembro de 2017, um mês após a mudança na legislação, foram feitos 5.841 acordos. Já em maio deste ano, o número saltou para 14.576, o que representa aumento de 149% em seis meses.
A demissão feita por acordo entre as partes possibilita a rescisão do contrato de trabalho apenas com um termo assinado entre patrão e empregado. Mas os valores pagos são diferentes dos da demissão normal: a multa sobre o saldo do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço cai de 40% para 20%, são pagos 50% do aviso prévio, e o trabalhador pode sacar somente 80% do FGTS. O funcionário também recebe férias e décimo terceiro salário proporcionais, mas não tem direito ao seguro-desemprego.
MAIOR CONFIANÇA NA NOVA LEI
De acordo com os dados do Caged, o setor de serviços foi o que mais fez rescisões por acordo no país no mês de maio, 6.801. O comércio ficou na segunda posição, com 3.733, seguido pela indústria de transformação, com 2.474.
O estado de São Paulo registrou o maior número de rescisões de trabalho por acordo no mês passado, 4.247, seguido pelo Rio, com 1.603, e pelo Paraná, com 1.163.
Para Antônio Carlos Aguiar, professor da Fundação Santo André e diretor do Instituto Mundo do Trabalho, a demissão por acordo é um dos pontos da reforma que beneficiam o trabalhador, ao permitir acesso a parte dos diretos trabalhistas no momento da rescisão.
— Antes da reforma, o empregado que queria deixar uma empresa não pedia demissão porque sabia que perderia dinheiro. Com a possibilidade de acordo, ficou mais fácil resolver este tipo de problema, visto que empregados e patrões saem ganhando — explica Aguiar, ressaltando que a demissão por acordo deve ser sempre acompanhada de perto pelo sindicato, para que fique claro que não há pressão por parte da empresa, por exemplo, para que o profissional tome esta decisão.
Ainda de acordo com Aguiar, as questões abordadas pela reforma ainda passam por maturação, mas dados já indicam uma maior confiança dos empresários em relação à lei.
— Vale destacar que a medida provisória (MP) 808, que mudaria alguns pontos da reforma, não foi votada pelo Congresso. Então, vale o que foi aprovado em novembro do ano passado. Assim, empresários já passam a adotar com mais vigor o que foi modificado, e os dados apontam que já há maior segurança jurídica em relação a alguns temas — avalia. (Bruno Dutra)