Título: A conexão Coreia do grupo de Cachoeira
Autor: Sassine, Vinicius
Fonte: Correio Braziliense, 02/05/2012, Política, p. 2

O bicheiro Carlinhos Cachoeira teria usado auxiliares do governo de Goiás, o próprio governador Marconi Perillo (PSDB) e o deputado federal Carlos Alberto Leréia (PSDB-GO) para tentar emplacar negócios em parceria com grupos sul-coreanos. Cachoeira é sócio de empresários da Coreia do Sul pelo menos desde 2003, quando incorporou um sul-coreano à sociedade da Bet-Capital, empresa de limpeza urbana investigada pela Polícia Federal na Operação Monte Carlo. O bicheiro continuou a tratar o país asiático com prioridade e aproximou a Delta Construções, para quem atuava em busca de novos contratos, de empresas da área de tecnologia da Coreia do Sul.

Para ter êxito, Cachoeira promoveu encontros de representantes asiáticos com auxiliares dos governos de Goiás e do Distrito Federal e com Perillo, como mostram as gravações de conversas telefônicas autorizadas para a Monte Carlo. A nomeação do deputado Leréia para a presidência da Comissão de Relações Exteriores da Câmara, cargo exercido entre março de 2011 e março de 2012, também foi utilizada para favorecer os sul-coreanos.

Uma empresa sul-coreana, a EB Card, esteve no centro das investigações que culminaram na Operação Saint-Michel, deflagrada na semana passada pelo Ministério Público do DF como um desdobramento da Operação Monte Carlo. A Saint-Michel prendeu Cláudio Abreu, ex-diretor da Delta Construções no Centro-Oeste, e expediu mandado de prisão para o diretor da empresa em São Paulo e na Região Sul, Heraldo Puccini Neto, ambos ligados a Cachoeira. O MP detectou um esquema de pagamento de propina para a Delta levar o sistema de bilhetagem eletrônica no DF. A empreiteira não tem tecnologia para operar a bilhetagem no transporte público coletivo. Para isso, contava com uma parceria com a EB Card, conforme as investigações. A bilhetagem eletrônica pode movimentar R$ 60 milhões por mês.

O inquérito em curso no Supremo Tribunal Federal (STF), que investiga as relações de Cachoeira com parlamentares, entre eles Leréia, traz diálogos telefônicos que evidenciam as movimentações do bicheiro em prol dos sul-coreanos. Em 13 de junho do ano passado, Cachoeira fala com seus auxiliares sobre o encontro do representante da EB Card com “o secretário de Transportes do DF e o diretor do DFTrans”. No mesmo dia, menos de duas horas depois, o bicheiro é informado pelo ex-vereador Wladmir Garcez — também denunciado no âmbito da Operação Monte Carlo — de que “o governador marcou reunião às 15h no hangar do estado com o pessoal da Coreia”. Wladmir é apontado pela PF como um dos intermediários entre Cachoeira e o governador de Goiás, Marconi Perillo.

Outro intermediário, o então presidente do Detran de Goiás, Edivaldo Cardoso, é convidado pelo bicheiro para conhecer na sede da Delta em Goiânia o sistema desenvolvido pelos coreanos. À então chefe de gabinete de Perillo, Eliane Pinheiro, Cachoeira pediu uma audiência para um “cara quente” da Câmara de Comércio Brasil-Coreia. “Ele vai trazer uma pessoa, uma personalidade para visitar meus governos”, diz o contraventor. A conversa ocorreu seis dias antes da chegada do representante da EB Card. Tanto Edivaldo quanto Eliane foram demitidos por Perillo em razão da proximidade a Cachoeira.

ONU

Na Câmara, o bicheiro contou com o presidente da Comissão de Relações Exteriores. Leréia assumiu a presidência da comissão em 2 de março de 2011. Menos de um mês depois, Cachoeira disse a um interlocutor que “Leréia quer apresentar o embaixador coreano”. Em junho, o deputado se gabou ao bicheiro do compromisso de que foi incumbido, como presidente da Comissão de Relações Exteriores: receber o secretário-geral da Organização das Nações Unidas (ONU), o sul-coreano Ban Ki-moon. “O coreano Ban Ki-moon, tenho de receber ele aqui, me convocaram para receber ele.”

Ao Correio, Leréia disse que só se pronuncia sobre esse assunto “depois de ler o inquérito”. O governador Marconi Perillo afirmou, por meio de sua assessoria de imprensa, não se recordar de ter recebido uma delegação da Coreia do Sul nem saber se algum deles tinha “qualquer tipo” de relação com Cachoeira. “O governador tem por hábito receber dezenas de comitivas, estrangeiras ou de outros estados, que procuram a Secretaria de Indústria e Comércio com o objetivo de investir no crescimento econômico de Goiás”, disse a assessoria. No dia da deflagração da Operação Saint-Michel, na quarta-feira da semana passada, o Governo do Distrito Federal negou irregularidades e disse que a ofensiva do grupo de Cachoeira sobre o serviço de bilhetagem eletrônica não chegou a se concretizar.

Editais

Emissários de Cachoeira foram mandados para a Coreia do Sul, como mostram as transcrições das conversas telefônicas do grupo. O diretor da Delta Construções em São Paulo e na Região Sul, Heraldo Neto, chegou a receber e-mails desses emissários, com cópias para Gleyb Ferreira da Cruz, um dos principais assessores do bicheiro. Num dos diálogos existentes no inquérito do STF, Cachoeira pergunta a Gleyb se seria possível ter acesso a editais — a PF não especifica que editais são esses. “Sim, mas os coreanos vão pedir um edital da Coreia que vai garantir exclusividade”, responde Gleyb. O bicheiro também fala sobre o assunto com o ex-diretor da Delta no Centro-Oeste Cláudio Abreu. “Só que o Heraldo tá em reunião com o Pacheco lá em São Paulo, tem de esperar”, diz ele, em referência a outros dois diretores da Delta.

Visita na Papuda

O bicheiro Carlinhos Cachoeira recebeu ontem de manhã a visita da mulher, Andressa Mendonça, 30 anos, e do irmão. Durante cerca de uma hora, eles estiveram com o contraventor na ala de custódia federal do Complexo Penitenciário da Papuda. Preso desde 29 de fevereiro, Cachoeira está há duas semanas em Brasília — antes, o bicheiro ficou detido no presídio federal de Mossoró (RN). Segundo agentes penitenciários que monitoraram a visita, Cachoeira teve direito ao encontro “social”: o preso e o familiar ficam separados por um vidro. De acordo com o Departamento Penitenciário Nacional (Depen), os detentos da ala federal na Papuda podem receber a visita de familiares todas as terças-feiras entre as 9h e as 12h.

Interceptações

Carlinhos Cachoeira conversa com Eliane Pinheiro, então chefe de gabinete do governador de Goiás, Marconi Perillo (PSDB), sobre representantes sul-coreanos e o vereador de Anápolis (GO) Fernando de Almeida Cunha (PSDB), num diálogo gravado em 7 de junho de 2011:

Cachoeira Não esquece de marcar, hein! Aquele encontro com aquele, te ligou o Fernandinho. Eliane Não. Cachoeira Vou te passar aqui quem é o pessoal que tá pedindo essa audiência aí, tá? O cara da Câmara de Comércio Brasil-Coreia, um cara quente, ele vai trazer uma pessoa, uma personalidade para visitar meus governos, aí tô passando o e-mail, o Fernandinho vai te passar. Eliane Eu vou ligar pro Fernandinho, então. Cachoeira Obrigado, viu, tchau. Eliane De nada, um beijo.