O globo, n. 31000, 22/06/2018. País, p. 5

 

Por unanimidade, STF libera humor na eleição

Carolina Brígido

22/06/2018

 

 

Foram derrubados trechos da lei eleitoral que limitavam liberdade de expressão e de imprensa no período

-BRASÍLIA E RIO- Por unanimidade, o Supremo Tribunal Federal (STF) derrubou ontem trechos da legislação eleitoral que restringiam a liberdade de expressão e de imprensa durante o período de campanha política. Para os ministros da Corte, a regra que proibia sátiras humorísticas feitas para ridicularizar políticos é inconstitucional porque representa uma forma de censura. Os artigos declarados inconstitucionais pelos ministros já estavam suspensos desde 2010 por uma liminar concedida pelo próprio Supremo. O julgamento de ontem apenas sacramentou a ilegalidade dessa legislação.

— A censura é a mordaça da liberdade. Quem gosta de censura é ditador. A liberdade não é só um direito, é o pressuposto para o exercício de todos os direitos — disse a presidente do tribunal, ministra Cármen Lúcia, lembrando que qualquer tipo de censura é vedado.

A norma declarada ilegal proibia emissoras de rádio e televisão de “usar trucagem, montagem ou outro recurso de áudio ou vídeo que, de qualquer forma, degradem ou ridicularizem candidato, partido, coligação, ou produzir ou veicular programa com esse efeito”. Outro trecho vedava também “difundir opinião favorável ou contrária a candidato, partido, coligação, a seus órgãos ou representantes”.

 

“TRATAMENTO PATERNALISTA”

No julgamento, os ministros ressaltaram que há meios legais para se combater eventuais excessos cometidos pela imprensa. A solução é mover uma ação penal por crime contra a honra por quem se considerar ofendido. Cármen Lúcia ressaltou que casos de ofensa a cidadãos comuns se resolvem dessa forma, e candidatos não deveriam ter um tratamento diferenciado.

O ministro Luiz Fux, presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), disse que, durante as campanhas, o Judiciário deve interferir o mínimo possível, para garantir a liberdade de expressão:

— Disputas político-eleitorais exigem maior deferência da liberdade de expressão e de pensamento.

O julgamento começou na quarta-feira, com o voto do relator do processo, o ministro Alexandre de Moraes. Para ele, o período eleitoral não pode ser usado como justificativa para se restringir a liberdade de expressão:

— Isso é fruto de um tratamento paternalista de achar que as pessoas não podem ter acesso a todas as informações, que não vão saber analisar e elaborar seu próprio pensamento crítico.

Para ele, candidatos que não desejam receber críticas deveriam ficar fora da disputa:

— Quem não quer ser criticado, ser satirizado, que fique em casa, não seja candidato, não se ofereça para disputar cargos políticos.

A ministra Rosa Weber, que presidirá o TSE no período das campanhas, destacou que a lei tenta equiparar o período de disputa política ao estado de exceção, único em que se permite alguma restrição à liberdade de expressão:

— O processo eleitoral não é estado de sítio.

Ator e um dos sócios do Porta dos Fundos, João Vicente de Castro classifica como “uma grande vitória” a decisão STF.

— Existe uma nova geração muito potente que vem aí, e tem poder de voz. Assim como eu, esses jovens não viveram o período da ditadura, que foi um momento de censura. Talvez uma das piores cóleras da sociedade seja a censura. Sob censura não se cria nada, a cultura murcha — afirma João Vicente, que completa. — Essa decisão do STF é uma grande vitória. Não acredito que o humor possa tudo, a grosseria que machuca deve ser evitada. O que não pode é existir uma lei que limite o direito de um comediante de trabalhar.

O humorista Fábio Porchat esteve em Brasília para tratar da votação da regra, no início do mês. Ele foi acompanhado dos humoristas e roteiristas Bruno Mazzeo e Marcius Melhem. O grupo esteve no Supremo num encontro com o ministro Alexandre de Moraes. Na pauta estava a liberdade de expressão do humor durante o período eleitoral.

— Prevaleceu o bom senso. Liberdade de expressão sempre. Para os humoristas e para todos os brasileiros — comemorou Porchat, após a notícia da queda da regra.

 

CONTESTAÇÃO FEITA PELA ABERT

Integrante do Casseta & Planeta, Cláudio Manoel diz que a antiga regra já prejudicou os programas do grupo na TV:

— Já foi tarde essa lei. A sociedade tem que comemorar o fim de algo tão atrasado. O humor é uma das formas de liberdade de expressão. Como impedir piadas sobre o assunto? O cenário político brasileiro já é uma piada em si.

Os trechos da lei eleitoral foram contestados no STF pela Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e TV (Abert). Na quarta, o advogado da entidade, Gustavo Binenbojm, afirmou que a lei instaura um tipo de censura.

A procuradora-geral da República, Raquel Dodge, reformou o parecer do órgão. Em 2010, a PGR havia sido favorável à lei. Agora, Dodge defendeu a derrubada dos artigos.