Título: Os tentáculos mineiros do bicheiro
Autor: Sassine, Vinicius
Fonte: Correio Braziliense, 02/05/2012, Política, p. 3
Belo Horizonte — Prefeituras do Noroeste de Minas Gerais firmaram contratos com empresas fantasmas do grupo do contraventor Carlos Alberto de Almeida Ramos, o Carlinhos Cachoeira, para tocar programas de habitação popular financiados pela Caixa Econômica Federal como o Minha Casa, Minha Vida, aponta relatório da Operação Monte Carlo, da Polícia Federal. Coincidência ou não, todas as cidades — Natalândia, Bonfinópolis de Minas, Riachinho e Urucuia — estão no entorno de Unaí, onde vive o pai do bicheiro, Sebastião de Almeida Ramos, de 86 anos.
As empresas contratadas foram a Brava Construções e Terraplanagem Ltda. e a Emicom Construções e Terraplanagem, que foram registradas em nomes de laranjas e também prestaram serviços a municípios do interior do Ceará e de São Paulo. De acordo com as apurações do MP, as empreiteiras existem somente no papel.
Desde 2009, um total de R$ 1 milhão foi movimentado por meio de contratos para a elaboração de projeto de construção de casas populares e de banheiros assinados pela Brava e a Emicom com seis prefeituras de Minas Gerais, São Paulo e Ceará. Em Minas, as quatro prefeituras que contrataram as duas empresas usaram recursos dos governos federal e estadual no valor de R$ 92 mil.
Segundo relatório da Procuradoria da República de Goiás, 98,5% das receitas das construtoras eram alimentadas por depósitos da Delta Construções Ltda, outra empresa suspeita de integrar o esquema. A procuradoria afirma que elas eram usadas por Cachoeira para a lavagem de dinheiro da Delta e também do jogo.
No relatório de análise, a Polícia Federal verificou que R$ 13 milhões em créditos da Brava foram remetidos pela Delta. Os indícios de que a empreiteira seja fantasma não ficam por aí: “Entende-se que há fortes indícios de que a Brava Construções e Terraplanagem Ltda. não possua efetivamente atividades operacionais condizentes com seu cadastro de empresa destinada à construção de edifícios”.
Além disso, o endereço da sede da Brava é o mesmo de outra empresa fantasma do grupo de Cachoeira: a Alberto & Pantoja Construção e Transporte Ltda. Ambas deveriam estar instaladas no Núcleo Bandeirante. No local existe apenas uma oficina de lanternagem em pintura. Também a sede da Emicom, que deveria estar na Asa Norte, não foi encontrada.
A Polícia Federal apurou ainda que a Brava e a Emicom têm outras coisas em comum: um dos seus sócios. A Brava está registrada em nome de Álvaro Ribeiro da Silva e de João Macedo de Miranda, que também seria dono de parte da Emicom. Segundo as investigações, os dois forneceram como endereço residencial o mesmo da sede das construtoras, ou seja, o de uma oficina mecânica.
A irregularidade fica ainda mais clara quando se considera que o procurador das empreiteiras Brava e Emicom é Geovani Pereira da Silva, responsável por toda a movimentação financeira da organização criminosa de Carlos Cachoeira. Geovani, que está foragido, recebeu recursos bem mais generosos do que os valores destinados à dupla de empresários: R$ 30 mil, somente em 2010.
O prefeito de Natalândia, Uadir Pedro Martins de Melo (PP), disse não se recordar de ter contratado a Brava Construções. No entanto, confirmou que a Emicom firmou convênio com o município para reforma de conjunto habitacional, com recursos do governo mineiro, no valor de R$ 100 mil. Ele ressaltou, entretanto, desconhecer qualquer irregularidade que inviabilizasse a contratação da empresa.
Por sua vez, o prefeito de Bonfinópolis de Minas, Luiz Araújo Ferreira (PT), disse que a Brava foi escolhida por meio de pregão eletrônico. A prefeitura pagou à Brava R$ 40 mil para elaboração de projeto de construção de casas populares. “As 100 casas já estão construídas no Bairro Primavera. Desconhecemos essa ligação”, reforça Júnior Borga, procurador do município. Procuradas, as prefeituras de Riachinho e Urucuaia não atenderam as ligações.
Máquinas de jogo Escutas da Polícia Federal revelam que o bicheiro Carlos Cachoeira tinha máquinas e casas de jogos não só em Goiás e Brasília, mas também nas cidades mineiras de Paracatu, Uberlândia, Uberaba e Araxá. Gravações de diálogos de integrantes da organização criminosa comandada pelo contraventor mostram conversas a respeito de envio de máquinas de jogos para essas cidades e também discussões a respeito de acertos financeiros ligados à jogatina nesses municípios.