Título: Futuro em jogo
Autor: Vicentin, Carolina
Fonte: Correio Braziliense, 06/05/2012, Mundo, p. 22

Com o segundo mandato ameaçado, Nicolas Sarkozy luta pelos últimos votos, mas seu partido começa a redefinir espaço em um cenário político marcado pela ascensão da extrema direita

Após uma campanha intensa, dominada por temas da ultradireita e pelo medo da crise econômica, 45 milhões de eleitores decidirão hoje nas urnas quem será o próximo presidente da França. Na reta final, as pesquisas mantinham uma dianteira apertada em favor do candidato do Partido Socialista, François Hollande: 52% das intenções de voto, contra 48% para o atual presidente, o direitista Nicolas Sarkozy — uma vantagem que caiu pela metade ao longo da última semana. Sarkozy, fiel ao temperamento que o fez admirado, inicialmente, mas por fim cristalizou uma rejeição consistente ao seu nome, apostou até o fim na virada. E, ainda que a consiga, contra a expectativa unânime dos analistas, seu partido, a União por um Movimento Popular (UMP), terá de se adaptar e redefinir seu papel na política francesa, de saída para enfrentar as eleições legislativas do mês que vem.

A UMP foi criada em 2002, como uma espécie de partido guarda-chuva para agrupar políticos centristas e remanescentes do gaullismo — a corrente política fundada no pós-guerra em torno do general Charles de Gaulle. A estratégia deu certo com Jacques Chirac, antecessor de Sarkozy, e se consolidou em 2007, quando o atual mandatário se elegeu proclamando o nascimento de uma "direita sem complexos". Mas o jeito excêntrico e arrogante de Sarkozy, aliado à crise econômica que assola a Europa, prejudicou os planos da UMP de emendar mais cinco anos à frente da quinta economia do planeta.

"Se Sarkozy perder a eleição e se retirar da vida política, como disse que faria, podemos esperar muita agitação interna na direita francesa", analisa o cientista político Gilles Ivaldi, do Centro Nacional de Pesquisa Científica (CNRS, em francês). A UMP terá de definir um novo líder e, consequentemente, um favorito para disputar as eleições presidenciais de 2017. Algumas figuras já sobressaem nessa briga: o líder parlamentar do partido, Jean-François Copé; o atual primeiro-ministro, François Fillon; e o ministro das Relações Exteriores, Alain Juppé. "O partido terá de manter a unidade. Sob a autoridade incontestável de Sarkozy, a coesão foi mantida. Sem ele, é provável que várias personalidades lutem pela liderança", antevê Ivaldi.

Isso se o presidente realmente se aposentar. Alain Minc, amigo e conselheiro de Sarkozy, sugeriu que pode haver um futuro para o atual mandatário como líder da oposição. "Se ele for derrotado, mas emplacar até 48,5%, com governos em todo lugar sendo derrotados pela crise econômica, não seria uma desgraça. Vamos ver o que ele decide fazer", disse Minc à agência Reuters.

Ainda que reeleja o presidente, a UMP tem pela frente eleições legislativas difíceis, com a extrema direita mais forte do que há cinco anos. Com o impressionante desempenho de Marine Le Pen no primeiro turno — ela obteve 17,9% dos votos —, a Frente Nacional (FN) enraizou sua influência e parece mais próxima do que nunca de se instalar na Assembleia Nacional. Embora Marine tenha procurado se distanciar de ambos os finalistas da corrida presidencial, especialistas não descartam a possibilidade de acordos locais entre a UMP e a FN. "Se Sarkozy realmente for derrotado, haverá grandes debates dentro de seu partido: será que a aliança com o centro será renovada? Ou será que haverá uma ponte com a Frente Nacional?", especula Bruno Cautrès, do Centro de Pesquisa Política de Paris.

O líder parlamentar Copé (E), o premiê Fillon e o chanceler Juppé: três nomes para recompor a direita clássica francesa

Estratégias Ao longo da campanha, o presidente acenou mais aos eleitores da extrema direita do que aos centristas. Em várias ocasiões, prometeu maior rigidez com a imigração, para "proteger" os empregos dos franceses. A aproximação com o programa da FN irritou alguns figurões da UMP, que o acusam de estar corrompendo a República na busca desesperada por votos. Na última quinta-feira, quando o ex-candidato centrista François Bayrou declarou que votaria em Hollande, Sarkozy pareceu ter se dado conta de que o radicalismo poderia afastá-lo ainda mais da reeleição. Como antídoto, escolheu a cidade de Les Sables, tradicionalmente centrista, para o último ato de campanha, na sexta-feira.

A esperança do líder da UMP é ter convencido a maioria dos eleitores de Marine Le Pen e de François Bayrou. Pesquisas apontavam que ainda havia indecisos entre esses quase 10 milhões de franceses, somando os eleitores dos dois ex-candidatos. Mas, mesmo com possibilidade matemática de uma reviravolta, os especialistas são praticamente unânimes em afirmar que Sarkozy dificilmente será reeleito. "Há dois fatores que funcionam contra ele: a fadiga geral dos franceses em relação à sua personalidade e a desconfiança dos eleitores da FN, que não querem transferir seus votos para ele no segundo turno", assinala Rand Smith, professor que estuda política francesa na Universidade de Lake Forest, nos Estados Unidos.

Palavra do especialista

Identidade renovada Com a derrota de Nicolas Sarkozy, a União por um Movimento Popular (UMP) sofrerá um abalo em sua liderança, mas continuará sendo o partido mais tradicional na França, com uma inspiração essencialmente gaullista. A UMP tem feito regularmente alianças informais com a Frente Nacional (FN), de forma a atingir o sentimento anti-imigração e as políticas de "lei e ordem" que apelam para a base da extrema direita. Agora, as autoridades da UMP sabem que precisam do apoio da FN para ganhar cadeiras no parlamento. Mesmo assim, acho improvável que François Hollande tenha de lidar com um legislativo de direita, caso seja eleito. Seu ímpeto vai levá-lo à vitória também nessa disputa. As regras atuais, com a legislativa vindo logo após a eleição presidencial, tornam a coabitação entre esquerda e direita quase impossível.

Michael Lewis-Beck, professor emérito da Universidade de Iowa e coautor do livro French presidential elections (ainda sem tradução para o português)