O globo, n. 31003, 25/06/2018. Editorial, p. 12
Uma postura laica
25/06/2018
Tema em discussão: Descriminalização do aborto
Assunto em que se misturam aspectos morais, éticos e religiosos, o aborto desafia a necessidade de equilíbrio na abordagem do tema, principalmente por agentes públicos que atuam em um Estado constitucionalmente laico, obrigado a ficar equidistante de credos. Este é o entendimento racional da questão, mas, infelizmente, nem sempre é assim que transcorrem os debates.
Em agosto, haverá mais uma oportunidade no Supremo de reflexão sobre o assunto, a partir de uma audiência pública convocada pela ministra Rosa Weber, relatora de ação impetrada pelo PSOL em favor da descriminalização do aborto. O partido contesta a parte do Código Penal que pune o procedimento.
O desafio é o da racionalidade, sem abrir mão de conceitos em defesa dos direitos humanos. No caso, da mulher. É positivo que o Supremo tenha experiência em discussões neste campo, tendo tomado decisões realistas, conectadas à vida real, como deve ser no laicismo, blindadas contra pressões religiosas.
Foi assim na liberação de pesquisas com células-tronco embrionárias, um avanço da ciência, em que foram colocados sobre a mesa argumentos com base em princípios religiosos sobre o momento em que surge a vida. Ficou-se com a ciência, como deveria ser. O assunto voltou à Corte na permissão do aborto de fetos anencefálicos (sem cérebro), exceção incluída no Código Penal ao lado do estupro e do risco de vida da mãe.
No pano de fundo do tema, há pontos que não se podem perder de vista. Um deles é que, antes de qualquer outra implicação, o aborto é problema de saúde pública. E mais: a proibição legal não costuma evitar o aborto. Ao contrário, sustenta uma indústria clandestina e perigosa de clínicas despreparadas. Daí, o alto índice de mortalidade de mulheres, vítimas de procedimentos mal feitos.
Estima-se que, no Brasil, a cada dois dias morra uma mulher por complicações em aborto clandestino. Uma legislação sensata salvaria vidas. Segundo a revista de ciência “Nature”, pesquisa feita em setembro do ano passado contabilizou que 25,1 milhões de mulheres fazem aborto todos os anos no mundo. Respondem por 45,1% das 55,7 milhões das interrupções de gravidez. Onde o aborto não é criminalizado, 87,4% dos procedimentos são realizados de forma segura. Onde há leis duras, apenas 25,2% são feitos de maneira adequada. Parece óbvio, mas o que chama a atenção é a grandiosidade dos números. O julgamento da ação do PSOL é uma chance para se jogar luz em um tema objeto de muita manipulação, embora seja fundamental para salvar vidas. Não faz bem à discussão que no Congresso haja manobras rasteiras de bancadas religiosas para, de forma escamoteada, proibir o aborto em qualquer circunstância, mesmo nas já previstas no Código Penal. Já se tentou contrabandear o veto para projetos de lei sobre outros assuntos. Isso não ajuda a que a sociedade faça uma reflexão sobre o tema, tendo o máximo de informações objetivas possíveis.
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O fascismo dos abortistas
Márcio Pacheco
25/06/2018
Quando o assunto é a legalização do aborto tem-se uma verdadeira batalha ideológica, o que é natural numa sociedade plural. Na democracia representativa, há instrumentos e espaços adequados para que a vontade popular seja respeitada. O contrário disso é fascismo. Pregadores da “liberdade” progressista, o PSOL parece discursar uma coisa e praticar outra. O partido protocolou no STF uma Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF nº 442), que é uma ferramenta jurídica utilizada apenas em casos onde se desrespeite a Constituição. Com isso, querem que o Supremo decida acerca da liberação do aborto no Brasil, driblando o Congresso e golpeando a democracia. É jogo sujo. É golpe!
Ao contrário da Argentina e da Irlanda, os dois países que recentemente utilizaram vias democráticas para legalizar o aborto até a 14ª e 12ª semanas de gestação, respectivamente, o PSOL propõe que o STF “legisle” sobre questões que não cabem ao Judiciário, abrindo precedente para uma judicialização da política. Na Argentina, após ampla discussão com a sociedade, o parlamento decidiu numa votação apertada pela liberação do aborto. Já a Irlanda realizou um referendo, para que as ruas se manifestassem.
No Brasil, as pesquisas apontam que a esmagadora fração da população é contra o aborto — 79% (Ibope, 2016). E o PSOL sabe disso. Ao dar entrada na ADPF 442, cujo único objetivo é declarar a inconstitucionalidade parcial dos artigos 124 e 126 do Código Penal Brasileiro, que criminalizam o homicídio de crianças no ventre, o partido nega que o lugar para a conquista de direitos numa democracia representativa é o parlamento. É o fascismo da esquerda abortista mostrando a sua face cruel. Existem hoje excludentes de punibilidade para o aborto em dois casos: estupro e risco de morte da mãe. A interrupção da gravidez por anencefalia foi uma decisão do STF. O tema do aborto é um rolo compressor de efeito mundial, uma agenda ideológica que mata crianças. A Inglaterra, onde o aborto é permitido até o sexto mês, decretou recentemente a morte de dois meninos portadores de doenças raras, Alfie Evans e Charlie Gard. Os que lutam “pelo direito de decidir” ignoraram o direito dos pais desses meninos de prolongarem a vida dos seus filhos. Atualmente, as lutas “por direitos” colocam no centro não a dignidade da pessoa humana, detentora de direitos, mas a vontade de alguns acima de todos os direitos. O Brasil será o próximo país a banalizar a morte de inocentes? Não se o povo tiver voz. A esquerda tapa os ouvidos para as mulheres, que, em sua maioria, não apoiam o “aborto legal”. Parecem mais preocupados em impor arbitrariamente a morte de nascituros que cumprir a Constituição, nosso maior instrumento de inviolabilidade da vida — esteja fora ou dentro do ventre.
*Márcio Pacheco é deputado estadual (PSC)